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Por dentro dos labs corporativos


Rodrigo Oliveira
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por obile

O que algumas poucas empresas consolidadas e a maior parte das startups têm em comum? A utilização de espaços com impacto na produção criativa, seja uma sala de conferências com post-its ou um espaço de 20 mil m². Muitas vezes chamados de centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) ou centros de inovação, os labs corporativos representam um local seguro para as organizações realizarem experiências e aprimorarem projetos.

Mas será que eles realmente agregam valor e geram crescimento? Conforme com um relatório da Capgemini, a grande maioria dos laboratórios de inovação não cumpre o que promete.

As expectativas são frustradas por vários motivos. O primeiro, e mais evidente, tem a ver com o descompasso entre o discurso e a prática. Todo mundo quer romper com o tradicional, atraindo investidores e novos clientes. Difícil é ir além da intenção.

Segundo o Innovation Index, levantamento feito com 6,6 mil líderes de Negócios e TI em 45 países, os executivos brasileiros são otimistas em relação ao nível de inovação: 83% dos entrevistados classificam suas organizações como inovadoras. A maioria das empresas (42%), entretanto, limita-se à inovação incremental, quando são feitas modificações e atualizações em um produto já existente.

A chave para causar um impacto transversal nos negócios, criando novas relações entre mercado e consumidores, é ter uma cultura organizacional orientada à inovação – junto a um ambiente que aceite e absorva as falhas como parte do processo de evolução.

Em geral, é mais fácil colocar um laboratório de pé do que derrubar esse muro. Isso acontece porque um mantra corporativo que atravessa décadas ainda tem grande valor nos dias de hoje: fazer mais com menos. Em outras palavras, mitigar riscos em prol da máxima eficiência. “Nada mais diferente daquilo que chamamos de cultura do erro, a força motriz da inovação”, avalia Mara Carneiro, coordenadora do MBA em Inovação Empresarial da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap).

 Na linha de frente

Ter um time de inovação para chamar de seu é uma ideia tentadora. No entanto, antes disso, é importante estreitar laços da porta para fora. Depois de perguntar para 800 gestores executivos, a McKinsey confirmou que 52% enxergam a criação de novos negócios como a melhor saída para crescer após a pandemia.

A Afya, eleita a empresa de educação mais inovadora pelo prêmio Valor Inovação Brasil 2023, assina embaixo. Não por acaso, tem crescido de forma acelerada ao atuar como uma “fábrica” de startups.

“O programa Afya Ventures busca desenvolver oportunidades de transformação para a empresa por meio de investimentos minoritários, preferindo startups em estágio seed e série A”, explica Bruno Scolari, diretor de Inovação da Afya. “Tanto as adquiridas quanto as investidas são livres para trabalhar em nosso escritório. Essa troca é fundamental”, ressalta.

A Nestlé também fomenta um ecossistema robusto de colaboração. Localizado na sede da empresa na capital paulista, o Panela House conta com ambientes de coworking, uma cozinha experimental e salas direcionadas a outras atividades, como impressão 3D. O foco é a cocriação de valor em torno do sistema alimentar do futuro.

Para isso, o local oferece uma programação de eventos, workshops e networking com a comunidade. “A iniciativa atua em avenidas estratégicas para a companhia, priorizando em seus programas desafios de crescimento, ESG e eficiência”, conta Carolina Sevciuc, diretora de Transformação Digital da Nestlé Brasil. Desde 2016, a empresa já mapeou pelo menos 2,5 mil startups, se conectou com 445 delas, desenvolveu cerca de 190 pilotos e implementou 60 projetos em escala.

Pregadores da virada

Moderninhas ou quadradas, todas as empresas concordam que a ambidestria organizacional — o equilíbrio entre a eficiência operacional e a busca por inovação — se tornou o novo expediente para manter a competitividade. Mas no meio do caminho tinha uma pedra. De ideia inovadora a produto, quanto tempo leva? Mais do que muitos gostariam.

“Conheço incubadoras que tiveram a primeira grande venda com cinco anos de existência”, relata Fabio Josgrilberg, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em comunicação com ênfase em processo criativos, frameworks ágeis, processos de inovação, gestão de stakeholders e reputação.

