Inovação é a capacidade criativa do ser humano de buscar soluções que ainda não foram testadas, em vez de repetir protocolos que já deram certo, como faz o pensamento convencional. O conceito é de Cesar Paz, engenheiro que ganhou fama como pioneiro na área de publicidade digital e hoje se define como um empreendedor serial.
“Tenho usado bem mais o pensamento criativo do que o convencional, principalmente nos negócios”, afirma. Não satisfeito em criar modelos organizacionais inovadores nas empresas às quais dedica seu tempo, ele também aplica a ideia de inovação em favor de causas coletivas.
Em 2016, quando voltou a residir em Porto Alegre, cidade onde nasceu, em 1964, Paz percebeu que havia uma atmosfera de desânimo pairando sobre a capital gaúcha. “A zeladoria da cidade estava no chão. Era preciso resgatar uma cultura baseada no conceito de cidadania, com a perspectiva do bem comum”, diz ele. No ano seguinte, ajudou a criar o POA Inquieta, organização sem CNPJ que agrupa cerca de 3 mil pessoas de diferentes ideologias e visões de mundo. Em pauta, temas relacionados a diversidade, sustentabilidade e inclusão social. Tudo debatido em rodas de conversa e grupos de WhatsApp.
O coletivo faz parte do Pacto Alegre, movimento que inclui representantes de poder público, iniciativa privada, universidades e organizações sociais, conectados com objetivo de promover projetos transformadores.
Exemplo das montanhas
A relação de Paz com a capital do Rio Grande do Sul é resiliente o bastante para jamais ter se rompido. Mesmo quando ele se viu obrigado a morar em outras paragens – principalmente São Paulo –, entre idas e vindas, por um período de quase três décadas. Neste espaço de tempo, foi um assíduo frequentador da ponte aérea, além de acumulador de milhas. “São Paulo me quer, mas Porto Alegre me tem”, brinca. Essa fidelidade à cidade foi coroada em dezembro de 2019, quando recebeu o título de Cidadão Emérito de Porto Alegre na Câmara Municipal.
A inspiração para o modelo de atuação do POA Inquieta vem do Vale do Aburrá, entre as montanhas da Cordilheira dos Andes, na Colômbia, onde se localiza Medellín, cidade que 30 anos atrás era considerada uma das mais violentas do mundo.
Refém de uma disputa de território que envolvia o tráfico de drogas e as guerrilhas paramilitares, chegou a registrar 381 assassinatos para cada 100 mil habitantes em 1991. O índice baixou para 22,9 homicídios em 100 mil ao final da década de 2010. A queda vertiginosa dos indicadores se deveu, em grande medida, à adoção de políticas inclusivas pactuadas pelos movimentos sociais. E não apenas na área da segurança, mas em vários fronts da sociedade. Elas foram aplicadas, sucessivamente, por gestores de diferentes espectros partidários e ideológicos. “A transformação local é totalmente possível e está ao nosso alcance. Basta participar como cidadão.”
Para que o exemplo de Medellín seja replicado, diz ele, é preciso que a classe política esteja subordinada às diretrizes da sociedade civil, e não o contrário: “Geralmente, os políticos pensam a partir de modelos mentais com foco em períodos de quatro ou cinco anos, que correspondem aos seus mandatos. Mas a solução de problemas complexos, como da violência ou da mobilidade urbana, exige uma visão de longo prazo, que vai de 30 a 40 anos. É o que Medellín nos ensina”.
Uma particularidade é que, na Colômbia, o alcaide (equivalente ao prefeito) não tem direito à reeleição, o que facilita a ação de gestores mais comprometidos com as causas sociais do que com as urnas. Prova disso é que, à exceção do último alcaide – que segundo Paz se afastou do projeto construído pela sociedade –, os demais deixaram o poder com mais de 70% de popularidade nos últimos 30 anos, fossem de direita ou esquerda.
Jovem trotskista
A vocação para as causas de cidadania vem de berço. Paz é filho da educadora Atoalpa da Silva Paz, que foi diretora por quase 30 anos da escola Anne Frank, período em que o colégio foi referência da educação pública de ensino fundamental no Rio Grande do Sul. O pai, Nero, era militar.
