No universo do marketing, há um tema que sempre rende polêmica: o rebranding. Quase sempre, as discussões são bastante polarizadas: há quem acredite que é preciso mudar tudo, enquanto outros defendem que as marcas nunca devem mudar. Não é à toa que isso acontece: quase sempre a forma como as pessoas pensam sobre as marcas envolve sentimentos, apegos, identidades e ideologias.
Faz sentido, mas marca não é uma questão arbitrária. Muito pelo contrário: tal como o jornalismo ou o direito, ela é uma ciência social aplicada (acho até que deveria ser transformada numa ciência econômica!), o que quer dizer que por trás de impressões há uma série de dados que precisam ser levados em consideração. E entender o que esses dados dizem, em uma abordagem científica, é mais do que importante na hora de pensar se uma empresa deve ou não fazer um rebranding. Spoiler: já vi muito rebranding motivado por troca de liderança de marketing ou porque o time queria liderar um projeto naquele momento.
Antes de propor um rebranding, é preciso pensar no significado do termo “marca”. Depois de muito estudar sobre o tema, construímos uma definição no Purple Metrics que acho que faz bastante sentido: “Marca é a forma como as pessoas percebem as empresas. Branding é construir essa percepção de forma estratégica”. Assim, toda empresa é dona de uma narrativa. É preciso entender o que essa narrativa quer dizer – e, se necessário, reconstruí-la de maneira estratégica.
Há três grandes cenários que justificam uma mudança de marca. O primeiro acontece quando a empresa evolui sua atuação e a marca não a representa mais – um movimento que é muito comum em startups. O caso mais recente é do Wellhub, que até outro dia se chamava Gympass, mas se tornou na pandemia muito mais do que “um passe para academias”. Foi uma mudança necessária porque o trabalho do marketing e de vendas já estava ficando confuso: como explicar que um “passe de academias” também tem terapia e apps de meditação? O caso do nome é extremo, mas esse cenário acontece também quando a marca não se reconhece mais em seu visual, posicionamento ou tom de voz.
Outro panorama comum acontece quando a categoria em que a empresa se situa muda. Um exemplo recente é o do Itaú, cujo mercado se transformou radicalmente nos últimos 10 anos com a chegada dos bancos digitais. Deixar o logo mais limpo, assegurar o poder do laranja e, principalmente, trazer sua credi
bilidade/segurança/tradição com o slogan “feito de futuro” são passos importantes na direção de mostrar que uma marca centenária segue se renovando, buscando não perder sua participação de mercado ou seu share of voice. No caso do Itaú, houve ainda uma reorganização do portfólio – um efeito borboleta de a categoria ter mudado e os clientes preferirem marcas que falam menos sobre status e mais sobre proximidade. Nunca é uma decisão simples.
Por fim, uma mudança também pode acontecer quando o mundo muda – como dizia Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Lembra da época em que todo comercial de cerveja tinha uma mulher seminua objetificada? É o tipo de propaganda que há 10 anos não faz mais sentido – e que, caso fosse feito atualmente, certamente geraria perda nas vendas e uma série de comentários contrários à marca nas redes sociais. Não é à toa que hoje, em vez de uma pelada de plantão, as cervejas preferem mostrar que são puro… malte.
Em tempos de cancelamentos e identidades, vale ainda dizer que não vale a pena mudar uma marca só para agregar “propósito” a ela, buscando se diferenciar da concorrência. Nem toda marca precisa de um propósito, até porque os consumidores esperam que as empresas cumpram suas promessas. Prometer um mundo melhor e não cumprir é algo que faz uma marca perder valor –- uma lição que qualquer político em época de campanha eleitoral sabe. Propósito é uma possibilidade que pode fazer sentido quando alinhada com o fundamento da empresa. Ele funciona para trazer resultado quando a empresa usa o propósito como elemento de diferenciação, lastreado na entrega do produto. (Ué, mas propósito é pra trazer resultado? Bom, aí a gente entraria em um debate mais profundo).
Fato é que branding é uma ferramenta para trazer resultados. Se não está funcionando, podemos pensar em rebranding. Se uma marca muda, é para trazer mudanças na receita, é para facilitar o trabalho do time de vendas, para modificar a experiência de um aplicativo. Algo aconteceu e, “não mais que de repente”, a marca não representa mais a empresa, não se encaixa mais no mundo de hoje ou não conversa mais com o consumidor. Aí sim, justifica-se a mudança. Para cada resultado diferente, há um dado que comprova porque essa mudança deve ou não ser feita.
O que muita gente esquece de colocar na conta é o risco do rebranding. Quando a mudança da marca elimina elementos distintivos que fazem o cliente reconhecer a empresa, o produto e sua oferta, temos destruição de valor. Só faz sentido mudar se esse valor não estiver trazendo resultado agora ou no futuro para a empresa. Então, antes de quebrar o vidro e soar o alarme de incêndio do rebranding, pense duas vezes e olhe as planilhas de novo. Talvez não esteja na hora de fazer um rebranding.