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Marcelo Lacerda, o “Bill Gates brasileiro” 

Das pioneiras plataformas de interface gráfica, passando pelos primeiros provedores de acesso até chegar à revolução do metaverso, Marcelo Lacerda está envolvido nas principais mudanças que a internet trouxe à vida das pessoas


Paulo César Teixeira
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por obile
Marcelo Lacerda

Balaqueiro: pessoa que faz questão de se destacar das demais, geralmente através de suas atitudes, seu modo de vestir etc. A palavra não consta nos dicionários formais, mas faz parte do vocabulário de quem vive no Sul do Brasil. De conotação negativa, nos abismos da alma sulina ela dá voz a um sentimento de pudor ou falsa humildade, que ameaça punir a exaltação de virtudes próprias ou alheias. Não é diferente com Marcelo Lacerda – gaúcho nascido em Canoas, em 1960 –, a quem o Wall Street Journal um dia chamou de Bill Gates brasileiro. 

Personagem central da história da inovação nos últimos 40 anos, dentro e fora do Brasil, Lacerda criou uma plataforma de interface gráfica de computação que, por pouco, não representou para os internautas o que veio a ser o Windows, da Microsoft. Depois, fundou um dos primeiros provedores de acesso à web do país, embrião do Terra. Hoje, à frente da Magnopus – empresa sediada em Los Angeles, que tem como clientes NASA, Disney, Google, Meta e Amazon –, ele lidera a revolução do metaverso, a experiência de imersão numa nova realidade por meio de dispositivos digitais. Mesmo com tudo isso, não permite que a fama e o sucesso lhe subam à cabeça. “Recebo a comparação com Bill Gates, em particular, com indignação, por causa da enorme diferença na conta bancária”, reage ele, com modéstia e bom humor. Afinal, a pessoa pode ser tudo na vida – menos balaqueira. 

Butique de tecnologistas 

Lacerda define a Magnopus como uma “butique de tecnologistas-raiz”, que trabalha com projetos avançados de computação gráfica e realidade imersiva. Fundada em 2013, iniciou com sete colaboradores e hoje tem 130 – sem contar os 40 funcionários da filial de Londres. Em seis rodadas de investimentos, recebeu aportes de US$ 50 milhões, a maior parte de investidores do Brasil. “É uma deep tech de Los Angeles com capital brasileiro”, diz. Ninguém está jogando dinheiro fora. Conforme o portal The Information, especializado em tecnologia, o mercado do metaverso deverá chegar a US$ 85 bilhões até 2025, levando em consideração games, ferramentas de comunicação de negócios e publicidade. Se agregarmos softwares, hardwares e serviços, a cifra sobe para US$ 829 bilhões até 2028. 

Por ora, entre outras coisas, a Magnopus promove a simbiose entre Hollywood e o Vale do Silício. É verdade que essa via de duas mãos existe desde 2001, Uma Odisseia no Espaço (1968), passando pela franquia Star Wars (a partir de 1977) e Blade Runner (1982). De um lado, a tecnologia inspira a produção de ficção-científica. De outro, o cinema influencia os tecnologistas. Não custa lembrar, o primeiro celular desenvolvido pelo Google foi o Nexus One e o sistema operacional é o Android, referências a Blade Runner. Não por acaso, entre os sócios de Lacerda, estão Alex Henning e Bem Grossman, ganhadores do Oscar de efeitos visuais, em 2012, com A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese. A eles se junta Craig Barron, que trabalhou com George Lucas em Star Wars e venceu o Oscar com O curioso caso de Benjamin Button, em 2009.  

