Monique Evelle é uma jovem de pulso firme e sorriso cativante. Mulher preta e “duplamente nordestina” – nascida e criada no bairro Nordeste de Amaralina, na periferia de Salvador (BA) –, ela parece ter apertado o botão de fast forward no controle remoto da vida e avançado rapidamente até o auge profissional. Com apenas 30 anos, já acumula títulos como empreendedora, investidora, palestrante, ativista, jornalista e escritora. Não é pouca coisa.
O rótulo de prodígio a acompanha desde a infância, quando era estimulada pelos pais – um porteiro e uma empregada doméstica – a consumir arte e cultura, a despeito de suas origens humildes. Ou quando era desafiada a se destacar entre colegas mais favorecidos financeiramente na escola particular que frequentou no Ensino Fundamental. Aos 16 anos, estreou no empreendedorismo ao criar o Desabafo Social, um projeto com foco em educação e comunicação em direitos humanos que hoje funciona como um laboratório de tecnologias sociais. Depois de se formar em Humanidades na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Monique foi convidada por Caco Barcellos a participar do Profissão Repórter, programa da TV Globo. Trabalhou lá entre 2016 e 2017. Hoje, segue na televisão. Mas em outro canal. Em 2023, estreou na Sony como uma das investidoras do Shark Tank, avaliando empreendedores com potencial para transformar suas operações e gerar mais impacto social e ambiental. Algo que, vale lembrar, ela fazia silenciosamente havia quatro anos, quando deu seus primeiros passos como investidora-anjo.
Em paralelo, Monique comanda desde 2020 a Inventivos – plataforma de formação de empreendedores. Criada ao lado do sócio e companheiro de vida, Lucas Santana, a iniciativa recebeu aporte do Black Founders Fund, fundo do Google For Startups. A soteropolitana acompanha, também, empresas nas quais investe. Várias delas integram o Hub Salvador, um ecossistema que conecta, acelera e potencializa negócios inovadores.
Na entrevista a seguir, ela fala mais sobre inovação, carreira, saúde mental, futuro e referências pessoais.
Empreendedora, investidora, palestrante, ativista, jornalista, escritora. É difícil definir Monique Evelle. Afinal, o que você é hoje?
Sou o resultado da crença de que é possível fazer negócios de outro jeito. Foi essa percepção que me levou a construir as minhas empresas e, intencionalmente, me conduziu a estar junto de outras iniciativas relevantes. Sou o ponto de encontro entre entender o problema e executar o que acredito como solução. A característica de ter realizado muito, ainda jovem, é porque enquanto mulher preta, do Nordeste duas vezes – do Nordeste brasileiro e do Nordeste de Amaralina, que é periferia de Salvador –, não há espaço para esperar. Eu entendi que precisava construir logo. Talvez um bom resumo sobre mim seja: sou executora daquilo que acredito. Desconfio que isso faz com que me leiam como inovadora.
Você vem da periferia, é filha de um porteiro e de uma doméstica. Mesmo com dificuldades, frequentou escola particular. Que lições você carrega do esforço feito por seus pais na busca por uma melhor condição?
Reconheço a realidade diferente que tive, de ser uma criança em contexto de poucos recursos financeiros, mas criada em uma família em que a educação foi prioridade. Quando não se nasce em uma família abastada, a busca pela sobrevivência faz o olhar de todos ao redor ser direcionado para as urgências – o que faz com que a educação seja entendida como uma aposta sem retorno. É quase como negociar entre ter comida hoje ou estudar. Mas meus pais entenderam como a educação funcionava para quem tinha essa oportunidade, e me ensinaram sobre observação, análise e investimento.
Em que momento você percebeu que tinha vocação para empreender? Quais eram suas referências nesse sentido?
Percebi muito cedo, aos 16 anos, quando criei meu primeiro negócio de impacto [o Desabafo Social, um laboratório de tecnologias sociais aplicadas à educação, comunicação e geração de renda]. Naquele momento, vi que era possível usar o empreendedorismo como ferramenta de transformação social. Comecei a entender que empreender não se limitava a abrir empresas ou gerar lucro, mas a construir soluções que pudessem impactar a sociedade de forma positiva. Apesar disso, tive muita resistência em verbalizar e me entender como empreendedora, porque nenhum evento trazia pessoas parecidas comigo para os palcos. Mas quando tive a oportunidade de conhecer pessoalmente a Eliane Dias, CEO da Boogie Naipe [produtora idealizada por Mano Brown e responsável pelos Racionais MCs], ela me apresentou na roda de amigos como empresária: ela, uma mulher negra e empresária, também. A chave mudou e não tive sofrimento para dizer que, sim, sou empresária.
