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Saudável inovação

Consequência inegável da pandemia, a valorização do bem-estar no ambiente de trabalho provocou uma explosão de startups especializadas em saúde


Daniel Sanes
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por obile
Saúde no trabalho

Burnout, depressão, ansiedade, estresse. Se você trabalha e nunca passou por pelo menos um desses transtornos, considere-se um privilegiado. Ainda mais depois de uma pandemia que virou o mundo de ponta-cabeça – e, em especial, o ambiente corporativo. Conforme o Ministério do Trabalho e Previdência, 576,6 mil brasileiros precisaram se afastar do emprego por problemas de saúde mental em 2020, um aumento de 26% em relação ao ano anterior. 

Uma pesquisa conduzida em 2021 pela The School of Life, instituição especializada em desenvolvimento da inteligência emocional, em parceria com a Robert Half, revelou que 38% dos profissionais brasileiros sentiram uma piora na saúde mental e no bem-estar. Entre os 491 entrevistados, 61% perceberam um aumento no nível de preocupação com esse aspecto nas empresas onde trabalham.  

Essa maior incidência de transtornos ocupacionais fez com que o bem-estar dos trabalhadores deixasse de ser tema secundário. Empresários e demais lideranças perceberam que o investimento em saúde precisa integrar a estratégia do negócio, uma vez que o problema não é individual. Seguindo a máxima de que prevenir é melhor do que remediar, a saída tem sido recorrer a startups focadas em soluções de bem-estar.   

Trata-se das chamadas wellnesstechs, que se abrigam sob o guarda-chuva das healthtechs. Seu foco é oferecer soluções tecnológicas que melhorem a qualidade de vida das pessoas. Pode ser um plano de acesso a academias e centros de treinamentos, consultas com nutricionistas, tratamentos de saúde mental ou planos de meditação. No Brasil – e em boa parte do mundo –, esse mercado encontra-se em franca expansão. Segundo o estudo A análise das startups no setor da saúde, realizado pela rede de inovação Liga Ventures com apoio da PwC Brasil, entre março de 2021 e março de 2022, o segmento movimentou R$ 1,79 bilhão em investimentos, distribuídos em 36 negociações de fusões e aquisições. 

É verdade que a maior parte desse montante (61,5%) foi direcionada ao gigante Gympass. A ferramenta, criada no Brasil e sediada nos Estados Unidos, está avaliada em US$ 2,2 bilhões e funciona como um benefício corporativo que dá acesso a milhares de academias, aulas virtuais e aplicativos de atividades físicas, meditação e terapia. No entanto, outros dados da pesquisa ajudam a corroborar o bom momento do setor. Essas startups tiveram um aumento médio de 21% no número de funcionários, por exemplo. De acordo com a plataforma Startup Scanner, havia 545 healthtechs ativas sendo monitoradas até o fechamento desta reportagem, no final de outubro – um salto de 37,3% em relação às 397 existentes quando a análise foi divulgada. 

Ainda que a pandemia tenha catapultado esse crescimento, outro fator deve ser considerado: atentas à redução de custos, as organizações começaram a pensar a saúde de maneira mais integral. Até então, mesmo sendo as principais contratantes dos planos de saúde suplementar no Brasil, as empresas se limitavam a repassar os programas das operadoras aos funcionários. Só que isso deixou de ser suficiente. “Ficou claro que a melhor estratégia é adotar ações preventivas para evitar um sinistro maior. Assim, elas começaram a oferecer programas de bem-estar aos colaboradores, que, por sua vez, parecem cada vez mais dispostos a cultivar hábitos saudáveis”, analisa Bruno Porto, sócio e líder do setor de Saúde da PwC Brasil. A nova visão, com o paciente no centro, criou uma espiral positiva de redução de custos e de ampliação nos cuidados com a saúde. “E a grande engrenagem por trás disso são as startups. Por meio da alta tecnologia, elas têm conseguido acelerar essas ações.”  

Atualmente, cerca de 50% das operações do setor são orientadas para o B2B. Na opinião de Alice Laranjeira, gestora de Prospecção e Seleção de Startups da Liga Ventures, embora tenha sido acelerado pelo coronavírus, esse boom só ocorreu porque as wellnesstechs entenderam as novas demandas da área. “Uma das principais tendências para esse mercado é a transformação digital e a convergência de modelos assistenciais, com uma busca por comodidade e personalização da jornada do paciente”, afirma. 

Crescimento e competitividade   

Ao mesmo tempo que esse mercado cresce, torna-se ainda mais competitivo. Em meio à grande oferta de serviços, uma solução atrativa para empresas e colaboradores costuma ser o ponto chave para que determinada plataforma ganhe espaço. Para Bruno Rodrigues, CEO da GoGood, esse diferencial é a capacidade de engajamento.   

