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Guga Stocco: a transformação digital na era da Covid-19

Em um contexto de profundas mudanças, o mercado abre uma série de caminhos para que as instituições financeiras avancem em receitas, eficiência e competitividade


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por bem2030

Talvez a maior lição de negócios na pandemia é a clareza, para empresas, governos e indivíduos, de que abraçar a tecnologia não é uma opção. É uma necessidade de sobrevivência. Os dados da pesquisa Pulso Empresa, levantados pelo IBGE, são claros: desde março, mais de 700 mil empresas brasileiras fecharam as portas. Na segunda quinzena de agosto, cerca de 30% dos empreendedores afirmaram ter alterado o método de entrega de produtos e serviços com prioridade para atuar no online.

É notório perceber executivos abraçando a transformação digital em seus discursos. Eles exaltam as boas descobertas do trabalho remoto e a urgência de pensar e fazer diferente. Não apenas porque seguir esse caminho é necessário diante do isolamento social estendido, mas também porque os hábitos de seus clientes mudaram. Nos últimos meses, dentro de suas próprias casas, as pessoas começaram a fazer compras em supermercados pela internet, entraram em programas de treinamentos virtuais, descobriram a telemedicina. Até a academia foi colocada dentro do quarto. Muitos olham para a tecnologia não como facilitador, mas uma necessidade diária.

Nos últimos anos, tenho trabalhado como membro de Conselhos de Administração de diversas organizações. E meu maior aprendizado foi notar que projetos de transformação digital não esbarravam na adoção de uma tecnologia ultrajante. Em muitos casos, o problema nem era a falta de recursos. O entrave estava nos modelos de gestão, no apego àquilo que sempre funcionou, na resistência em mudar métricas de sucesso no mercado no curto prazo para se ganhar (muito) no longo prazo. Viemos de uma economia do século passado, em que o ideal era construir fábricas por anos para, depois, recuperar o investimento realizado e maximizar o retorno pelas décadas posteriores. Quando olhamos para a bolsa de valores, vemos a lógica do trimestre. A cada três meses, acionistas analisam o lucro da organização. Se veio acima das expectativas, a empresa é melhor avaliada. As ações sobem. Se veio abaixo, ela desvaloriza. As ações caem. Na mesa de negociações, CEOs se equilibram nesse vai e vem para tomar decisões que pendam ao lado da valorização. São bonificados se os papéis estão em alta. Perdem o emprego se eles caem por muito tempo. Mas a resistência à mudança não está apenas na cadeira que eles ocupam: vem de nós, como seres humanos.



Como mamíferos na natureza, lutamos muito mais para defender um território do que o atacante que pretende invadi-lo. E a História mostra que temos obtido êxito. No mundo corporativo, o agente de transformação é muito mais fraco na mesa de negociações do que quem pede a palavra para resistir a essa transformação. Quebrar essa mentalidade de resistência é o grande dilema que vivemos na transição entre a economia do século passado e o mundo do século 21. O que me faz mais otimista é que a pandemia abriu portas, quebrou tabus no mundo do trabalho. Tome-se o caso de uma pesquisa da consultoria Aon, que ouviu 277 companhias no Brasil: 77,3% delas vão manter o home office, ao menos parcial, depois da pandemia. Muitos hábitos estão sendo ressignificados. Pense nos próprios executivos como indivíduos, ou em clientes experimentando novas tecnologias em suas casas. Eles veem no dia a dia o potencial dessas mudanças

Para levar adiante a transformação digital, toda empresa precisa de planejamento estratégico e métricas de bonificações que resultem na criação de novas experiências aos usuários. Se o produto ou serviço que a sua organização oferece torna mais eficiente o trabalho de alguém, se facilita vidas, se faz uma pessoa se sentir bem, ele terá adesão. Com milhares de indivíduos aderindo a esse produto, bem ou serviço inserido em plataforma digital, os custos serão diluídos ao longo do ecossistema. É o paradigma do custo marginal zero. Mas mais do que conectar tecnologia, pessoas e serviços, o mundo de hoje exige reconstrução. Gosto muito da teoria dos primeiros princípios, à qual Elon Musk, dono da Tesla e SpaceX, adere em seus negócios. Musk defende que precisamos voltar às verdades fundamentais de uma situação, problema ou produto – em vez de raciocinar por analogias e copiar, com pequenas variações, o que os outros estão fazendo bem.

Ao criar a Space X, ele não replicou a estrutura aeroespacial existente, nem o conhecimento acumulado pela Nasa ou pelos russos. Ele se perguntou: o que essa missão exige superar em termos de desafios (radiação, degradação, velocidade)? Qual o menor custo para realizá-la? Identifique as verdades fundamentais do seu negócio: qual o seu diferencial? Qual é a sua missão? Para quem quer vender? Depois, liste os obstáculos para atingir as metas traçadas. Divida os problemas nos princípios fundamentais. Entenda quais são as peças da engrenagem, saiba por que elas existem e questione como poderiam funcionar melhor. Veja se é possível eliminar alguma. A pandemia mostrou que várias já estavam meio soltas. A gente é que não via. Ou não tinha coragem para removê-las.

Empresas no mundo inteiro foram forçadas a cortar ou suspender seus pagamentos de dividendos para conservar dinheiro e enfrentar a Covid-19. Talvez a crise leve as organizações a mudanças permanentes em seus sistemas de bonificação, recompensando altos executivos pela geração de valor no longo prazo – e não somente pelas metas atingidas no trimestre. Satya Nadella, CEO da Microsoft, conseguiu realizar o turnaround da empresa que hoje vale US$ 1 trilhão mudando métricas de bônus.

Agora, eles precisariam refletir não só sobre quem vende mais, mas o novo modelo de negócios da organização: focada na nuvem, na experiência do usuário. Ou seja, executivos sendo recompensados por gerar valor – e não por vender licenças. É preciso ter coragem para tomar decisões que impactem o curto prazo e criem uma empresa onde o lucro não seja o único propósito. Treinar as pessoas, nessa jornada, é fundamental para que elas tenham um ambiente onde se sintam seguras para divergir e agir com menos resistência a mudar o que “sempre deu certo”. Para que sejam agentes de transformação e não bastiões da resistência. Sem essa mudança, perdemos a chance de avançar, de forma mais rápida, aos caminhos que a crise de negócios atual nos abriu.

Guga Stocco é embaixador no Brasil do Stanford Reasearch Institute, empreendedor serial e membro dos conselhos de organizações como TOTVS, Banco Original e Grupo Soma

Publicado na 2ª edição da Revista 20/30. Baixe a versão digital aqui.

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