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Por dentro do Marco Legal das Startups

Marco Legal das Startups registra avanços para atrair novos investimentos, mas deixa de fora instrumentos indispensáveis para o sucesso das empresas inovadoras


Por Paulo César Teixeira
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por bem2030
marco legal startups

Modernizar o ambiente de negócios para que o ecossistema da inovação cumpra o papel estratégico de estimular o desenvolvimento econômico do Brasil. Este é o objetivo do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182/2021), publicado no Diário Oficial da União em junho. “Criar regramentos favoráveis à inovação era prioridade para o país. Ou fazíamos isso ou ficaríamos de fora do contexto global de investimentos de risco para novos negócios”, afirma Francisco Saboya, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores. A Anprotec congrega incubadoras, parques tecnológicos, instituições de ensino e pesquisa e outras organizações de empreendedorismo e inovação Brasil afora. 

Apesar dos avanços, o Marco Legal atendeu apenas parcialmente à mobilização de mais de 50 entidades ligadas ao setor, que trabalharam nos últimos anos para apresentar propostas para a nova legislação. “Por muito tempo esperamos este momento, já que estávamos bastante defasados, mas o Marco Legal saiu desidratado. Andamos para frente, mas dando um passo de cada vez, quando o resto do mundo está em uma corrida de 100 metros rasos”, diz Kiko Afonso, CEO do Grupo Dínamo, um think tank de políticas públicas para startups. Algumas críticas são mais contundentes: “As principais sugestões foram excluídas, de modo que teria sido melhor engavetar o projeto para ter a chance de aprovar uma proposta mais consistente no futuro”, avalia Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil, ONG que trabalha para fomentar investimentos no empreendedorismo de inovação. 

Seja como for, a maior parte dos analistas concorda que o Marco Legal trouxe conquistas. Uma delas é a criação de um ambiente regulatório que permite às startups desenvolver novos modelos de negócio com base em tecnologias experimentais. É o que se denomina sandbox – em uma tradução literal do inglês, o termo significa caixa de areia, expressão que remete à imagem de um parque infantil, local em que crianças experimentam novas brincadeiras sem risco de se machucar. Adaptada às startups, a ideia sugere um campo regulatório simplificado, no qual elas conseguem liberar suas forças criativas para desenvolver serviços ou produtos em escala controlada sob a supervisão de agências e entidades regulatórias do governo. 

O Contrato Público de Soluções Inovadoras (CPSI) também é elogiado pelos especialistas. Ele possibilita a contratação de startups pela administração pública em caráter experimental, obedecendo a um regime enxuto de licitação. Esse modelo dispensa boa parte das exigências – principalmente no que diz respeito a documentação de habilitação e prestação de garantias, que são feitas às empresas licitadas em situações habituais. Mais importante ainda é a autorização de pagamento antecipado de uma parcela do preço contratado, proporcionando recursos para que o empreendimento viabilize ou aprimore o produto ou serviço ao longo do exercício do contrato. Elogiada pela maior parte dos atores envolvidos, a iniciativa recebeu ressalvas quanto ao limite máximo de R$ 1,6 milhão estabelecido para cada compra pública, apontado como aquém do esperado. 

Outra virtude do Marco Legal é a garantia dada ao investidor de que não será considerado sócio. Portanto, não poderá responder por eventuais dívidas das empresas, exceto em caso de comprovada conduta de má fé. “A medida afasta o receio de que, ao injetar recursos em startups, o investidor coloque em risco não só o dinheiro que aplicou, mas também o patrimônio privado em função do endividamento de um projeto eventualmente malsucedido”, afirma Eduardo Matias, sócio da NELM Advogados.  

Mais um item positivo é a ampliação do rol de investidores com a participação de empresas ligadas a setores regulados, como energia, petróleo e gás. Na verdade, essas companhias já possuíam obrigação legal de investir parte dos lucros em pesquisa, desenvolvimento e inovação – com o Marco Legal, elas poderão aplicar esses recursos diretamente em programas de aceleração de startups. Pena que os investimentos poderão ser efetuados apenas por meio de editais promovidos por entes públicos, como estatais, autarquias ou secretarias de governo. Para Saboya, da Anprotec, neste caso específico, o Marco Legal dá com uma mão, mas tira com a outra: “O setor público não é o agente mais ágil e eficiente para tracionar a inovação”. 

Em contrapartida aos novos horizontes abertos, o Marco Legal das Startups foi omisso em relação a temas considerados críticos para a atuação destas empresas. Uma das lacunas é a não regulamentação dos planos de opção de compra de ações (stock options), valioso mecanismo de atração e retenção de talentos aos projetos de inovação que estão dando os primeiros passos. O instrumento prevê que, no futuro, o colaborador poderá adquirir um pedaço da companhia, tornando-se sócio do empreendimento. Não se pode esquecer que, para o profissional, é um engajamento de risco – ele aposta que a empresa nascente estará valendo muito mais quando chegar a hora de exercer a opção de compra das ações. Caso isso não se confirme, pouco ou nada ganhará. 

