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Neurótico o suficiente

Criador do primeiro banco digital do Brasil e de uma infinidade de negócios inovadores, Guga Stocco surfa na onda da tecnologia para melhorar a vida das pessoas


Por Paulo César Teixeira
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por bem2030

A única certeza é que tudo vai mudar e que é preciso ser neurótico o suficiente para surfar nessa onda.” A frase é o lema que guia a trajetória de Guilherme Stocco, um apaixonado por inovação. Ele dedicou boa parte de sua vida a estudar como a tecnologia pode transformar a sociedade e melhorar a vida das pessoas – do lazer ao trabalho, passando pelo mercado financeiro. Da teoria à prática: em mais de 20 anos de vida profissional, Guga (como é conhecido no mercado) tornou-se uma das principais referências na criação de negócios disruptivos no Brasil. Partiu dele, por exemplo, a introdução do conceito de banco digital no país. Além disso, liderou projetos com fundos de investimentos e experiências pioneiras de e-commerce e empreendedorismo.

Até o fim de 2019, esteve à frente da GR1D, empresa de open insurance que acaba de ser vendida. Com o capital aportado, Guga lançou um fundo para investir em tecnologias do futuro ao redor do mundo. Ele também integra os Conselhos Consultivos da B3 (junção da BM&FBovespa e Cetip), Grupo Hapvida (setor de saúde) e do braço financeiro do Carrefour. Faz parte ainda do Conselho de Administração da TOTVS (especializada em software, serviços, plataforma e consultoria) e é embaixador no Brasil do Stanford Research Institute, centro de inovação sem fins lucrativos criado em 1946 pela Universidade Stanford (EUA) – instituição de ensino que abrigou os fundadores de empresas como HP, Google, Yahoo e Nike entre seus ex-alunos e professores.

A experiência acumulada e a facilidade de comunicação fazem com que Guga seja chamado para palestras por América Latina, Estados Unidos, Canadá e Europa. Suas ideias estão expostas em linguagem acessível em canal próprio do YouTube e no podcast intitulado 25 – o mundo novo, em alusão ao ano de 2025. Entre os principais temas abordados estão tendências, fintechs, inteligência artificial e inovações em geral. O carisma confere a ele ares de celebridade, a ponto de participar da festa de aniversário da Rainha Elizabeth no Palácio de Buckingham, no Reino Unido.

Paulistano, 45 anos, Guga parte da ideia de que todos nascemos curiosos e sonhadores, mas perdemos a criatividade conforme ficamos adultos por influência do sistema educacional. “Somos formados para não sermos criativos. O legado impede a inovação”, sintetiza. Neste sentido, o maior pecado da escola é ensinar que não devemos errar. Guga defende que não há como criar algo novo sem cometer erros. Mas, atenção: isso não significa que a pessoa deva cair no mesmo buraco duas vezes. “Repetir o erro é idiotice. Por isso, é preciso criar novos erros”, afiança. “Se encararmos desse modo, o erro será um aprendizado que indicará o próximo passo a ser dado.” Essa inquietude, aliás, vem de longa data.

As aventuras da Patrulha Ultra

Na noite de 19 de maio de 1986, um controlador de voo avistou pontos luminosos não identificados ao sobrevoar o Vale do Paraíba, perto de São José dos Campos (SP), a bordo do Xingu (avião turboélice bimotor) que conduzia o então presidente da Petrobras, Ozires Silva. Alertada, a Força Aérea Brasileira (FAB) enviou cinco caças para combater a revoada de Objetos Voadores Não Identificados (Ovnis) em uma perseguição que se estendeu por quatro horas sem lograr êxito. Em zigue-zague, os alvos mudaram de localização em altíssima velocidade até sumirem do mapa sem deixar vestígios.