Na década de 1980, Paz alternou a agitação dos bares do Bom Fim, que concentrava a vida boêmia e cultural de Porto Alegre, com a militância política na PUCRS, onde cursava Engenharia Mecânica e formou-se em 1986. Era uma época de discussões acaloradas tanto em mesas de botequim como nas reuniões do movimento estudantil – ele chegou a participar de dois congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE) como representante da tendência trotskista ‘O Trabalho’.
Ele reconhece que a figura do jovem marxista precisou ser reconfigurada para se adaptar aos tempos atuais: “Existe uma doce irresponsabilidade na militância da juventude, o que é algo positivo. Mas hoje acredito que, em essência, a política se dá com uma articulação entre camadas que estão acima da questão partidária.”
Para ele, o diálogo é o único caminho para a transformação. A política estudantil perdeu fôlego quando começou a trabalhar na Aeromot, pioneira na indústria da aviação no Brasil, que fabricava o planador Ximango. “Fiquei dividido entre a carreira profissional e a consciência social, o que me atormentava um pouco”, admite.
Nessa queda de braço, a carreira de engenheiro passou predominar ao receber um convite para trabalhar na Varig, então a principal empresa da aviação comercial brasileira. É verdade que, como engenheiro de manutenção, preferiria estar de mãos arregaçadas na pista, mas em vez disso fazia cálculos que esmiuçavam a estrutura das aeronaves para efeito de certificações, o que o deixava frustrado. Foi, aliás, um dos motivos para pedir as contas, após dois anos. “Talvez eu tenha sido um dos poucos a pedir demissão da Varig naquele período.”
Vendedor de avião
A outra razão para sair da Varig foi a chance que se abriu, em 1988, de trabalhar na Embraer – atualmente a terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo. A nova fase profissional provocou a mudança de endereço, a princípio para São Paulo e depois para São José dos Campos, sede da companhia.
Conviver com a nata da engenharia de aviação do país enchia o peito de orgulho, afinal, trabalhar lá era o sonho de todo jovem engenheiro brasileiro. Ao mesmo tempo, exigiu doses extras de humildade.
“Eu, que me achava bom na Varig, vi que não era tudo isso e me desloquei para a área de negócios. Virei um vendedor do turboélice Brasília”. Na Embraer, ele também vivenciou de perto o processo de transição do controle da empresa do poder público para a iniciativa privada, como integrante da Comissão de Empregados para Acompanhamento da Privatização (CEAP).
Tudo mudou na segunda metade dos anos 1990, quando Paz não resistiu à onda de entusiasmo causada pela incipiente popularização da internet. Como tantos outros idealistas da época, alimentou a doce ilusão de que, a partir da democratização da informação, a maior parte dos problemas que haviam acometido a humanidade ao longo dos séculos poderia ser solucionada.
“A gente achava que, com a internet, isso seria possível, porque ela é democrática, inclusiva. Tudo que sonhávamos parecia estar mesmo prestes a acontecer.” Não era bem assim, evidentemente. Mas, se não solucionou a totalidade das mazelas do planeta, a revolução tecnológica mudou de vez a rota de vida de Paz. Em 1997, ele abriu mão da zona de conforto na Embraer para montar uma das primeiras agências digitais do mercado publicitário brasileiro: a AG2.
Em pouco tempo, a AG2 reluzia como uma das estrelas da recém-inaugurada era digital da publicidade nacional, arrebanhando clientes como Bradesco, Natura e a própria Embraer. Entre as razões do sucesso, estava o fato de que as agências tradicionais tinham demorado a entender o digital como parte de novos paradigmas de comunicação. “A AG2 vinha na contracultura do que a propaganda estava acostumada a fazer – tanto do ponto de vista do que a gente vendia aos anunciantes quanto do modelo de negócio”, explica.
Nas mãos de Paz, a AG2 brilhou na primeira década do novo século. Ele chegou a ser eleito pela plataforma Proxxima um dos dez profissionais mais inovadores do mercado brasileiro.