Nem sempre é fácil manter a paciência, mas estratégias de inovação exigem visão de longo prazo. E aqui o papel da liderança é fundamental. Grande parcela das empresas se preocupa quase exclusivamente em atender às necessidades dos clientes. Poucas são aquelas que gerenciam as expectativas do público interno com o mesmo empenho. Sim, a nomeação de um “embaixador da inovação” é uma abordagem possível para enfrentar o desafio de mudar a forma de fazer negócios na empresa. Só que não é nada simples.

Num mundo cada vez mais conectado, os processos colaborativos precisam ocorrer de modo livre e contínuo. Para isso, é preciso autonomia. Embora Sun Tzu tenha sido implacável ao dizer que “vencerá aquele que tem tropas unidas por um propósito”, pensar que um único comandante em chefe será capaz de passar por cima de um exército de executivos beira a utopia.

Um profissional inovador é resultado de uma cultura empresarial com processos no lugar. Ele deve desfrutar de meios para acessar o caminho percorrido pelas ideias até se tornarem iniciativas concretas.

“Não adianta educar as pessoas sobre criatividade, pensamento analítico, resolução de problemas, se você não tiver um pipeline de inovação”, alerta Josgrilberg. Esse caminho de ideias baseia-se em estágios, divididos por marcos a serem alcançados. O objetivo é reduzir a incerteza e, assim, produzir condições (leia-se, dados) para tomar a decisão de pivotar a iniciativa ou cancelar o projeto.

Governança em cena

As empresas definem regularmente sua estratégia geral de negócios (escopo e posicionamento) e especificam como marketing, operações, finanças e P&D, entre outras áreas, vão apoiar o processo.

Raramente, entretanto, alinham seus esforços de inovação com seus objetivos e metas de negócios. Com as novas demandas do mercado, não basta investir novidades: é preciso estabelecer uma série de boas práticas para garantir resultados efetivos e gerenciar as diferentes iniciativas dentro da corporação.

Empresas com governança de inovação têm crescimento de receita duas vezes maior que as demais, segundo pesquisa da Accenture. Ainda assim, apenas 12% das organizações têm ações extensivas para garantir que os investimentos na área alcancem o crescimento desejado. Não se trata de falta de vontade, mas carência de sinergia. Afinal, de nada adianta o fomento da inovação por parte de um setor e logo adiante ser barrada por outro.

Eis a mágica do sandbox, um conceito emprestado do desenvolvimento de software e que se baseia nas caixas de areia dos parques infantis — locais cercados e seguros onde as crianças podem brincar e criar à vontade. O truque consiste em verter essa lógica para o ambiente corporativo. Isto é, possibilitar o espaço controlado para testes de serviços, produtos ou processos que, em alguma medida, possam impactar a vida do cliente.

A perspectiva foi oficializada pelo Marco Legal das Startups, em 2021. Com carta branca para inovar sem tanta burocracia, é possível escapar das camadas de aprovação que acabam matando projetos antes mesmo de germinarem.

Atenção a quem ensina

Estruturado na forma física ou virtual, um centro de inovação é onde profissionais com diferentes habilidades somam esforços para desenvolver produtos, serviços, processos. A inovação, porém, ainda pode ser vista como uma abstração. O laboratório, por sua vez, tem o sentido de mostrar para todos o que a equipe faz, ensejando promessas mais agressivas sem perder a credibilidade.

No fim das contas, o consumidor — e a diretoria — precisam perceber o valor que buscam. Agora, se a cultura de inovação ainda não está bem sedimentada, a recomendação é começar pequeno. Assim, ninguém se assusta.

Antes de batalhar pelo próprio ecossistema, uma dica é frequentar, de modo pontual ou recorrente, espaços já estabelecidos. O Instituto Caldeira, em Porto Alegre, foi fundado em 2021 justamente para conectar e fomentar o crescimento de empresas tradicionais e startups, dando destaque a projetos de inovação, inclusive, junto a universidades.

Trata-se de um hub que reúne iniciativas que buscam renovar a matriz econômica gaúcha, servindo de ambiente para labs de inovação, startups, instituições de ensino e ao incentivo à disrupção.

No Caldeira, são mais de 400 organizações, 10 mil pessoas e algumas das mentes mais imaginativas do mercado atuando em rede. Membros da comunidade têm acesso a uma agenda movimentada de eventos, programas de inovação e conteúdos exclusivos.