A Noite dos Ovnis – como foi batizado o episódio ufológico – foi mais um combustível para impulsionar um grupo formado por cerca de dez meninos que, já há algum tempo, havia assumido por conta própria a missão de proteger a Terra de uma invasão de alienígenas. Explica-se: aquela região sempre foi pródiga no registro de Ovnis. Liderada por um garoto de 12 anos de idade – Guga Stocco –, a Patrulha Ultra (como foi batizada por seus integrantes) havia construído túneis de escape e colecionado aracnídeos para extrair o veneno e misturá-lo ao chumbinho de revólveres e espingardas de brinquedo, em caso de ataque de extraterrestres.

A Patrulha Ultra era levada tão a sério que as crianças tinham camiseta com logotipo, que servia de uniforme. Havia hierarquia e treinamento de artes marciais. “Aquilo foi o prelúdio do que Guga viria a ser como adulto”, diz o diretor, roteirista e produtor de cinema Steven Phil, à época vizinho de Guga na região da represa de Igaratá, próximo a São José dos Campos, onde ambas as famílias tinham sítios. As aventuras dos meninos visionários de Igaratá poderão ser vistas em uma série que está em fase de desenvolvimento, com previsão de entrar no ar em 2021. “Será um seriado para todas as idades, um pouco na linha de Stranger Things, com direito a viagens no tempo”, antecipa Phil. A produção está na etapa de comercialização.

Tão ousada quanto a Patrulha Ultra foi a estreia de Guga como hacker, aos 14 anos, no condomínio em que morava no bairro Perdizes, com a ajuda de um computador TK 3000 (modelo fabricado em meados dos anos 1980 pela empresa brasileira Microdigital Eletrônica) e um modem adquirido na rua Santa Efigênia, paraíso dos artigos eletrônicos na região central da capital paulista. Ele ficou encantado quando um amigo trouxe um disquete que abria a possibilidade de entrar em ambientes virtuais do America Online (AOL) nos Estados Unidos pelo Bulletin Board System (BBS).

Precursor da internet, o sistema era na verdade um software que permitia conexão e interação via telefone interligado ao computador. Só havia um obstáculo: as ligações internacionais eram caríssimas. O que fazer? “Esticamos um fio até o quadro de telefones do prédio e escolhemos aleatoriamente um apartamento para fazer a ligação. Passamos o dia inteiro falando com os Estados Unidos. Alguém pagou a conta, e deve ter sido bem doída”, relembra, sem corar o rosto.

Carrinho que sobe pelas paredes

O atrevimento de Guga se equiparava ao entusiasmo com que vencia os obstáculos para alcançar objetivos. Nos anos 1980, após assistir ao filme Wall Street – Poder e Cobiça, de Oliver Stone, dirigiu-se até a Bolsa de Valores de São Paulo para se matricular em um curso de Engenharia Financeira. Só havia um problema: o rapaz foi impedido por não ter o pré-requisito de estar matriculado numa faculdade. Tanto insistiu que o funcionário consentiu em entregar-lhe o material didático para que levasse para casa. “Peguei as apostilas e estudei por conta própria. Não tinha medo de aprender.”

Na faculdade de Administração de Empresas da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), tentou desenvolver o projeto de um carrinho que subia pelas paredes. Um colega de faculdade havia conhecido um inventor maluco, que criara uma espécie de híbrido de carrinho de autorama e drone – veículo que, por sinal, ainda não existia. “Era algo tosco feito de madeira, que andava no teto.” Guga levou o sujeito para o sítio da família em Igaratá para que desenvolvesse em laboratório a invenção. O objetivo era comprar a patente e vendê-la para a Estrela, tradicional fábrica de brinquedos. Quase deu certo. “O cara era louco demais e não conseguiu desenvolver a coisa”, rememora.

