As paredes e fronteiras erguidas por antigos pensamentos foram à lona. Vivemos uma época de extremo escrutínio para repensar o que significa ser terráqueo. O mundo parece menos compreensível e mais perigoso – e exige uma comunidade intelectual global com pensamento profundo. Enquanto isso, tudo vai desmoronando: Estado-nação, bancos centrais, privacidade, capital sem fronteiras e guardiões do 1%. Medo e dúvida acompanham a crise ambiental. Vivemos diante de um populismo ressurgente, da paixão pela ignorância, da negação à ciência. Há desigualdades insustentáveis, incêndios e tempestades devastadores, convulsões políticas, colapso financeiro. Há uma pandemia. Um prato cheio aos profetas do apocalipse, que se esbaldam em cenários distópicos. Futurologias diversas, filosofias especulativas e aceleracionistas tentam dar sentindo à nova realidade enquanto criam ainda mais caos. Surge uma sopa de letrinhas com neofuturismos e pós-humanismos que nos enchem de desalento para mirar o horizonte.
Entretanto, sou um estudioso do futuro, um otimista racional, um tech-otimista. Compartilho conhecimentos com especialistas de várias áreas da ciência e diferentes partes do mundo. Somos orientados por dados para compreendermos a natureza do futuro da humanidade. Posso garantir que vivemos uma revolução silenciosa – que é fabulosa. Renasce um mundo fisital, híbrido, pluralista, multidisciplinar, transnacional e com abundância de inovação. Detalhe: ele vem acompanhado de uma economia inclusiva. Surge o encontro do racional-científico com o intuitivo-espiritual. Estamos diante da substituição do que conhecíamos por uma visão holística, que se sobrepõe ao utilitarismo e ao mundo mecanicista.
São tempos de novos conceitos. Entre eles, green innovation, legados quânticos, fim do antropoceno e início do novoceno. São tempos de exploradores robóticos nas fronteiras do sistema solar. Enfim, está aberta a temporada de mudanças. Isso nos faz refletir que, em meio à inexorável transformação para o futuro, chega-se ao fim da era digital, do Mundo VUCA e da Quarta Revolução Industrial. O caminho, agora, não dá espaço ao linear e ao cartesiano. Devemos aprender com o passado, interrogar o presente e antecipar o futuro. Goste ou não, estamos diante do futuro entrelaçado entre todos nós.
Sejam todos bem-vindos à Sociedade Global do Conhecimento. Podem chamá-la, também, de AI Economy, Democracia Hackeada ou Sociedade 5.0. É a era do ser, e não do ter. Está mais do que na hora de nos enxergamos como cidadãos globais vivendo em um mundo compartilhado. Daí a importância de repensarmos valores como inclusão, altruísmo, compaixão, cooperação, igualdade, desigualdade econômica e, por que não, o próprio capitalismo.
Coloque neste caldeirão de mudanças uma nova fronteira econômica. Mas lembre-se: desde que o capitalismo surgiu, pairam no ar profecias sobre seu fim. Agora é diferente. Chegamos na bifurcação de um novo capitalismo. Sim, é algo novo, que pode ganhar uma série de alcunhas: economia digital, economia verde, economia de baixo carbono, economia circular, economia criativa. Influenciadas pela tecnologia, a filosofia e a ética ganham uma nova urgência nas conversas globais. Logo, é hora de unir o melhor da intersecção entre as ciências humanas, exatas e biológicas. Não há exagero em dizer que é preciso explorar o invisível, as fronteiras da arte e até mesmo a espiritualidade. A pandemia não impôs uma crise econômica nem sanitária. Instalou-se uma crise de civilização.
Devemos aprender com o passado, interrogar o presente e antecipar o futuro. Goste ou não, estamos diante do futuro entrelaçado entre todos nós – uma coevolução simbiótica contínua de cultura e tecnologia. O amanhã já chegou e está aqui, ainda que mal distribuído. Como disse o escritor norte-americano de ficção científica William Gibson, esse novo mundo é bem mais emocionante que as ficções que um dia projetamos em filmes e livros.
O tempo, felizmente, corre em mão única. E anda em direção ao futuro. Mesmo que queiramos nos apegar a “um tempo bom, em que as coisas não eram tão complicadas”, não há como escapar da nova realidade. A implacável máxima darwinista permanece valendo: quem não se adaptar fatalmente desaparecerá.
Nestes tempos de mares turbulentos, percebemos que absolutamente os modelos estavam errados – ainda que alguns permaneçam úteis. Seja, portanto, um inventor do amanhã, um estrategista e visionário de uma aldeia global com menos fúria, mais compaixão e transparência. Ou você poderá ser como Sócrates descrito por Platão em Phaedrus, que lamentava a descoberta da escrita, pois passava-se mais tempo escrevendo do que debatendo.
Você também pode ser como o francês Victor Hugo ou a cientista britânica Ada Lovelace, que no século 19 nos deixaram palavras que permanecem vívidas até hoje. Lovelace, quando concluiu o primeiro programa de computador da história, chamou aquele algoritmo de ciência poética e exclamou: “Estou em um encantador estado de confusão!”. Victor Hugo, pressentindo os ventos de uma era de mudança, fez um discurso que ficou para a eternidade: “Qual é o perigo da situação atual? A ignorância”.
Ao mesmo tempo, nas barricadas da Revolução Francesa, emanavam-se mantras como: “Numa época de inovação, tudo o que não é novo é pernicioso” e “Audácia, mais audácia, sempre audácia”. O novo chegou. Tenham todos uma ótima viagem.
Gil Giardelli é membro da Federação Mundial de Estudos do Futuro e da World Future Society, professor em instituições como ESPM e FIA e fundador da Gaia Creative 5era.
Publicado na 2ª edição da Revista 20/30. Baixe a versão digital aqui.