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Como as fintechs brasileiras estão conquistando o mundo

STARTUPS FINANCEIRAS CHAMAM ATENÇÃO PELA CAPACIDADE DE SE ADAPTAREM A DIFERENTES MERCADOS COM SOLUÇÕES ÁGEIS E, PRINCIPALMENTE, DISRUPTIVAS


DANIEL SANES
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por obile
fintech

Em 2018, Pablo Klein, um gerente de produtos sênior com passagem por empresas como Shopify, Sage Accounting e Tide Bank, perce­beu que faltava no mercado uma plataforma de pagamentos trans­fronteiriços que trouxesse confia­bilidade aos clientes. Baseado em seu know-how na indústria de tec­nologia financeira, ele reuniu uma equipe de especialistas e começou a construir essa solução.

Surgia a Primefy, fintech brasi­leira concebida para facilitar tran­sações globais com uma aborda­gem local. Hoje, a empresa tem forte atuação mundo afora, al­cançando países como Argentina, Canadá, China, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Japão, México e Portugal.

Para Klein, o grande diferencial da plataforma é a “obsessão” pela experiência do usuário (UX) e sua capacidade de eliminar fricções. Principalmente para os ICPs — In­surance Core Principles, um con­junto de princípios e padrões que definem um framework global para a supervisão do setor de seguros.

“Oferecemos soluções que atendem tanto empresas estran­geiras que desejam operar com o Pix Internacional quanto empresas brasileiras que buscam expandir sua operação internacionalmente, capturando em diferentes moedas e facilitando pagamentos globais de forma simples e eficiente, sem a necessidade de entidades locais adicionais”, diz o CEO da Primefy.

A fintech, que atingiu o ponto de equilíbrio em janeiro de 2022, atua apenas com recursos próprios – embora já tenha sido abordada por fundos de investimento. E, mesmo sem divulgar cifras publicamente, Klein afirma que o crescimento é de dez vezes ao ano.

O SALTO DA INTERNACIONALIZAÇÃO

A Primefy não é um caso isolado. Com 1.592 empresas operantes, o Brasil responde por 58,7% das fintechs ativas na América Latina, o que faz do país o principal hub de inovação financeira na região — muito à frente do México, com 20,7%, e da Argentina, com 6,5%. Ao todo, as startups nacionais cap­taram US$ 10,4 bilhões ao longo dos últimos dez anos, como revela o Fintech Report, elaborado pela plataforma Distrito.

Muito do domínio das fintechs brasileiras sobre os mercados vi­zinhos (ou mesmo nem tão próxi­mos) se deve à sua alta capacidade técnica. Mas elas também são im­pulsionadas pelo cenário favorá­vel. Um dos trunfos do país, além do volume de mercado, é o supor­te dado pelos órgãos reguladores. Essa segurança é essencial para que os negócios daqui estejam em um estágio avançado no que diz respeito a meios de pagamento, crédito, computação em nuvem e inteligência artificial (IA).

Para se ter uma ideia de quão promissor é esse nicho, duas de cada três startups do setor têm planos de internacionalização. A projeção é da pesquisa Fintech Deep Dive 2024, realizada pela consultoria PwC Brasil em parceria com a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs). O levantamento indica também que 65% das fintechs que atuam no exterior estão focadas exclusivamente em negócios B2B, tendo como principais clientes empresas de médio e grande porte.
Willer Marcondes, sócio da PwC Brasil e um dos consultores responsáveis pelo estudo, destaca que as startups com maior representatividade global são as que estão explorando ofertas de bancos digitais e meios de pagamentos, seguidas pelas que atuam com tokenização e cripto (ativos ou moedas). Os mercados mais visados, além da América Latina, são América do Norte e Europa, e uma estratégia comum é replicar a operação já estabelecida no Brasil em outras regiões.

“Entre os fatores que favorecem essa tendência, podemos citar nosso mercado financeiro, que é muito inovador, tendo como exemplos o Pix e Open Finance. Mas há outros, como a capacidade do brasileiro de se adaptar de forma mais fácil a culturas diferentes, o lado empreendedor dos nossos executivos e sua habilidade em lidar com ambientes econômicos e institucionais de grande volatilidade”, avalia Marcondes. Head de Comunidade da ABFintechs, Rogerio Melfi também atribui parte do êxito das fintechs nacionais lá fora à estrutura do ecossistema, com oportunidades a serem exploradas em diversas áreas. E acrescenta que a experiência bem-sucedida com o Pix abriu portas para a internacionalização das chamadas “techfins” — startups de tecnologia que ingressaram no setor financeiro.

