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Scrum, Kanban, Lean: entenda de vez a cultura ágil

Das fábricas da Toyota ao Vale do Silício, das startups às maiores empresas do mundo, os métodos ágeis atualizaram as definições de gestão de projetos. Saiba como aplicá-los em seu dia a dia


Por Luiz Eduardo Kochhann
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por bem2030

Fevereiro de 2001. Faz frio em Snowbird. Dentro de um confortável resort encravado no sopé das montanhas nevadas de Utah, oeste dos Estados Unidos, estão reunidos 17 programadores e consultores de empresas de tecnologia. Nenhum deles pretende fazer turismo, esquiar ou descansar. Todos têm em mente um só objetivo: melhorar a eficiência dos processos de desenvolvimento de software existentes até então.

Duas motivações levaram àquele encontro. A primeira diz respeito a uma dificuldade da área de tecnologia da informação (TI) que se arrastava desde a década de 1970. Era a chamada “crise do software”. O exemplo mais emblemático do problema foi a explosão do foguete Ariane 5, em 1996. Projetado pela Agência Espacial Europeia durante dez anos, o equipamento custou o equivalente a US$ 8 bilhões e explodiu 40 segundos após o lançamento. O desastre foi causado por um erro de cálculo de software. Além dos bugs, outros gargalos incomodavam quem lidava com TI: dificilmente os programadores cumpriam prazos; os custos dos projetos ficavam cada vez mais elevados; e era comum haver conflitos entre quem desenvolvia e quem fazia a manutenção dos programas.

Até o ano 2000, segundo uma pesquisa da consultoria Gartner, apenas 28% dos projetos da área de tecnologia eram entregues com sucesso. Por sucesso entenda-se dentro dos prazos e sem estourar o orçamento. O segundo fator que teria levado à reunião em Utah tem a ver com algo mais amplo. Nos anos 1990, militares do Colégio de Guerra dos Estados Unidos cunharam o acrônimo VUCA para sintetizar o mundo pós-Guerra Fria. As quatro letras, em inglês, representam características que hoje se tornaram proeminentes na sociedade: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Aos poucos, o termo ganhou força no ambiente corporativo mundo afora. Logo, muitas empresas perceberam a necessidade de adaptar a gestão de projetos a uma era pautada por rápidas transformações.

As ideias discutidas no resort foram condensadas em um documento intitulado Manifesto Ágil. Nele constam quatro valores básicos a serem aplicados em projetos de programação: 1) priorizar indivíduos e suas interações em vez de processos e ferramentas; 2) garantir o funcionamento dos softwares sem a necessidade de uma documentação abrangente de todas as etapas; 3) incentivar a colaboração com o cliente em outras etapas além da negociação de contratos; e 4) responder a mudanças mais do que seguir um plano.

Embora carregue a palavra ágil em seu nome, o manifesto revela um mindset em que a rapidez representa mais uma consequência do que um princípio. “É necessário entender que o conceito de ágil está ligado ao modelo mental de como você encara determinados contextos. Flexibilidade e adaptabilidade são palavras mais relacionadas a agilidade do que a velocidade”, explica João Marcos Filho, agile coach do Great Place to Work (GPTW). O objetivo, com isso, é encontrar meios de proporcionar valor ao cliente o quanto antes.

A chamada cultura ágil (em inglês, agile) ainda se desdobra em 12 princípios. Eles tocam em questões
como comunicação, motivação, funcionalidade, sustentabilidade e revisão na gestão de projetos. Todos ressaltam a importância das entregas parciais e abrem margem a alterações no projeto original. Outro destaque são os feedbacks do cliente para otimizar o trabalho e buscar resultados mais satisfatórios. Para materializar o que foi preconizado pelos 17 de Utah, entram em cena ferramentas como Scrum, Lean, Kanban e OKR.

Ter disposição para cooperação é fundamental para qualquer time de alta performance. Na cultura ágil, o modelo está desenhado para buscar e usar a cooperação como um pilar fundamental.”

João Roncati
——— sócio fundador da consultoria people+strategy ———-

Frameworks e metodologia ágil

O modelo em cascata (em inglês, waterfall) era a estratégia de gestão de projetos mais popular do início dos anos 2000. A metodologia, entretanto, tem um ponto fraco: por ser repleta de hierarquias, acaba burocratizando a operação. Ela estabelece etapas lineares de desenvolvimento, com equipes trabalhando separadamente. Primeiro vem o planejamento, passível de poucas alterações. Em seguida, a execução de cada tarefa por suas respectivas áreas – uma por vez. Por fim, a entrega do que foi planejado e executado.

A cultura ágil só teria sucesso se contasse com ferramentas de trabalho alinhadas aos seus propósitos. Esses recursos ganharam o nome de frameworks, hoje presentes em empresas de todos os portes e dos mais variados segmentos. Diferentes frameworks ágeis podem ser utilizados, inclusive, de maneira combinada. Em geral, possuem algumas características em comum, como metas de curto prazo (os sprints), formatação de equipes enxutas e multidisciplinares (os squads) e revisão e autoavaliação contínua do projeto.