Mas a bolha da internet já havia estourado e os players do mercado começavam a absorver os empreendimentos criativos do começo da era digital. A AG2 não fugiu à regra: em 2010, foi vendida ao grupo francês Publicis, um dos três maiores do campo da publicidade global. O contrato de venda exigia que Paz permanecesse na agência por cinco anos. O compromisso contratual criou uma janela de tempo que ele define, com bom humor, como um “regime semiaberto”. Novas oportunidades de vida estavam no horizonte, o que incluía a criação de outros negócios inovadores.
Hub de startups
Em 2015, afastado da AG2 e de volta a Porto Alegre, Paz ganhou salvo-conduto para dar início a um novo ciclo empreendedor. Montou o Ecosys, grupo hoje formado por nove companhias independentes. Não é propriamente uma holding, como a princípio se poderia imaginar, já que as empresas não possuem vínculos formais. Trata-se de um ecossistema de startups “ultra especialistas” em mídia e transformação digital. Elas colaboram entre si na medida da oportunidade e da necessidade, o que confere uma visão sistêmica ao negócio.
As áreas de abrangência das companhias do hub vão desde ciência de dados e tecnologias de mídia até produção de conteúdo e design de experiências.
“Partimos da lógica de que, com a digitalização, os novos modelos de comunicação se tornaram muito fragmentados em conteúdo, estratégia e mídia. Neste ambiente, boa parcela das marcas corporativas estão perdidas e precisam de ajuda”, justifica.
Paz não detém o controle acionário de nenhuma empresa do grupo, embora tenha participação minoritária em todas – algo entre 15% e 40% –, sempre com sócios diferentes. “Não quero exercer o papel de controlador, e sim de mentor, idealizador ou talvez líder visionário.”
Em meio à rotina dividida entre os negócios e o empreendedorismo social, Paz reserva algumas horas da semana para dar aulas no curso de Gestão para Inovação e Liderança, da Escola de Negócios da Unisinos.
A faceta acadêmica se desenhou após sair da AG2, quando cursou o mestrado em Design Estratégico, que a universidade organiza em parceria com a renomada Escola Politécnica de Design de Milão. “Essa visão inovadora de modelo organizacional que busco hoje tem muito a ver com o curso”, elogia. Já no primeiro ano como estudante, foi convidado para lecionar na Unisinos. E diz que gostaria de se dedicar mais à docência, mas falta tempo.
Um cantinho, um violão
Cesar Paz está casado há 38 anos com Rejane, com quem tem duas filhas – Greta, e Giulia, que vive em Lisboa, onde estuda Belas Artes. Todos os anos, a família passa cerca de 40 dias em terras lusitanas para matar a saudade da caçula. “A gente sofre com a distância, mas o que se pode fazer?”, conforma-se. Em compensação, Greta está próxima, inclusive nos negócios, já que lidera a Eyxo, focada em estratégias de inovação, e que faz parte do Ecosys.
O planejamento de Paz é, paulatinamente, diminuir o ritmo das atividades de trabalho, a partir de 2024, quando completa 60 anos. A ideia é se dedicar cada vez mais às atividades de transformação social e ao hobby do momento: o violão. A
bossa nova de João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes é a paixão mais recente dele, desde que aprendeu a tocar. Ainda que dissonantes, os acordes bossanovistas soam como calmaria, se comparados às atividades anteriores de lazer, que exigiam esforço e suor.
Como maratonista, Paz participou de corridas de rua em Nova York, Chicago e Berlim. “Era a válvula de escape. Fui um maratonista amador, mas de bom desempenho, até ter problemas no joelho há oito anos.” Também já rodou o mundo em cima de uma motocicleta, desbravando paisagens inóspitas como o deserto de Atacama, no Chile.
Afora isso, Paz está construindo uma casa em Canela e não afasta a hipótese de intercalar Porto Alegre e a Serra Gaúcha para morar. “Gosto de frio, vinho, montanhas.” Paralelamente, já foi delineado um caminho seguro de sucessão no Ecosys, que prevê passar o bastão dos negócios para Greta.
“Ela já está voando alto”, orgulha-se. O desenho de futuro é mais ou menos esse, mas os caminhos da inovação estão sempre abertos para o imponderável. Até porque é preciso buscar soluções que nunca foram testadas, em vez de reproduzir os velhos protocolos de antigamente. //