O Desabafo Social foi um divisor de águas na sua trajetória. Como o projeto evoluiu até aqui?
Com o Desabafo, eu construí e reforcei uma rede que estava em busca de soluções que funcionam e geram impacto efetivo. Porque nem todo discurso ou crítica se torna uma prática com resultados mensuráveis. Então, propus entregar isso às marcas e iniciativas que se conectavam comigo. Tem a ver com “fazer negócio de outro jeito”, uma ideia na qual eu acredito. Tem a ver, também, com impacto baseado na mudança significativa e relevante em um contexto sendo sustentável. Porque sem o retorno financeiro se perde uma das condições mínimas de um trabalho, iniciativa ou profissional se manter em movimento.
Qual equação é preciso resolver para colocar numa mesma frase as expressões “ganhar dinheiro” e “mudar o mundo”? Quem fez ou faz isso e te inspira?
O mundo enfrenta problemas reais e urgentes que exigem soluções práticas e coletivas. No entanto, esses problemas não podem ser resolvidos apenas com discursos; é necessário que pessoas e empresas se mobilizem em diversas frentes para gerar impacto real. Mas uma solução só é verdadeiramente eficaz se aqueles que a propõem não estiverem também em situação de vulnerabilidade. A falta de recursos financeiros enfraquece tanto pessoas quanto iniciativas, colocando em risco a sua continuidade. A equação é simples: qualquer projeto de impacto positivo tem uma data de validade quando há fragilidade econômica envolvida. Por isso, sempre reforço a importância de criar oportunidades de solução que sejam também sustentáveis como negócios. Quando o impacto social anda lado a lado com a viabilidade financeira, conseguimos gerar mudanças profundas e duradouras.
Você participa do Conselho Consultivo da ONU, já foi destaque na Forbes Under30 e uma das 50 pessoas mais criativas do Brasil, segundo a Wired. Esse rótulo de prodígio lhe acompanha desde a infância, inclusive. O fato de haver uma alta expectativa em relação ao seu próximo passo incomoda?
Sempre esperam muito de mim, e isso é um peso também. Nós, mulheres negras, não temos a chance de errar. Eu cresci com medo do erro e mesmo com meus pais tentando tirar isso de mim, dizendo que está tudo bem errar, a escola não dizia isso, o trabalho não dizia isso, a universidade nunca disse isso. O mundo nunca disse isso. Então, tenho me permitido errar sem sofrer. Não quero que a minha existência seja um fardo. Tenho responsabilidades, claro, mas elas não podem ser um peso – e muito menos um peso criado pela expectativa externa.
Você participou de duas temporadas do Profissão Repórter, da Rede Globo, em 2017 e 2018. Que lições a Monique jornalista carrega para o dia a dia?
O jornalista aprende a observar para comunicar o que é de interesse público. Faço isso na vida e nos negócios. Minha rotina de estudos, atualizações e meus interesses me permitem enxergar oportunidades. Mas eu não invisto no que acho que deveria existir, e sim no que precisa existir para resolver problemas verdadeiramente incômodos. Em minha passagem pelo Profissão Repórter, Caco Barcellos uma vez reforçou que o melhor editor é aquele que sabe cortar. Isso quer dizer que nem tudo é relevante em dado momento, e olhar para tudo é também olhar para lugar nenhum. Essa leitura se aplica perfeitamente nos negócios, em posicionamentos de marca, em tomadas de decisão, por exemplo, e são aprendizados que eu trouxe do jornalismo.
Sua participação no Programa Shark Tank Brasil é uma oportunidade para dar mais visibilidade a negócios de impacto. Você percebe mais comprometimento nesse sentido por parte dos empreendedores?
Com certeza, minha entrada no Shark Tank Brasil é uma grande oportunidade de amplificar a visibilidade de negócios que geram impacto positivo. Mas nem todos os negócios que eu escolho já nasceram com essa proposta. O que realmente busco são empreendedores com potencial e disposição para transformar suas operações e gerar mais impacto social e ambiental. Por exemplo, quando investi na Dr. Mep, um negócio voltado para a democratização do acesso à saúde pet, através da telemedicina, vi o potencial de amplificar esse impacto com tecnologia e escala. A empresa já tinha uma solução inovadora, mas com o investimento certo e uma orientação estratégica conseguimos ampliar o alcance desse impacto e beneficiar ainda mais pessoas – até porque olhamos para regiões afastadas dos grandes centros urbanos e com valores acessíveis. Meu objetivo é justamente ajudar o empreendedores a enxergar essas oportunidades de transformação.
