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A disrupção dos seguros passa por elas

Atentas a um novo perfil de consumo, startups levam agilidade, praticidade e competitividade ao mercado segurador por meio de soluções digitais inovadoras


Paulo César Teixeira
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por bem2030

A princípio, a palavra pode até soar estranha, mas a tendência é que se torne a cada dia mais familiar. Afinal, empresas baseadas em soluções tecnológicas tornam-se progressivamente mais visíveis nas estantes de produtos financeiros. No caso das insurtechs (ou insuretechs), o termo junta insurance (seguro) e technology (tecnologia) para nomear as startups que estão revolucionando de ponta a ponta a indústria de seguros. Um setor conservador por natureza, mas que já dá o braço a torcer.

Estimativas apontam que, desde 2010, foram investidos mais de US$ 50 bilhões em insurtechs em todo o mundo. Não é por acaso. Elas simplificam processos, maximizam resultados e geram benefícios para toda a cadeia. De um lado, fomentam e impulsionam a comercialização das apólices, potencializando o negócio das seguradoras como verdadeiras máquinas de venda. De outra parte, desburocratizam e facilitam o acesso à contratação por meio de smartphones ou computadores com extrema rapidez e agilidade. Assim, atendem à demanda de uma geração habituada ao comércio eletrônico e que deseja um mínimo de entrave na compra de produtos ou serviços.

“De modo geral, startups trazem em sua essência a vantagem de oferecer soluções inovadoras, mais simples e escaláveis para problemas comuns de grandes empresasa”, afirma Tânia Gomes, vice-presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). “No caso das insurtechs, elas conseguem aliar recursos como inteligência artificial, plataformas SaaS e blockchain para tornar o mercado de seguros mais eficiente e prático.”

Incipiente, mas promissor

As insurtechs ainda estão em fase de desenvolvimento, o que traz incertezas em termos de estatísticas. Entre os 44 setores mapeados pela ABStartups, elas aparecem em 33º lugar, com 48 empreendimentos. No entanto, em julho de 2018, um levantamento da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Câmara e-net) já havia contabilizado 78 insurtechs no país. Carlos Matta, sócio e líder da área de seguros da consultoria PwC Brasil, estima que, embora não haja um inventário preciso, é possível que haja até duas centenas de startups atuando hoje no contexto nacional.

Seja como for, a prova de que o braço tecnológico do setor de seguros (revelado em países como Estados Unidos, Inglaterra e Singapura) chegou para ficar é a inclusão de duas startups brasileiras – Minuto Seguros e Thinkseg – no ranking InsurTech 100, lista organizada pela FinTech Global com as empresas mais inovadoras do segmento em nível mundial. “Em 2016, quando ingressamos no mercado, seguradoras, distribuidores e prestadores de serviço não entendiam direito qual era o nosso papel, mas essa percepção mudou, principalmente a partir deste último ano”, explica André Gregori, CEO da Thinkseg.

Recentemente, a Thinkseg anunciou o lançamento do primeiro seguro pay-per-use (pague-pelo- uso) para automóveis no Brasil, sistema introduzido pela americana Metromile em 2011. “Existe pouca transparência sobre o que se paga no mercado de seguros, ao contrário do que acontece com as taxas de água, luz e gás, onde quem usa mais paga mais. Propomos que a pessoa só pague por aquilo que efetivamente utilizar. Nem mais, nem menos”, diz Gregori. A exemplo de assinaturas de streaming como Netflix e Spotify, o serviço pode ser interrompido a qualquer momento com um simples clique do usuário.

Como funciona? Após o cliente baixar o aplicativo e aderir ao plano da startup, um sistema de inteligência artificial passa a monitorar online a condução do veículo. O modelo estabelece uma assinatura fixa mensal acrescida de taxas que consideram não apenas a quilometragem percorrida, mas também o grau de periculosidade de locais e horários em que o carro circula e o modo como o condutor dirige. A projeção é de que o gasto mensal atinja R$ 90 para carros populares com motoristas que trafegam 300 quilômetros por mês de modo responsável, já considerando as taxas extras.

O próximo passo da Thinkseg é aplicar o pay-per-use para outras modalidades de seguro, como as de vida e saúde, a partir de 2020. No primeiro caso, o usuário poderá optar por estar protegido por períodos predeterminados, como durante um final de semana em que julgar estar em situação de risco. Para as apólices de saúde, por sua vez, os valores cobrados deverão levar em conta variáveis como hábitos saudáveis do segurado.