Lacerda em frente a um radiotelescópio, nas colinas da Stanford University, na Califórnia

Com esse time, a Magnopus criou imagens computadorizadas para compor o cenário e os personagens que representam animais em Mogli, o menino lobo, de 2016 – em cena, apenas o ator Neel Sethi é de carne e osso. Já para o remake de O Rei Leão, de 2019, inventou um ambiente virtual a partir da filmagem de 50 hectares da savana africana com câmeras de 360º. Em estúdio, a equipe da Disney usou óculos 3D para escolher os melhores ângulos e movimentos da câmera. “É como brincar de Deus, já que você controla literalmente tudo”, comentou o diretor Jon Favreau. A empresa também produziu para a NASA uma visita online à Estação Espacial Internacional, que está em órbita a uma altura de 400 km da Terra e a uma velocidade de 28 mil km/h. 

Só que nenhum desses projetos constitui o carro-chefe da Magnopus. Em desenvolvimento há oito anos, o principal produto deverá se chamar Oko, algo como um sistema operacional para o metaverso. A ideia é integrar o espaço digital ao mundo físico com a sobreposição de dados e imagens virtuais aos ambientes reais. “Ele permitirá assistir a um jogo de futebol sob a perspectiva da bola ou a um show de rock de cima do palco. Isso tudo com um celular, um desktop ou óculos de realidade virtual”, diz Lacerda.  

Faroeste caboclo 

A história familiar do cientista e empreendedor é quase tão cheia de aventuras quanto os filmes de Hollywood. O avô paterno, Carlos, trazia gado selvagem do Centro-Oeste para São Paulo e o Triângulo Mineiro, no início do século 20. O pai, Generoso, que nasceu em Barretos (SP), aos 15 anos já fazia parte da tropa de boiadeiros. “Os tropeiros montavam armadilhas para pegar o gado perto dos rios. Era um negócio bem faroeste”, relata Lacerda. O futuro de Generoso, porém, não estava nas lidas do campo. Após formar-se na escola da Aeronáutica e patrulhar a costa do Nordeste a bordo de um quadrimotor B-24, o jovem tenente se transferiu para o QG da 5ª Zona Aérea de Canoas, ao final da década de 1950. No baile de um clube da zona sul da capital gaúcha, conheceu Edith Breton Pavão, mãe de Marcelo, uma das primeiras jornalistas formadas pela PUCRS.  

No início dos anos 1970, Generoso ajudou a elaborar manuais sobre segurança de voo e participou da implantação de sistemas pioneiros de pouso por instrumentos no Brasil. Não é de admirar que a vocação do filho para as ciências exatas tenha se manifestado desde cedo – afinal, o exemplo estava dentro de casa. Como estímulo, aos oito anos de idade, a criança ganhou o brinquedo Engenheiro Eletrônico, da Philips, uma caixa repleta de componentes para a montagem de aparelhos como rádios receptores. 

Da mãe, Lacerda herdou o requinte intelectual. Além de falar vários idiomas, Edith lecionava em um conservatório de música – aliás, tocava piano muito bem. Reza a lenda familiar que seria sobrinha-neta do escritor francês André Breton, fundador do surrealismo. “Isso é fofoca de família. Nós, gaúchos, temos mania de grandeza”, afirma Lacerda. Por via das dúvidas, ele hoje guarda mais de 4 mil livros na residência que divide com a esposa, a influencer Adriana Coelho Silva, com quem teve os filhos Leonardo e Alexandre (de 27 e 23 anos, respectivamente), no bairro Morumbi, em São Paulo. “A biblioteca é para impressionar as visitas”, disfarça. Em compensação, para manter-se fiel à influência paterna, adquiriu um helicóptero, que – em certa fase da vida – pilotava em um bate-volta até Maresias, no litoral paulista. “Passava a tarde surfando e depois retornava para casa”, conta ele, referindo-se a um de seus hobbies. 

Engenheiro paz e amor 

Generoso queria que o filho tivesse cursado o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Só que, na época, a escola de São José dos Campos (SP) aceitava somente alunos solteiros. E o rapaz estava apaixonado por uma garota, Ângela, com quem planejava se casar (com ela teve um filho, Filipe, já falecido). Assim, ele ingressou em uma das primeiras turmas de Ciência da Computação da UFRGS e logo passou a estagiar numa empresa que prestava serviços de telecomunicações para o banco Sul-Brasileiro, hoje absorvido pelo Santander. 