“São empresas que desenvolvem soluções, como plataformas capazes de processar um alto volume de transações com eficiência e segurança, além de oferecer ferramentas que utilizam inteligência artificial para detectar e prevenir fraudes em tempo real. Essas capacidades tecnológicas tornam as techfins brasileiras candidatas a internacionalização”, observa Melfi.
É o caso da Pismo, empresa fundada em 2016 por quatro empreendedores com ampla experiência em tecnologia financeira e que fornece uma plataforma de processamento nativa em nuvem para produtos bancários e de pagamentos. Com escritórios no Brasil, EUA, Índia, Reino Unido e Singapura e operações em mais de dez países, a fintech atende a clientes como Itaú, BTG, B3, Citi e @Pay. No início de 2024, foi adquirida pela Visa Internacional.

O executivo Rodrigo Melato, que ingressou na Pismo como vice-presidente de vendas no Brasil e América Latina e, mais recentemente, assumiu o cargo de VP Global para liderar a estratégia de expansão da empresa, ressalta que ela foi concebida para ser internacional “desde o dia 1”. “A plataforma e as documentações de desenvolvimento foram criadas em inglês, para facilitar a implementação em diversos países. A plataforma é baseada em microsserviços, o que permite combinações que façam sentido para cada cenário e legislações locais”, explica.

Para ele, o sucesso das fintechs brasileiras se deve à maturidade tecnológica e operacional do setor. “No Brasil, passamos por várias mudanças no cenário econômico, o que levou a termos uma tecnologia bastante avançada, tanto em termos de soluções quanto em segurança. Contamos também com uma quantidade significativa de profissionais qualificados, o que tem ajudado todo o mercado a se destacar internacionalmente.”

BRASILEIROS NO VALE DO SILÍCIO

Entre as fintechs criadas por brasileiros, a Brex talvez tenha a trajetória mais impressionante. Fundada em 2017 por Pedro Franceschi e Henrique Dubugras no Vale do Silício, a empresa se destacou no mercado norte-americano por oferecer cartões de crédito corporativos para empresas de inovação, como Airbnb e Class Pass. A fintech virou um decacórnio (designação dada a startups que valem US$ 10 bilhões ou mais), chegando a ser avaliada em US$

12,3 bilhões em 2022, após uma ro­dada de financiamento liderada por investidores como Grenoaks Capital e TCV. Com uma receita anual supe­rior a US$ 500 milhões, segundo a Bloomberg Línea, a Brex abriu ou­tros escritórios nos EUA e no Cana­dá antes de começar a contratar no Brasil, em Israel e no México.

A falência do Silicon Valley Bank, no início de 2023, trouxe uma gran­de leva de clientes para a Brex. Mas a retração do venture capital, que ficou conhecida como “o inverno das startups”, em meio à disparada dos juros globais, atingiu em cheio a companhia, que começou a cres­cer em ritmo mais lento e teve que demitir 282 funcionários — cerca de 20% de sua força de trabalho. Um ano antes, já havia dispensado ou­tros 10% do quadro.

“Crescemos muito rapidamente, o que tornou difícil crescer na mes­ma velocidade de antes”, escreveu o CEO, Fransceschi, em um e-mail enviado aos funcionários, ao anun­ciar uma série de mudanças na es­trutura da empresa.

Uma das estratégias da Brex para não encolher e levantar mais recursos foi diversificar seu negó­cio — no caso, para um software de gestão de despesas, que ainda re­presenta uma fatia pequena da re­ceita total. Em 2023, a empresa se preparava para um IPO (abertura de capital) em 2025. No mesmo ano, porém, Dubugras argumentou que seria preferível retomar a lucrativi­dade, antes de “puxar o gatilho”.

MUDANÇA DE RUMO

Evidentemente, a volatilidade não é exclusiva do Vale do Silício. Mes­mo sendo um terreno fértil para as fintechs, a América Latina também pode ser um mercado arriscado. Depende muito do momento e do modelo de negócio.

Um bom exemplo disso é a Vel­vet, fundada em 2021 como uma plataforma especializada em tran­

sações secundárias de ativos ilíqui­dos (mais difíceis de negociar), ven­dendo a participação acionária de funcionários e ex-funcionários de unicórnios que querem se desfazer da posição. A empresa, que chegou a levantar US$ 200 milhões em fi­nanciamento de risco, tirou o foco da América Latina quando as altas taxas de juros começaram a afas­tar os investidores. No fim de 2023, a fintech optou por relançar seu produto, voltando-se para startups globais inovadoras. O novo público­-alvo é formado por investidores de alta renda que investem em star­tups de capital fechado dos EUA.

Para essa mudança de estraté­gia, a Velvet firmou acordo com a Templum, empresa de tecnologia sediada em Nova York que desen­volve sistemas para a negociação de ativos nos mercados privados e de alternativos. “Hoje, nosso inves­tidor, que tem patrimônio acima de US$ 10 milhões, já possui contas no exterior e busca uma diversificação, além dos produtos de prateleira do mercado financeiro tradicional do Brasil. Com essa parceria, a gente tem uma segunda via e consegue oferecer investimentos pontuais, em coisas que não é todo mundo que tem”, explicou o CEO e funda­dor, Carlos Naupari, em entrevista à Bloomberg Línea.