Mas, para as empresas de tecnologia em fase embrionária, a aposta costuma valer a pena. Frente à escassez de mão de obra, a stock option se transformou em uma carta na manga para seduzir capital humano qualificado. Em números, o déficit de profissionais da área de tecnologia no Brasil supera 24 mil por ano, conforme a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). A demanda é de 70 mil pessoas, mas estamos formando apenas 46 mil. “Para agravar o quadro, as startups enfrentam a concorrência de grandes corporações, as quais têm condições de pagar salários elevados e oferecer benefícios robustos”, anota Kiko Afonso.  

Durante a tramitação no Congresso Nacional, a stock option chegou a ser incluída no Marco Legal, mas as alterações promovidas na Câmara dos Deputados enfatizavam o caráter remuneratório em detrimento da natureza mercantil da ferramenta. Desse modo, o texto abria margem para que fosse considerada “parte do salário”, com desdobramentos em termos de impostos e encargos trabalhistas. Diante do quadro, as entidades da sociedade civil optaram por sugerir aos parlamentares a supressão do artigo. “Dadas as condições, foi preferível manter a regra atual do jogo, apesar da insegurança jurídica, do que estar sujeito a uma interpretação ainda mais onerosa às startups”, acentua Afonso.  

Causou frustração, também, o acúmulo de dificuldades impostas para o enquadramento das startups no regime tributário do Simples Nacional. Atualmente, nenhuma empresa pode usufruir do padrão diferenciado de arrecadação de tributos e, ao mesmo tempo, se constituir como sociedade anônima. Ocorre que o modelo de S/A é o mais adequado para a área de inovação, já que é o preferido dos investidores. Havia esperança de que o Marco Legal abrisse exceção para as startups, o que chegou a ser cogitado durante o andamento do projeto de lei, mas acabou não se confirmando. 

Outro fator negativo é a tributação dos investimentos em startups como renda fixa, mesmo considerando que esses aportes representam uma aplicação de risco. Para o advogado Eduardo Matias, “desperdiçamos a chance de aumentar a oferta de capital por meio de benefícios fiscais já adotados em áreas como agronegócio e imobiliário, que se tornam cada vez mais atrativas para o investidor. Com isso, em vez de ampliarmos, estaremos inibindo o investimento em inovação”.  

A penalização tributária contrasta com a postura adotada em países como a África do Sul, que compensa o investidor em 100% do aporte no momento de acertar as contas com o Fisco. Já em algumas regiões dos Estados Unidos, como no estado da Flórida, não é cobrado um centavo de imposto de quem aplica dinheiro em startups. Por sua vez, o Reino Unido – mais do que isentar – banca metade do valor investido. Aliás, não faltam bons exemplos externos que poderiam ser copiados por aqui. Matias cita o caso da Itália, país que ampliou em quase dez vezes a quantidade de startups em 2012 graças à implantação de um marco regulatório agressivo e ambicioso. A Alemanha também serve de espelho ao suspender itens da legislação trabalhista para negócios do segmento da inovação.  

Por tudo isso, “como sempre, o Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade”, observa o presidente da Anprotec, parafraseando o economista Roberto Campos. Segundo Francisco Saboya, prevaleceu o conservadorismo extremo em detrimento do espírito da própria lei, que é de modernização: “O Brasil se conecta pouco com o futuro. A economia do passado predomina”. Já o presidente do Grupo Dínamo vai além: “Sem talento, não há inovação. Sem inovação, não há novas empresas de alto crescimento. Sem empresas de alto crescimento, teremos muito menos empregos. Não parece difícil entender essa equação, o que falta é vontade política associada a uma visão de futuro”, conclui Kiko Afonso.  

Muito espaço para crescer

Apesar do risco elevado para os negócios – de cada dez startups que nascem, apenas duas conseguem progredir –, o ecossistema da inovação se mostra cada vez mais estratégico para o desenvolvimento das nações. Uma pesquisa da Anjos do Brasil, em parceria com a consultoria Grant Thornton, mostrou que estimular o investimento em startups resulta na geração de mais impostos e aumento de renda para a população. Conforme o levantamento, cada R$ 1 investido implica em um retorno de R$ 5,84 na economia em um prazo de cinco anos. A projeção de massa salarial gerada durante o período superaria em 2,8 vezes o valor dos investimentos. No Brasil, o setor vem crescendo exponencialmente nos últimos anos – a quantidade de startups saltou de 4.151 em 2015 para 13.400 em abril de 2021. Atualmente, estima-se que já tenha superado a marca de 14 mil. “Ainda assim, poderia ser dez vezes maior, levando em conta o PIB do país”, afirma Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil. 

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