Competidor profissional de karatê por 16 anos, o advogado paulista uniu as experiências adquiridas nos tatames e num grande grupo de mídia para fundar a startup, em 2016, ao lado de um sócio. Ele conta que, em sua experiência corporativa, percebia como era difícil criar equipes de alta performance. “Questões como sedentarismo, obesidade, estresse e saúde mental eram um gargalo de produtividade. Então pensei que, se eu conseguisse transmitir aquilo que tinha vivido dentro do esporte para as pessoas, elas seriam mais felizes e produtivas”, explica Rodrigues.  

A ferramenta da GoGood disponibiliza cerca de 150 exercícios físicos e práticas esportivas, estimulando os usuários a combater o sedentarismo e a ter uma alimentação saudável. Tudo, é claro, amparado por mecanismos de engajamento: “O modelo consiste no uso de gamificação: quanto mais você usa a academia, menos paga.” Logo no primeiro ano, a startup arrebanhou como cliente o PayPal, que desafiou seus colaboradores a uma meta coletiva: correr 2.500 quilômetros em troca de uma doação para a instituição Make a Wish. 

O crescimento da GoGood durante a pandemia chama atenção: de 2020 para 2021, o faturamento aumentou 500%. Em 2022, dobrou – e ainda há potencial para seguir em alta. Segundo Rodrigues, o movimento de wellness no Brasil ainda é recente e começou pelas grandes empresas, que possuem mais de 5 mil funcionários. Mas existe outra fatia de mercado representativa, de organizações com até 500 colaboradores: são nada menos do que 80 mil empresas desse porte. “Muitas delas têm dificuldades em encontrar soluções de bem-estar para os colaboradores.”   

Também criado em 2016, o Zenklub parte de um insight diferente. Quando a mãe do médico português Rui Brandão, CEO da startup, enfrentou um Burnout, ele percebeu haver poucas opções de recursos para tratar algo tão singular quanto a saúde emocional. Junto com um sócio, decidiu criar uma plataforma de consultas online com psicólogos, psicanalistas e terapeutas, voltando-se tanto para empresas quanto para o cliente final. “Havia uma demanda muito grande. As pessoas precisavam desse canal digital”, destaca.  

Um dos desafios nesse segmento, segundo Brandão, é mensurar o impacto que os serviços geram nos pacientes, nos negócios e na sociedade. Nesse sentido, o Zenklub se vale do Índice de Bem-Estar Corporativo (IBC), segundo o qual as companhias que investem em saúde emocional apresentam IBC superior à média nacional – 74 frente a 61,7. “Apesar de o número ideal ser, no mínimo, 78, é preciso considerar que não havia ferramentas para medir algo tão intangível”, diz. Para ele, implantar uma cultura baseada em segurança psicológica e cuidado emocional do trabalhador não é algo que se faz da noite para o dia. Em seis anos, o Zenklub registra mais de 1,3 milhão de consultas realizadas, com gigantes como Ambev e Volkswagen na carteira de clientes.  

Mudando vidas   

Outro aplicativo conhecido na área de consultas virtuais, o Cíngulo foi desenvolvido pelo psiquiatra e neurocientista Diogo Lara. Em funcionamento há cinco anos, o app utiliza recursos de big data a partir de estudos científicos, experiências clínicas e vivências pessoais do próprio Lara – que enfrentou um quadro de depressão após a perda repentina de uma pessoa próxima. “Ao passar por esse momento traumático, descobri algumas técnicas impressionantes, de eficácia diferenciada.”  

Lara e um colega, que se tornaram sócios, estavam acostumados a atender casos graves de depressão. Mas a ideia era oferecer um serviço preventivo. “A gente viu que poderia mudar o curso da vida das pessoas, que geralmente adoecem de forma crônica até procurar um psiquiatra”, explica. A terapia digital, diz ele, se mostrou bastante eficaz, especialmente por se tratar de modelo 24/7, disponível continuamente. “Tem baixa resistência, é de fácil adesão e possibilita cobrar valores menores.” A operação, que começou no modelo B2C, logo expandiu para o B2B.  

O sucesso do Cíngulo fica claro em números: são mais de 3,3 milhões de downloads, sendo a maioria orgânicos. Cotado com a nota máxima (5.0) no Google Play e na App Store, foi eleito o melhor aplicativo de 2019 pelo primeiro. Impulsionado por um aporte do fundo de investimentos DNA Capital, o Cíngulo projeta um crescimento de até 400% em 2022, incluindo planos de expansão internacional para o próximo ano. 

Com uma proposta similar, a OrienteMe dispõe de atendimento de psicólogos e nutricionistas a colaboradores de empresas, além de uma completa jornada de apoio e bem-estar que permeia a experiência do paciente no aplicativo. “Ajudamos empreendedores e gestores de RH a terem uma gestão completa e mais assertiva, guiando suas decisões por meio de dados e indicadores confiáveis”, explica Daniela Haidar Chohfi, cofundadora da startup. 