Em 2016, quando ingressamos no mercado, seguradoras, distribuidores e prestadores de serviço não entendiam direito qual era o nosso papel, mas essa percepção mudou, principalmente a partir deste último ano.”

André Gregori
———- CEO DA thinkseg ———

Sob demanda

Uma das características das insurtechs é abandonar os pacotes prontos baseados em critérios amplos e genéricos, que servem para determinar o perfil dos clientes. Para efeito de raciocínio, o CEO da Thinkseg sugere a hipótese de dois gêmeos que moram juntos e trabalham no mesmo prédio, mas que apresentam comportamentos opostos. Um deles é prudente ao dirigir, ao passo que o outro adota estilo intempestivo ao volante. “É justo que paguem o mesmo valor de seguro?”, questiona. Ele acrescenta que, no caso do automóvel, ao estabelecer preços diferenciados de acordo com a conduta do segurado, a insurtech desempenha papel educativo. Neste caso, o bolso é o melhor professor.

Outra vantagem das insurtechs é fomentar a diminuição de preços das apólices e, com isso, ampliar a base de segurados no Brasil. Já não é sem tempo: o país ocupa apenas a 41ª posição no ranking global de seguros. A participação do setor é de apenas 3,9% do PIB. Como efeito de comparação, na Inglaterra são 10%; nos Estados Unidos, cerca de 8%; na Espanha, 6%; e no Chile, 5,5%. Os dados mostram que há muito espaço para crescimento da venda de seguros em geral em solo brasileiro.

Atualmente, apenas 20% da população faz cobertura de automóvel. Se ampliarmos o critério para as apólices em geral, a percentagem não ultrapassa 10%. Sem dúvida, o fator renda contribui para isso, mas o baixo rendimento do mercado no país se deve também a uma cultura pouco difundida de comprar proteção. “Como o produto é caro, esse aspecto cultural se retroalimenta”, salienta Gregori.

Para baixar os preços, as startups contam com estruturas bem mais enxutas de gestão de custos, em comparação com as seguradoras tradicionais. Além disso, quanto mais gente compra apólices, mais o risco é pulverizado e, por consequência, o produto barateia. Para Gustavo Doria Filho, fundador do CQCS Insurtech & Inovação, principal evento do segmento tecnológico na área de seguros no Brasil, a tecnologia só faz sentido se melhorar a vida do consumidor. “O desafio das insurtechs é mexer com a cabeça do brasileiro para ele se dar conta de que a paz de espírito não tem preço. Essa é a grande disrupção que precisa acontecer.”

De olho na segurança

Se é verdade que a tecnologia facilita e agiliza a contratação de seguros, ela também precisa evoluir para garantir cada vez mais segurança aos processos. Os principais riscos para seguradoras, startups e consumidores são os ataques cibernéticos, que propiciam vazamento de dados sigilosos de clientes e empresas.

“Tudo que envolve informações pessoais e dados bancários, em especial, precisa ser protegido para evitar fraudes online”, adverte Carlos Matta, da PwC Brasil. Não por outra razão, a área de desenvolvimento tecnológico que cuida da agilidade de acesso aos produtos e a que trabalha com segurança digital devem andar juntas e irmanadas. Enquanto a primeira facilita a vida do consumidor, a segunda aprimora as tecnologias de proteção.

As insurtechs conseguem aliar recursos como inteligência artificial, plataformas SAAS e blockchain para tornar o mercado de seguros mais simples, eficiente e prático.”

Tânia gomes
———- vice-presidente da Abstartups ———-

Democratização do acesso

Para Marcelo Blay, CEO da Minuto Seguros, o modelo de negócio das startups é o mais habilitado a promover a inclusão financeira no setor. Fundada em 2011, a empresa tem como foco justamente o público que está fora do mercado. “Ainda hoje, dois terços dos nossos clientes nunca fizeram seguro antes, mostrando que a tecnologia consegue efetivamente chegar a essa população”, diz Blay. Para atrair os consumidores, a Minuto Seguros facilita a escolha do produto ao cotar preços e comparar planos de diferentes seguradoras, de acordo com o perfil de cada segurado.