Marcelo Lacerda
Com os filhos, Leonardo e Alexandre

Era começo dos anos 1980, época da reserva de mercado que o governo militar instituiu para fomentar o crescimento da indústria nacional de computação (soube-se, depois, que essa política atrasou em alguns anos o desenvolvimento tecnológico do país). De qualquer modo, talentos vindos das universidades achavam espaço em empresas que atuavam como centros de inovação. Recém-formado, Lacerda foi contratado pela Edisa (incorporada à HP em 1986), como engenheiro de software. Embora apreciasse a tarefa de desenvolver protocolos de comunicação de dados, sentia-se incomodado de “carregar o piano” ao trabalhar com processadores de 8 bits, enquanto os programadores veteranos usavam máquinas com o dobro da capacidade. 

Diante disso, não hesitou em comparecer a uma entrevista para conseguir emprego na Aeroeletrônica, empresa de componentes eletrônicos para aviação (hoje chamada AEL Sistemas). Lá, foi recebido pelo engenheiro Ronald Valter Igel, que lhe ofereceu o dobro do salário que recebia na Edisa e a chance de trabalhar com processadores de 32 bits. Melhor ainda, na Aeroeletrônica, Lacerda teve a oportunidade de liderar a construção de softwares de unidades eletrônicas de um novo avião da FAB, o caça AMX, que estava sendo desenvolvido por um consórcio ítalo-brasileiro, do qual faziam parte também Aermacchi, Aeritalia e Embraer. 

Como se não bastasse, a convivência com um cientista pouco ortodoxo serviu para romper dogmas e preconceitos da formação acadêmica. Em paralelo à atividade profissional, Igel militava no movimento Rajneesh, liderado pelo guru indiano Chandra Mohan Jain, mais conhecido como Osho, que pregava a busca da paz e da liberdade por meio da meditação e da livre expressão da sexualidade. Muito popular naquele período, Osho tinha fundado uma cidade (Rajneeshpuram) no deserto de Oregon, nos Estados Unidos, em 1981, para onde haviam se transferido mais de 2 mil seguidores. Há relatos de que Igel teria desenvolvido a planta elétrica da localidade. “Caras como ele desconstroem a sintaxe que você tem”, anota Lacerda. 

Um sonho na América 

Ao deixar a Aeroeletrônica, em 1987, Lacerda se considerava “velho e rico”, embora tivesse apenas 27 anos e fosse dono de uma poupança de US$ 50 mil e de um Escort zero km comprado num consórcio – antes, dirigia um Fiat 147 “caindo aos pedaços”. Mas o patrimônio mais valioso de que dispunha era a ideia de transformar partes do software criado para comunicação interna do pessoal que trabalhava no AMX – editor de texto, calendário e agenda com correio eletrônico – em produto comercial. 

Para isso, fundou a Nutec S.A., em 1988, com Sérgio Pretto, ex-colega da Edisa, que passaria a acompanhá-lo em empreitadas futuras. Nascido em uma família de origem italiana, proprietária do Moinho Estrela (tradicional grupo empresarial gaúcho), o sócio é quatro anos mais velho. Logo que se conheceram, por causa da diferença de idade, Lacerda evitava dirigir-lhe a palavra: “Eu me achava um piá [muito jovem, na gíria gaúcha] perto daquele monstro sagrado”. Após um início claudicante, que consumiu as economias, incluindo a poupança e o Escort, o software ganhou tração e virou padrão no mercado Unix, sistema operacional criado no início dos anos 1970 e sobre o qual se basearia, tempos depois, o Linux. Com isso, no começo da década de 1990, o quadro de colaboradores da Nutec havia dado um salto de meia dúzia para cerca de 70 programadores. 