“Buscamos criar a sensação de um festival permanente”, descreve Pedro Valério, diretor-executivo do instituto, que não tem fins lucrativos. “São pelo menos cinco eventos de conteúdos por semana para criar condições favoráveis aos encontros fortuitos, do acaso”, continua. Música para os ouvidos de quem quer aproveitar a prática de “jogar uma ideia” de um lado para outro gastando pouco – a chamada polinização cruzada.

Pedro Valério, em reunião com empresas integrantes do Caldeira. Crédito: divulgação.

E o Caldeira não está sozinho. Hoje, existem ao menos 54 hubs no Brasil, dos quais 43 estão localizados no estado de São Paulo, segundo a Sling Hub, startup que levanta dados sobre inovação na América Latina.

Entre os principais centros, destacam-se Cubo Itaú, Inovabra, Liga Ventures e Google for Startups. A profusão de espaços pode ser interpretada como uma resposta ao número inflado de empresas surgindo no digital. Com uma taxa de crescimento médio de dois dígitos a cada ano, o Brasil já conta com mais de 12,7 mil startups, conforme a Associação Brasileira de Startups.

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Pilote seu próprio avião

Uma vez atingida a maioridade na jornada de inovação, a empresa estará pronta para dar o próximo passo. Ter um espaço exclusivo traz vantagens e desvantagens. O lado bom reside na possibilidade de servir-se de um ambiente seguro, com maior grau de adequação dos controles internos administrativos, para o compartilhamento de ideias.

Nem tão simples assim é ter que juntar os recursos necessários para o programa dar certo. Exemplos incluem tempo, orçamento, espaço físico, ferramentas tecnológicas. Sem deixar de mencionar a necessidade de capacitação e treinamento. A boa notícia é que assumir o volante na era da disrupção não significa viajar sozinho.

“A partir do momento em que a empresa tem orçamento para subir de nível, é possível fazer um misto de inovação interna e aberta. Essas frentes funcionam muito bem em conjunto”, aponta Mara Carneiro, da Fiap.

A ideia é trazer pessoas de fora da organização, que estão em contato com outros mercados, para trocar experiências. Pavimenta-se, assim, um caminho para construir relações ganha-ganha. A empresa que escolhe esse atalho reduz o tempo de entrada de tecnologias no mercado e ganha relevância no setor em que atua.

Para causar uma boa impressão, alguns cuidados são imperativos. Os usuários devem escolher livremente seu local de trabalho dentre os vários ambientes do complexo, o que permite contato com diversas pessoas. Não se pode esquecer que o espaço vai reunir profissionais de áreas que nem sempre se dão bem. Ao congregar diferenças e somar potências, o lab se torna uma miniatura da cidade urbana, onde várias atividades transcorrem ao mesmo tempo.

Para que isso ocorra sem problemas, Mara Carneiro defende o uso da arquitetura modular. Priorizar móveis multifuncionais, que ajudam a ampliar o leque de composição dos ambientes, permite a criação de uma ampla gama de estruturas.

Lembre-se que uma mesma sala é capaz de servir a vários propósitos: no início da semana, pode acomodar pessoas em roda para uma dinâmica de grupo e, no fim da tarde de sexta, sediar um happy hour com parceiros. A dica é contar com mesas e cadeiras que se adaptem a diversos cômodos.

Disponibilizar objetos e materiais como papel sulfite, canetas, lápis, pincéis para quadro magnético e flip charts também é interessante. Além de estimular o trabalho, muitos ambientes de inovação reconhecem que aspectos como arquitetura, decoração, layout, iluminação e formato de janelas têm influência sobre o comportamento dos funcionários. Em suma, o local precisa de vida para ter um fluxo consistente de boas ideias.

Outro ponto diz respeito ao bem-estar. Empresas que adotam um programa de bonificação por resultados geram mais engajamento. Esse tipo de estratégia atrai contribuições para expandir o portfólio da organização.

Os pequenos rituais, por mais simples que possam parecer, também fazem maravilhas: “Jamais menospreze o poder de uma ação como o ‘dia do cappuccino’. O importante é saber o que está por trás da iniciativa”, afirma Mara Carneiro.