Ainda que tenham entrado em evidência como métodos ágeis há duas décadas, algumas ferramentas remontam à primeira metade do século 20. Duas delas, aliás, nasceram em pleno chão de fábrica, na Toyota. A montadora japonesa disseminou o Kanban e o Lean, que ficou conhecido como Sistema Toyota de Produção. Seu objetivo é maximizar o valor para o cliente e minimizar os desperdícios por meio de um fluxo contínuo, com análise em todas as etapas para corrigir problemas na origem.

Já o Kanban (cartão, em japonês) sinaliza os principais passos do processo de fabricação e seus respectivos estágios. No início dos anos 2000, ele foi adaptado ao desenvolvimento de software para que os membros da equipe visualizem o fluxo de trabalho num quadro branco. Nele são colocados post-its marcando, de maneira simples, o que há para fazer, o que está sendo feito e o que está concluído. Outros frameworks inspirados no Kanban e no Lean ganharam fama sendo usados por startups e gigantes da tecnologia. O Google, por exemplo, apostou no OKR. A sigla para objectives and key results é uma técnica flexível que permite realizar adaptações em projetos conforme feedbacks e mudanças no mercado.

De acordo com Fernando Domingues, professor de metodologias ágeis da ESPM e diretor do programa
InovaLAB, o Scrum é o framework mais utilizado no mundo corporativo. O motivo: a ferramenta possui
um conjunto mais completo de rituais e artefatos, o que acelera a curva de aprendizagem por parte da empresa. Não à toa, o modelo foi adotado pelo Spotify, onde o termo squad foi empregado pela primeira vez para se referir a equipes multidisciplinares montadas por projeto. No Scrum, os squads trabalham em sprints, ou seja, com pequenas etapas de planejamento e produção.

Com o agile, evoluímos bastante na qualidade dos nossos produtos. Isso aconteceu, principalmente, porque o cliente está no centro da mesa, sempre conosco, dando feedback. Temos tempo para adaptar e corrigir as entregas parciais sem atrapalhar a entrega final.”

zaima milazzo
——— presidente do brain ———

Expansão e outras áreas

A expansão da cultura ágil, que antes era rara e isolada, ganhou velocidade movida por pressões externas do Mundo VUCA, mas principalmente pelos bons resultados compartilhados por indústrias que a adotavam. Empresas com gestão mais leve – como Google, Facebook e o próprio Spotify – ditaram o ritmo desse processo. Com o boom das startups, os métodos ágeis romperam a barreira do setor de TI e se tornaram uma solução de gestão efciente para projetos de diferentes áreas e segmentos – do RH à contabilidade, da indústria farmacêutica ao mercado agro. Um estudo do Instituto Coleman Parkes, com 1.770 executivos de 21 países, incluindo o Brasil, apontou que 88% das companhias os utilizam em algum nível.

Um caso marcante é o do setor financeiro. Apesar de ser um dos mais antigos e convencionais, o segmento avança no rumo da transformação digital com apoio fundamental dos métodos ágeis. O banco holandês ING, fundado em 1743, é um exemplo. A instituição iniciou a migração para o agile em 2015, aplicando squads de forma gradual em áreas como marketing, gestão de produto e TI. Essa adoção progressiva é o caminho mais indicado, uma vez que a maioria dos casos exige adaptação cultural por parte da companhia e de seus funcionários.

As empresas têm adotado o ágil, primeiramente, como uma alternativa às metodologias mais tradicionais de gestão de projetos. Essa abordagem inicial serve como laboratório para experimentar os frameworks, testar sua efetividade e mapear resistências”, afirma Domingues, da ESPM. Os setores de desenvolvimento de produtos e novos negócios são os preferidos para iniciar a aplicação dos métodos ágeis. Em geral, são áreas que lidam com desafios curtos e pontuais. Ou seja, ideais para os sprints. Na medida em que as primeiras tentativas apresentem resultados, é possível ganhar escala, o que envolve a introdução de um conjunto mais robusto de ritos, modelos de gestão e governança.

Outra alternativa adotada pelas empresas tem sido adquirir uma startup ou criar estruturas paralelas para dar um pontapé inicial. Foi o que fez a Algar Telecom. Em 2017, a empresa lançou o Brain, um centro de inovação para desenvolvimento de novos produtos, serviços e negócios, tendo como base o Scrum. A sua missão, agora, é apoiar a mudança de mindset para o ágil em todos os níveis da Algar, desde a alta liderança até a operação. “Somos uma empresa com mais de 60 anos de história.

Então, optamos por lançar o Brain em uma estrutura apartada justamente para que não houvesse interferência dessa nossa cultura mais tradicional”, explica Zaima Milazzo, presidente do Brain. “O objetivo era testar e inovar sem barreiras ou receio em falhar.” A Algar já identifica alguns frutos da inovação, como sustentabilidade financeira e maior valor para o cliente. Agora, segundo Milazzo, o desafio é aplicar os dois modelos – convencional e ágil – ao mesmo tempo. Isso porque nem todos os colaboradores se adaptam às novas metodologias de trabalho, que exigem mais proatividade e autonomia na tomada de decisões.