A essa altura, Lacerda e Pretto apostavam suas fichas em um novo projeto, batizado de Image, uma interface com recursos gráficos bastante avançada para a época – até então, os programas de computação usavam apenas letras, números e símbolos. Para dar conta das novas aplicações do programa, a Edisa desenvolveu um terminal gráfico de 1 megabytes de memória. Para se ter ideia, os servidores Unix usavam terminais de 16 ou 32 kilobytes de memória (os coloridos e mais potentes tinham 64 kB). Entusiasmada, a dupla de empreendedores decidiu transformar o Image num produto mundialmente competitivo. Atrás desse sonho, abriu uma subsidiária, a Nutec North America,  em Mountain View, no Vale do Silício, em 1991. 

O sonho durou três anos. A rigor, foi atropelado pelo sucesso do Windows, criado ainda na década de 1980. A princípio lento e de pouca performance, o sistema funcionou de verdade a partir das versões dotadas de recursos de interface iconográfica, lançados na primeira metade dos anos 1990 para rodar no sistema operacional DOS. A evolução do Windows, associada à robustez do processador Intel 386, fez com que Bill Gates levasse a melhor sobre os concorrentes e a Microsoft dominasse o mercado global. Então, o mundo mudou e virou rotina ter um computador em casa. 

Até hoje, Lacerda acredita que o Image poderia ter sido para o Unix o que o Windows representou para o DOS. Para ele, o fracasso se deveu à Lei de Moore – em 1965, Gordon Moore (cofundador da Intel) previu que o poder de processamento dos computadores dobraria a cada 18 meses. Essa lógica indica que, para se ter sucesso em computação, é preciso desenvolver softwares para os quais os hardwares atuais são insuficientes. Desse modo, o tempo de desenvolvimento dos programas se alinha ao do aperfeiçoamento das máquinas. “Falhamos ao apostar em um produto de baixo custo, com modesta capacidade de processamento. Foi um erro brutal. Quando você olha a história da tecnologia, percebe que as curvas de evolução são exponenciais”, sentencia Lacerda. 

Titãs da inovação 

De volta ao Brasil, em 1994, Lacerda participou ativamente do florescimento da web no país, ao lado de titãs da inovação como o professor Sílvio Meira, fundador do Porto Digital, principal parque tecnológico do país, e Tadao Takashi, que havia montado a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), a primeira versão da internet brasileira, em 1989. Os três estavam entre os consultores convocados pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, para aumentar a competitividade da indústria brasileira de software e serviços de TI. Em uma das reuniões, Motta, homem forte de Fernando Henrique Cardoso, colocou Lacerda na parede: “Você, que é um crânio da internet, vai montar um provedor de acesso?”. É verdade que a Nutec dominava a tecnologia, mas ainda não tinha capital para cumprir a missão. 

Com o tempo, o caixa engordou, principalmente, devido à construção de redes de TCP/IP (conjunto de protocolos de envio e recebimento de dados da internet) para instituições do sistema financeiro, como Bradesco, Itaú e Caixa Econômica Federal. Em outubro de 1995, depois que o governo baixou uma portaria proibindo que as estatais do sistema Telebrás fornecessem serviços de conexão – na prática, abrindo caminho para a iniciativa privada –, Lacerda se encorajou a transformar a empresa num dos primeiros provedores de acesso à web do Brasil, com o nome de NutecNet. 

Para dar ao projeto abrangência nacional, mirou-se no exemplo bem-sucedido da TV Globo, que conta com uma rede de afiliadas. Em peregrinação para conquistar a adesão de grupos regionais de comunicação, Lacerda agendou um almoço com Antônio Carlos Magalhães Júnior, da Rede Bahia. Porém, antes de iniciar as conversas, Júnior avistou o presidente do Esporte Clube Bahia sentado em outra mesa do restaurante Trapiche Adelaide (um dos mais badalados de Salvador naquele tempo). Desgostoso com o desempenho do time do coração, ao invés de tratar de internet, o representante da família ACM preferiu bater boca com o cartola. Lacerda foi salvo por um executivo do Correio da Bahia, que trouxe Júnior de volta à mesa. 