Ela explica que o responsável pela área, nesse caso, poderia estar no encalço de perspectivas mais diversas. Durante a busca, teria encontrado, então, uma solução eficiente: unir profissionais com diferentes backgrounds em meio à espera para o café. “É tudo uma questão de posicionar bem o carrinho de bebidas. Desse modo, cria-se um ponto de encontro que serve aos objetivos do negócio”, resume.

Imersão nas métricas ágeis

O laboratório está pronto. Agora é hora de instituir indicadores de inovação. Sem um bom método para fazer essa medição, é difícil apontar quais iniciativas foram responsáveis por quais resultados, entregando a organização à própria sorte. Quando um negócio opera de modo estratégico, todos os setores são guiados por um destino claro. Uma das formas de mensurá-lo é usar a metodologia OKR.

O modelo preconizado por gigantes como Google e Spotify oferece uma visão estratégica em tempo real e estabelece o foco para o futuro no curto prazo. Uma curiosidade é que pelo menos 60% dos OKRs (em português, Objetivos e Resultados-Chave) devem ser definidos de baixo para cima.

Os níveis mais altos na hierarquia da empresa, como vice-presidentes e diretores, decidem as metas mais macro. As demais são contribuições do time. Imagine que um e-commerce quer aumentar as vendas em 50%. Entre as metas possíveis estão: aumentar as visitas no site; expandir o número de clientes que fazem cadastro; e ampliar o uso do aplicativo.

Vale a pena, inclusive, medir a quantidade de erros. Daí a expressão fail fast, learn faster (em tradução livre, erre rápido, aprenda mais rápido ainda), uma das máximas do Vale do Silício. Grandes líderes permitem — até mesmo incentivam — suas equipes a seguirem em frente, transformando percalços em trampolins.

“O caminho para o sucesso é dobrar sua taxa de falhas”, dizia Thomas Watson, fundador da IBM. Quantidade de ideias geradas, retorno sobre o investimento (ROI) e taxa de sucesso são outras métricas para ficar de olho.

Ao monitorar esses indicadores, é importante considerar os horizontes de inovação [veja no infográfico abaixo]. O método vem de um estudo rigoroso de três anos conduzido por três especialistas da McKinsey.

A estrutura permite que as empresas equilibrem suas atividades de curto e longo prazo. Também ajuda a identificar oportunidades de crescimento, avaliar riscos e direcionar recursos de maneira mais eficaz. Trata-se de uma saída para balancear o portfólio de projetos de inovação, fazendo com que a empresa invista não apenas no negócio principal, mas também em sua expansão no mercado. 

Disposição para inovar

É claro que nem todos os esforços se traduzem em êxito. Não à toa, programas de aceleração corporativa e os próprios labs costumam ter um prazo de validade. Em poucos anos, eles chegam ao seu auge sem atingir os resultados esperados e são encerrados. Faz sentido. Ainda há quem pense que amontoar meia dúzia de colaboradores em uma sala é suficiente para testar e validar ideias rapidamente.

Não se engane. Inovar é remar contra a maré. No cenário ideal, os hubs internos existem para melhorar ou mudar a forma como as coisas são feitas. Muitas vezes, porém, os gestores se perdem.

Ambientes originalmente criados para promover e dar suporte ao empreendedorismo inovador deixam transparecer uma dimensão circense, com verniz de novidade, e não fazem mais do que encher os olhos de desavisados.

“Conheço organizações com ambientes extremamente flexíveis que sofrem para criar uma cultura de inovação. Enquanto isso, você e eu sabemos que algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo começaram em uma garagem”, rememora Josgrilberg, da FGV.

A gestão da inovação exige uma generosa dose de audácia. Isso porque coordenar, prospectar e disseminar boas práticas para criar algo novo ou mudar o que já existe compete com o dia a dia. Não é para qualquer um.

Agora, se você faz parte do seleto clube dos desbravadores, a pergunta que precisa ser feita não é como, mas quando começar. Se o espaço vai ser dentro ou fora da empresa, físico ou virtual, bem equipado ou no improviso, não importa. Coloque uma equipe diversa a trabalhar. Dê a ela um propósito fortificado com processos, e a inovação estará garantida. //

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