Depois de se formar na FAAP, arrumou as malas para estudar marketing na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1996. Na época, a internet engatinhava. “Cheguei quando o Vale do Silício ainda não tinha esse nome”, registra. Como havia feito trabalhos acadêmicos sobre negociação com a China, antevendo a ascensão da nova potência econômica mundial, passou uma temporada de três meses em Xangai para visitar fábricas de microfibra, material que havia sido lançado recentemente com a perspectiva de revolucionar a indústria. Lá, fechou contratos de representação no Brasil com indústrias chinesas. “Foi quando o dólar saiu de um patamar de 1 por 1 em relação ao real para 4 por 1. Ainda assim, ganhei dinheiro. Imagina se a paridade continuasse”, especula.

De volta a São Paulo, participou da criação do primeiro shopping da web brasileira, no site UOL. Como falava inglês com desenvoltura, foi guindado ao setor de atendimento de clientes internacionais. Um deles convidou Guga para ser country manager de uma multinacional que vendia domínios na rede. Assim, aos 26 anos, era diretor da Verisign para a América Latina, dirigindo uma empresa que ocupava um andar inteiro do World Trade Center de São Paulo. Tudo indicava ser a hora de se deitar nos louros, mas Guga logo abandonou o cargo de alto executivo para assumir riscos como empreendedor – a paixão pos desafios e novidades falou mais alto.

Cyborg como mascote

Quando não havia Google, Guga lançou uma tecnologia que resolvia o problema dos anunciantes que desejavam aparecer nas primeiras menções das páginas dos buscadores. O mote para a criação da TeRespondo foi a constatação de que grande quantidade de empresas tinha dificuldade de ganhar visibilidade porque as pessoas só clicavam nos primeiros cinco links dos sites de busca – como Altavista e Cadê. Mais uma vez, não se deixou contagiar pelas conquistas e, em 2005, vendeu a TeRespondo para o Yahoo, naquele que foi apontado como o maior negócio envolvendo empresas de tecnologia no Brasil até então.

Em seguida, Guga foi requisitado pela Microsoft, onde trabalhou junto com o atual CEO da companhia, Satya Nadella, usando a expertise da TeRespondo para a criação do Bing, o segundo site de buscas mais popular do mundo, que hoje compete globalmente com o Google. Não tardou para ser contratado pela Buscapé, em 2010, logo depois de a startup de comércio virtual ser comprada pela sul-africana Naspers – hoje dona da OLX.

Apesar das conquistas e da carreira prodigiosa, o melhor estava por vir. Ninguém menos do que Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e que depois seria ministro da Fazenda, o indagou sobre o futuro dos bancos: “Banking is necessary; banks are not” [serviços bancários são necessários, bancos não são], respondeu, citando a famosa frase proferida por Bill Gates em 1994. “Ok, você começa amanhã”, devolveu Meirelles, que havia idealizado o projeto do Banco Original, do Grupo J&F. “No Original, criei o primeiro sistema de abertura de conta bancária pelo celular aprovado por Banco Central no mundo”, relembra Guga. Ele saiu da instituição financeira antes dos escândalos de corrupção envolvendo os proprietários, os irmãos Joesley e Wesley Batista.

Quando não está trabalhando, Guga Stocco não consegue ficar distante das motivações que o alimentam desde a infância. Na hora do lazer, por exemplo, dedica-se a paixões como videogames ou à coleção de óculos de realidade aumentada que guarda no armário. Ao praticar artes marciais, principalmente judô, karatê e boxe-tailandês, continua envolvido com o mundo dos negócios: não por acaso, é sócio do irmão, Leonardo, na representação para América Latina e Califórnia da Ritual Gym, rede global de academias com sede em Singapura. Uma fonte de mimos é o pointer Stark. O nome do cachorro é uma homenagem a Tony Stark, o Homem de Ferro, personagem da Marvel. Ele tem ainda dois buldogues franceses, que ficam na casa da mãe, a poucos quarteirões de onde mora. Stark, aliás, é da mesma raça do cão-mascote dos tempos da Patrulha Ultra, só que aquele tinha o nome Cyborg, herói cibernético dos quadrinhos e do cinema. Pensando bem, faz sentido.

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