Em pouco mais de um ano, a NutecNet contava com a adesão de 17 conglomerados de mídia. A maior parte era afiliada da Globo, como os liderados pelas famílias Câmera no Centro-Oeste e Santini na Baixada Fluminense. Mas havia outros grupos de peso, como os responsáveis pelos jornais O Estado de Minas e Correio Braziliense. Em 1996, quando procurou a RBS, no Sul do país, para atraí-la à rede da NutecNet, Lacerda recebeu, em troca, uma oferta de aquisição.  

Frente a frente com os Google Guys 

A transferência de controle da NutecNet rendeu o primeiro milhão de dólares na conta do cientista. Além de injetar recursos e agregar conteúdo de seus canais de mídia ao portal, que passou a se chamar ZAZ, a RBS ajudou a profissionalizar a gestão da empresa. “Até então, eu não sabia o que era Ebitda”, reconhece Lacerda, que permaneceu no negócio como sócio minoritário, junto com Pretto. Fortalecido, o ZAZ tornou-se o segundo provedor no ranking nacional, atrás apenas do UOL, que havia sido criado a partir da fusão das estruturas de internet dos grupos Abril e Folha de S. Paulo. Não era de estranhar que passasse a sofrer o assédio de gigantes da comunicação. Em junho de 1999, a Telefónica adquiriu 51% do ZAZ por US$ 500 milhões, conforme noticiário da época. A RBS saiu, mas Lacerda e Pretto continuaram na empresa, renomeada como Terra.  

Um dia histórico para Lacerda foi o da abertura de capital do Terra, que rapidamente se transformou na maior operação da Telefónica fora da Espanha. Em 29 de novembro de 1999, pessoalmente, ele apertou o botão de abertura do pregão da NYSE, a bolsa de Nova York. Antes, na reunião preparatória do IPO, havia notado que, entre os representantes da Telefónica no Four Seasons Hotel, em Manhattan, era o único a não ostentar um relógio chique. Após o almoço, saiu apressadamente para comprar um vistoso Breitling, que substituiu o Casio de estimação que tinha no pulso. Ali, viu-se obrigado a dar uma de balaqueiro – mais por força da ocasião do que por desejo próprio. Em clima de festa, a companhia providenciou uma limusine para cada um dos executivos se deslocar até o edifício da NYSE. Regalias à parte, o que mais valeu foi o crescimento vertiginoso da cotação das ações do Terra, que partiu de US$ 13 para atingir US$ 135 em março de 2000, no auge da bolha da internet. 

Como diretor de Estratégia e Marketing do Terra, Lacerda estava convicto de que, em breve, os sites de busca seriam o grande filão de receitas da internet. Por isso, abriu negociações com diferentes buscadores, entre eles, um canal fundado por dois jovens da Universidade Stanford, Larry Page e Sergey Brin. Mais tarde conhecidos como Google Guys, eles davam seus primeiros passos no mundo dos negócios. O dia em que se sentou à mesa para conversar com Brin não lhe traz boas recordações. “Foi uma reunião definidora de vida”, classifica. No encontro – sem lembrar a data precisa, calcula que tenha sido em março ou abril de 2000 –, o jovem falou algumas coisas que, para ele, naquele instante, não faziam qualquer sentido.  

Brin disse, por exemplo, que ainda iria fotografar as ruas do mundo e colocar as imagens na internet. De fato, o Google Street View seria lançado em 2007. Afirmou também que não tinha pressa de realizar o IPO do Google e que, quando o fizesse, dividiria a abertura de capital em lotes de US$ 80 mil para dar chance de participação a pequenos investidores, impedindo, assim, que os bancos compartilhassem as cotas como se fosse uma ação entre amigos. “Achei o menino muito sonhador e pensei que, em breve, seria enquadrado pelo sistema.” Ao final da prosa, Brin abriu a possibilidade de transferir 5%, mas se recusou a passar o controle acionário do Google para o Terra, como era a intenção de Lacerda, que saiu frustrado do encontro. 