DESAFIOS ALÉM DAS FRONTEIRAS

Diante das necessidades do mer­cado, especialmente o latino-ame­ricano, a tendência é de que mais fintechs brasileiras busquem a in­ternacionalização. Isso exige com­preender a realidade, os hábitos e as necessidades de cada região.

Para superar desafios assim e escalar para além das fronteiras, é necessário ter um produto flexível, que atenda ao cliente de modo úni­co. “Parte da operação precisa ser realizada localmente, mas há diver­sos elos da cadeia operacional que podem ser atendidos de forma cen­tralizada. Isso ajuda a reduzir cus­tos e também o risco desse proces­so de expansão”, argumenta Willer Marcondes, da PwC Brasil.

Rodrigo Melato, da Pismo, con­corda: “O conhecimento local é sem­pre um grande desafio quando uma empresa começa a trabalhar em mercados externos. Como nossa so­lução foi criada baseada em micros­serviços que podem ser combinados entre si, conseguimos oferecer, a partir da mesma plataforma, exata­mente o que cada cliente precisa, em seu mercado foco”.

Pablo Klein, da Primefy, acres­centa que manter um padrão de ex­celência passa também pela con­tratação de profissionais locais que conheçam profundamente as dinâ­micas culturais e regulatórias. “Esse é um dos maiores desafios que en­frentamos, especialmente para criar relações com empresas de maior porte e construir uma presença sóli­da em novos territórios”, aponta.

O conselho, aqui, é estabele­cer parcerias locais para viabilizar o processo de internacionalização. Melfi, da ABFintechs, cita o exemplo da Alianza FinTech Iberoamérica, ór­gão que tem como objetivo integrar e colaborar com fintechs de toda a região ibero-americana, facilitando o intercâmbio de conhecimento e o acesso a novos mercados.

O especialista acrescenta que contar com programas públicos de consulados, como os existentes no Reino Unido, é uma maneira de su­perar barreiras regulatórias e cultu­rais. “Pensar globalmente desde a fundação, investindo em tecnologia escalável que possa ser rapidamen­te ajustada para atender a diferen­tes requisitos, também é crucial”, diz ele, e acrescenta: “A personalização do produto e a capacidade de res­ponder rapidamente às mudanças regulatórias permanecem como fatores-chave para o sucesso em múltiplos mercados”. //


O MERCADO DAS FINTECHS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA

US$ 10,4 BILHÕES
Foi o valor que as fintechs brasileiras receberam em investimentos nos últimos dez anos. A quantia corresponde a 66% do total recebido pelas startups do segmento na América Latina, que foi de US$ 15,6 bilhões.

1.034 DEALS
O Brasil concentrou a maioria das rodadas de investimento, com 1.034 deals na última década. O número total na América Latina foi de 1.658.

US$ 5,7 BILHÕES
O pico dos investimentos ocorreu em 2021, impulsionado pela digitalização dos serviços financeiros durante a pandemia, com US$ 5,7 bilhões captados em 363 rodadas.

298 NOVAS EMPRESAS
Já o ano que registrou o nascimento do maior número de fintechs foi 2019, com 298 novas startups.

2.712 FINTECHS
Atualmente, a América Latina tem 2.712 fintechs ativas, sendo 1.592 delas brasileiras.

US$ 5,3 BILHÕES
O Crédito ocupa o primeiro lugar entre as categorias com maior número de fintechs (477) e 18% do total de fintechs na América Latina. Porém, em volume de investimentos, a liderança é da área de Serviços. digitais (US$ 5,3 bilhões em captação).


“A PERSONALIZAÇÃO DO PRODUTO E A CAPACIDADE DE RESPONDER RAPIDAMENTE ÀS MUDANÇAS REGULATÓRIAS SÃO FATORES-CHAVE PARA O SUCESSO EM MÚLTIPLOS MERCADOS.”

ROGERIO MELFI,
HEAD DE COMUNIDADE DA ABFINTECHS

“TEMOS UM MERCADO MUITO INOVADOR, QUE FAVORECE A INTERNACIONALIZAÇÃO. MAS HÁ OUTROS FATORES, COMO A CAPACIDADE DO BRASILEIRO DE SE ADAPTAR A CULTURAS DIFERENTES, SEU EMPREENDEDORISMO E A HABILIDADE DE LIDAR COM AMBIENTES DE GRANDE VOLATILIDADE.

WILLER MARCONDES,
SÓCIO DA PWC BRASIL

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