“A vantagem é comparar laranja com laranja, isto é, modelos apropriados para aquela pessoa. Com isso, o cliente consegue fazer a melhor escolha para ele, e não a que beneficia mais o corretor ou a seguradora, evitando dor de cabeça lá na frente, caso precise do seguro”, afirma o CEO da Minuto Seguros. Além de apostar na transparência, o aplicativo da empresa “traduz” a terminologia técnica do ramo – que Blay classifica como “segurês” – para uma linguagem acessível e prática. “Em geral, as pessoas não entendem o jargão das seguradoras e, por isso, têm receio na hora de efetuar a contratação”, explica ele.

A cada dia, a participação das insurtechs se diversifica mais. A Pier, por exemplo, atua na proteção de celulares. Já a Segurize segue o conceito de economia colaborativa – por conta disso, é conhecida como a Uber dos seguros – ao disponibilizar uma plataforma online pela qual pessoas comuns (chamadas “segurizers”) podem indicar amigos e conhecidos como clientes às seguradoras, obtendo em troca renda adicional. A Planetun, por sua vez, desenvolveu em parceria com a IBM um sistema de inteligência artificial que permite ao segurado fotografar o carro com o próprio celular para vistoriar o veículo ou em caso de sinistro. O sistema analisa a qualidade das imagens e, em caso de erros, solicita que sejam refeitas. Com isso, acelera o processo de contratação ou utilização do seguro.

Diante do avanço das insurtechs, qual é a reação das grandes seguradoras? Para a maior parte dos analistas, como se trata de um caminho sem volta, cabe às empresas tradicionais adaptarem-se ao novo modelo. Caso contrário, elas terão que se restringir a um mercado que vai se estreitando. “O que tenho observado é que, além de investir cada vez mais em tecnologia e sistemas de informática, as seguradoras de grande porte estão chamando as insurtechs para trabalhar em parceria”, observa Carlos Matta, da PwC Brasil. É uma atitude inteligente. Afinal, não é vantagem desenvolver internamente soluções que as startups já trazem prontas.

Além de investir cada vez mais em tecnologia e sistemas de informática, as seguradoras de grande porte estão chamando as insurtechs para trabalhar em parcerias.”

Carlos Matta
———- sócio e líder na área de seguros da pwc brasil ———

Simbiose com as grandes marcas

Contudo, é possível que a harmonia entre os segmentos da indústria securitária sofra abalo quando as startups passarem a concorrer diretamente na comercialização das apólices. Por enquanto, isso não é possível, uma vez que a regulamentação da área de negócios é extremamente restritiva. Ela autoriza a venda de seguro apenas para empresas que comprovem a capacidade de assumir riscos dentro de parâmetros rigorosos, o que limita a atividade às companhias de grande porte.

Desse modo, para atuar no mercado como seguradoras, as insurtechs são obrigadas a fazer parceria com empresas tradicionais. A Thinkseg, por exemplo, juntou-se à Generali, gigante mundial com sede em Trieste, na Itália. “A Generali dá a cobertura regulatória do negócio, depois de discutir conosco os fatores atuariais do produto”, esclarece Gregori. No entanto, esse quadro está prestes a ser alterado.

No dia 1º de outubro de 2019, foi aberta pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia responsável pela fiscalização do setor, uma consulta pública para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental (também conhecido como sandbox regulatório) das insurtechs, o qual deverá entrar em vigor a partir de janeiro de 2020. “O objetivo é ampliar a cobertura de seguros no país com a diminuição dos preços dos produtos aos consumidores, estimulando a concorrência e a inovação por meio de uma experiência diferente para os segurados”, declarou, à época da consulta pública, Eduardo Fraga, diretor da Susep.

Blay, da Minuto Seguros, acredita que as normas que serão adotadas pela Susep deverão reduzir o volume de capital exigido para que as empresas possam atuar no mercado. Assim, solucionaria-se o maior entrave para o ingresso das startups na área de comercialização de produtos. “Essa medida vai trazer inovação e novos players para o mercado”, assegura.

Igualmente, André Gregori está convencido de que, a partir de 2020, as insurtechs não mais precisarão contar com o suporte de seguradoras tradicionais. “Digo com certeza que o regulador [Susep] está de olho nisso e vai possibilitar essa evolução”, afirma. Conforme ele, caiu por terra a premissa de que solidez financeira é o principal atributo de quem vende seguro. “Em vez disso, o usuário conectado quer saber se o aplicativo está bem ranqueado no Google e se a empresa por trás dele é reconhecida por seus investimentos tecnológicos.”

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