Como resultado, o Terra adquiriu o Lycos, sistema de busca de Massachusetts, que nem de longe alcançou o sucesso do Google. Em maio de 2002, o brasileiro deixou a empresa que ele próprio havia fundado 15 anos antes, com o nome de  Nutec. Certamente, a perda do Google pesou na decisão – ele considera este o maior fracasso de sua carreira. Por outro lado, a aquisição do Lycos tinha custado alguns bilhões de dólares para a Telefónica, a maior parte em ações, mas US$ 500 milhões saíram em cash. “Não é dinheiro de pinga”, admite. Em 2004, o Lycos foi vendido ao portal coreano Daum por US$ 95 milhões. 

Após deixar o Terra, Marcelo Lacerda iniciou um período sabático que planejava durar o resto da vida. “Estava com 42 anos, idade em que as pessoas não deveriam mais trabalhar.” Assim que soube da intenção, a amiga Silvia Berno – que havia sido CEO do ZAZ na América Latina – mandou um e-mail provocativo: “Você não aguenta seis meses”. Na segunda-feira seguinte à saída do Terra, ele respondeu: “Passados um fim de semana e um dia, estou perfeitamente adaptado”. O tempo sabático não durou a vida toda, mas se prolongou por prazerosos quatro anos. No período, entre outras coisas, aprendeu a pilotar helicópteros e ancorou um barco nas ilhas Mentawai, na costa da Sumatra, para surfar as melhores ondas da Indonésia.  

A revolução cognitiva da espécie humana  

Popularizado desde que Mark Zuckerberg mudou o nome da empresa que comanda o Facebook para Meta, em 2021, o termo metaverso já circulava na literatura cyberpunk dos anos 80 e 90, em obras sombrias de ficção-científica como Snow crash, de Neal Stephenson. Também havia sido usado por nerds, quando antigos Macintosh travavam a ponto de desenhar pontos aleatórios na tela do computador, criando um efeito similar ao de um aparelho de TV com os canais fora do ar. 

Hoje, a palavra está relacionada ao que Marcelo Lacerda classifica como a “segunda revolução cognitiva da espécie humana” – a primeira teria sido a invenção da linguagem, há cerca de 100 mil anos. Ela indica a busca da fusão do campo digital com o mundo biológico, na qual uma parte não é menos real do que a outra. “Chegará o momento da curva de desenvolvimento de tecnologias como silício, inteligência artificial, realidade aumentada, IoT, biomedicina etc., em que essas disciplinas se fundirão em um organismo supra-humano”, acredita. 

Ele lembra que, de 20 anos para cá, passamos a maior parte do tempo com os olhos voltados para uma tela – antes, o computador; agora, o celular. Mas a nova geração vai botar o smartphone no bolso e usá-lo para processamento de dados, tendo como interface com o mundo óculos de realidade virtual. Depois que a humanidade se acostumar a ver a vida através de óculos 3D, será possível “voar” ou “ver através das paredes” – por meio da sobreposição do mundo físico a imagens captadas por câmeras instaladas em todos os lugares. “Não precisarei de um aparelho pendurado na parede para assistir ao Jornal Nacional ou a um filme na Netflix, já que a tela da TV estará flutuando à minha frente e eu poderei acioná-la onde e quando bem entender.” 

Protagonista de mudanças aceleradas trazidas pela tecnologia, Lacerda admite se sentir, volta e meia, surpreendido com elas. E não descarta a necessidade de debater questões éticas, como as que acompanham a humanidade desde Frankenstein, figura criada pela escritora britânica Mary Shelley no século 19. “As coisas estão acontecendo à minha frente, o que não significa que eu esteja entendendo tudo. Mas vou dando meus palpites.” 

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