Vento na camisa

Conheça os principais frameworks ágeis

Scrum

Características: execução de projetos dividida em etapas (sprints), cada uma com duração de algumas semanas. Times multidisciplinares (squads) formados por seis pessoas, em média.

Benefícios: torna o planejamento flexível a mudanças e possui o conjunto mais completo de rituais e artefatos entre os frameworks ágeis, acelerando a curva de aprendizagem da empresa.

Quem usa: Spotify, Google, Rede Globo, Yahoo.

Lean

Características: conhecido como Sistema Toyota de Produção, promove um ciclo contínuo de fabricação, com análise em todas as etapas e correção de problemas na sua origem. 

Benefícios: gestão eficiente dos recursos, com maximização do valor para o cliente e redução dos desperdícios.

Quem usa: Toyota, Intel, Nike, Magazine Luiza, Itaú.

Kanban

Características: um quadro ou mural sinaliza os principais passos do processo de produção e seus respectivos estágios. No modelo mais simples, os cards apontam o que há para fazer, o que está sendo feito e o que já foi concluído.

Benefícios: transparência na visualização do fluxo de trabalho por toda a equipe, facilitando a identificação e a resolução de pendências.

Quem usa: praticamente todas as empresas que utilizam métodos ágeis. 

OKR

Características: a equipe define um objetivo e estipula um conjunto de resultados-chave para checar se a meta está sendo atingida.

Benefícios: estimula a participação ativa da equipe na definição de prioridades, com foco em metas e resultados, sendo uma das mais utilizadas pelas startups do Vale do Silício.

Quem usa: Google, Amazon, Linkedin, Twitter, Dropbox, Skype, Nubank.


Vapt-Vupt

Confira o significado dos principais termos do universo agile

BACKLOG: lista com todas as funcionalidades desejadas para o produto em desenvolvimento;

USER STORIES: itens do backlog que representam parte do produto a ser implementado, contendo uma descrição detalhada daquilo que vai ser concluído em um sprint;

SPRINT: pequena etapa, geralmente de algumas semanas, em que o squad desenvolve um ciclo de produção; 

SQUAD: equipe multidisciplinar, com em média seis pessoas, responsável pela execução do projeto;

RITUAIS: reuniões que marcam o início dos ciclos de produção, usadas para alinhar a equipe e apresentar a evolução do projeto;

PRODUCT OWNER (PO): membro da equipe responsável por decidir, ajustar e atualizar o backlog, além de fazer o elo entre os desenvolvedores e outros envolvidos no projeto;

BURNUP CHART: gráfico que representa a evolução do trabalho em direção ao produto final, dando visibilidade ao andamento do projeto;


Hierarquias e mercado

O caso da Algar não é isolado. As diretrizes dos métodos ágeis costumam gerar dois impactos evidentes dentro das organizações: uma mudança no perfil profissional buscado no mercado de trabalho e uma quebra nos níveis de hierarquia. O primeiro reflexo acontece porque o agile está desenhado para utilizar a cooperação como um pilar fundamental.

É o caso dos squads, que requerem profissionais mais flexíveis, com capacidade de comunicação e autonomia, entre outras habilidades comportamentais. São os chamados soft skills (habilidades leves, em tradução livre). O Fórum Econômico Mundial aponta dez competências que serão valorizadas na próxima década – e nove delas são socioemocionais. Senso de urgência, visão do todo, protagonismo e pensamento analítico integram a lista.

Já a quebra de hierarquias está ligada à estrutura horizontal dentro dos squads e à necessidade de rever o planejamento e tomar decisões constantemente e com mais rapidez. Não há como esperar, em um contexto VUCA, que as defnições dependam da anuência de cinco ou seis níveis de hierarquia. Isso vai no caminho contrário da dinâmica preconizada pela cultura ágil.

Um dos maiores problemas das empresas tradicionais, hoje, diz respeito à escalabilidade. “Se o time vier com uma ideia de inovação ou melhoria e quiser experimentar, vai precisar de uma autorização que pode travar no meio do caminho”, destaca Annelise Gripp, sócia da consultoria Integrare. Segundo ela, é preciso haver uma mudança de mindset para transformar a hierarquia e ter uma comunicação mais fluida.

Entretanto, é importante salientar que esse processo exige alinhamento para não ser confundido com um “faça o que quiser”. Como explica João Roncati, sócio fundador da consultoria People+Strategy, o ágil precisa de uma dinâmica horizontal que produza resultados conectados a estratégias globais. Assim, é possível ter o melhor da metodologia sem criar o caos dentro da organização.

Nesse sentido, tampouco signifca que o planejamento não seja mais necessário. “Há uma leitura errada de algumas empresas que dizem ter abandonado o planejamento para fazer o agile”, destaca Roncati. “Tudo que contribuir para a organização pode ser somado ao ambiente agile. O planejamento, assim, ganha ainda mais potência dentro desse contexto”, complementa.

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