Para ela, as transformações no setor vieram ainda antes do coronavírus, com a ampliação do acesso a novas tecnologias e a ascensão do ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Mas Chohfi reconhece que a pandemia impulsionou de vez esse mercado: em 2020, a OrienteMe cresceu 873%, e no ano seguinte, 271%. “Graças à disseminação da tecnologia, os aplicativos podem acompanhar cada vez mais os pacientes no dia a dia, seguindo a tendência da saúde do futuro, que é ser mais preventiva e personalizada.”  

Desafios e oportunidades 

Embora promissor, o mercado de wellnesstech é repleto de desafios. Alice Laranjeira, da Liga Ventures, considera o maior deles garantir uma posição de destaque num ecossistema que já nasce competitivo. “Grande parte das startups ativas no setor foram criadas nos últimos cinco anos. Isso reforça a importância de buscarem consolidação através de parcerias, investimentos e iniciativas voltadas à aceleração do desenvolvimento das soluções”, avalia. Porto, da PwC Brasil, considera a busca por financiamento a maior dificuldade, mas observa que quem lida com consulta e diagnóstico precisa, sempre, tomar um cuidado a mais. “Em saúde, não há espaço para erro. Em setores como o varejo, por exemplo, o prejuízo é financeiro. No caso das healthtechs, é de vida mesmo. Por isso, são startups que costumam ter um ciclo maior de maturação”, observa.  

Enquanto Lara, do Cíngulo, reconhece haver certa miopia por parte dos gestores em disponibilizar esse tipo de serviço, Rodrigues, da GoGood, lembra que apostar em soluções de wellness eleva os níveis de atração e retenção de mão de obra qualificada. “Os gestores que não perceberem isso correm o risco de ficar pra trás.”  

10 startups de bem-estar para prestar atenção 

  • Fit Anywhere: O app disponibiliza videoaulas de vários esportes, utilizando IA para fazer combinações de exercícios. Também oferece consultorias com personal trainers e fisioterapeutas.   
  • Flowing: Busca estimular os cuidados com o bem-estar no ambiente de trabalho e também fora dele. Promove o engajamento e a conscientização do usuário com recursos como gamificação e notificações personalizadas.  
  • Hisnek: Utiliza IA para fazer a prevenção ativa a transtornos mentais em ambientes corporativos. Também sugere práticas saudáveis, através de jornadas de atenção plena (mindfulness), equilíbrio e assertividade.  
  • RadarFit: A wellnesstech adota a gamificação como estratégia para estimular o usuário a ter uma rotina saudável. Disponibiliza planos alimentares e um cronograma de treinos personalizado, além de atividades ligadas à prática de mindfulness.  
  • SleepUp: O aplicativo oferece terapias digitais comportamentais e cognitivas contra insônia e distúrbios do sono. Conta com recursos de relaxamento e meditação e disponibiliza atendimento de especialistas por vídeo e chat.  
  • Tato: A healthtech é voltada ao tratamento de dor musculoesquelética, uma das principais causas de afastamento do trabalho. Oferece triagem personalizada, fisioterapia online e telemonitoramento de pacientes com problemas lombares.  
  • ViBe Saúde: Startup de telemedicina lançada em 2020. Conta com pronto-atendimento digital, linhas de cuidado para gestão de casos crônicos, soluções de qualidade de vida e engajamento dos usuários.  
  • Yogist: Disponibiliza atividades de yoga elaboradas por fisioterapeutas e ergonomistas da medicina laboral. O método é direcionado ao mundo corporativo e busca atender às necessidades de quem passa o dia em frente a uma tela de computador  
  • Youfeel Health: Aplicativo voltado à saúde mental. Faz a análise diária de dados biométricos de sono, atividade física e nutrição, realiza um pré-diagnóstico e encaminha o paciente para tratamentos personalizados.  
  • Vittude: Plataforma de psicologia online focada em programas para empresas. Contempla ações de engajamento, rodas de conversa e produção de materiais recreativos sobre saúde mental. 

Unicórnio social  

O ano de 2022 foi um marco para o segmento das wellnesstechs. Depois de captar US$ 125 milhões numa rodada de financiamento liderada pela Glade Brook Capital, a Betterfly tornou-se o primeiro unicórnio de impacto social da América Latina, atingindo valor de mercado acima de US$ 1 bilhão. A startup chilena oferece uma plataforma de benefícios corporativos que recompensa os bons hábitos dos usuários com doações a ONGs parceiras. Sua expansão internacional iniciou em 2021, pelo mercado brasileiro, onde tem parceria com a Icatu Seguros, e desde então alcançou diversos países da América Latina. Em 2023, mira em três novos mercados: EUA, Espanha e Portugal. 

Retorno saudável 

Pesquisa da consultoria MetLife mostra que o investimento em bem-estar traz benefícios tangíveis às empresas: 

  • 12% de alta no engajamento; 
  • 9% de aumento na produtividade; 
  • 10% sentem-se mais leais à empresa; 
  • 66% dos colaboradores que tiveram programas de benefício durante o período de isolamento social sentiram-se mais valorizados e reconhecidos; 
  • 30% das pessoas consideram a qualidade de vida o principal motivo para permanecer em uma empresa. 

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