Como costuma ser o envolvimento de um shark com as empresas investidas?
Quando eu escolho investir em um negócio, é porque enxergo nele potenciais consistentes. Depois do programa, todas as empresas passam por uma diligência, que é o processo de entender os detalhes jurídicos, contabilidade, imagem, riscos etc. Mas antes mesmo da fase final de investigação, eu me envolvo nas estratégias do negócio. O acompanhamento de todas as investidas é realmente próximo.
Quais são os principais negócios e iniciativas em quais você está mais envolvida? ?
Nos últimos tempos, tenho feito um movimento forte para que tanto o Brasil quanto o mundo vejam Salvador como uma potência de inovação. Tenho me dedicado bastante a esse objetivo e ao acompanhamento das empresas do meu portfólio – Afrosaúde, Hotina, Dr. Mep, Inclusi e Creators, entre outras. Embora algumas dessas empresas não sejam de Salvador, elas fazem parte de um ecossistema que impulsiona a inovação. E é esse impacto que eu quero continuar amplificando. Salvador tem o potencial de se tornar um hub global de soluções inovadoras.
Como é sua rotina?
Tenho uma rotina bem dinâmica e equilibrada entre meus diferentes papéis. A parte da manhã é sempre reservada para a saúde física, mental e emocional. Esse equilíbrio é essencial para que eu possa continuar entregando o meu melhor em todas as áreas. Minha empresa Inventivos, parceira do Hub Salvador, centraliza muitas das iniciativas em que estou envolvida, inclusive as empresas nas quais investi – que também ficam no Hub Salvador. Dedico um dia da semana exclusivamente para acompanhá-las, dando feedbacks, fazendo ajustes e garantindo que tudo esteja alinhado. Nos demais dias, foco em minhas entregas como empresária e investidora. Além disso, tenho uma semana no mês que é mais intensa em viagens, seja para reuniões estratégicas, eventos ou palestras. de fato, você precisa de muito planejamento, organização e saúde física e mental para lidar com tantas frentes. Para mim, cuidar da saúde é um equilíbrio entre o físico, o mental, o espiritual e o emocional. Faço questão de dedicar minhas manhãs a essa parte essencial da minha rotina, o que inclui exercícios físicos, alimentação saudável e momentos de solitude – sim, tenho o hábito de estudar por pelo menos uma hora todos os dias. Costumo ler livros, assistir a documentários e explorar temas que não necessariamente têm relação com negócios e investimentos, mas que me ajudam de certa forma.
Você poderia citar exemplos?
Eu realmente gosto de aprender sobre pessoas. As histórias das pessoas se tornam combustível para mim. Duas das minhas referências favoritas incluem o livro LeBron, que é a biografia do maior jogador de basquete do século 21 [de Jeff Benedict, lançada em 2023], e Abstract: The Art of Design, documentário que aborda o processo criativo de grandes designers em diversas áreas – desde arquitetura até ilustração e design de produto.
Em relação aos próximos passos, Aonde você quer chegar?
Sempre planejei minha vida em décadas. Aos 16 anos, quando criei meu primeiro negócio, tracei o plano de ser reconhecida como empreendedora. Consegui isso ao longo dos anos e, aos 26, comecei a focar na minha construção como investidora, expandindo minha atuação para apoiar outros negócios. Ainda estou nessa década. E aqui destaco a criação da Inventivos, parceira do maior hub de inovação e empreendedorismo do Nordeste, que é o Hub Salvador. Em 2024, fiz minha segunda temporada do Shark Tank Brasil e, agora, junto com o Shark Tank Brasil: Versão Creators [spin off do programa da Sony voltado a criadores de conteúdo]. Agora, aos 30, estou numa fase de transição e planejamento. Me vejo, aos 36, atuando em três frentes: com universidades, poder público e setor privado. Minha intenção é conectar esses três mundos de maneira estratégica, para construir a realidade que quero viver, onde inovação e impacto positivo caminham juntos. Acredito que essa interseção seja o caminho para criar mudanças estruturais que beneficiem tanto a sociedade quanto os empreendedores, sempre com a visão de longo prazo.
Em sua opinião, o que é empreendedorismo e o que é trabalhar para sobreviver?
No Brasil, a formalização via MEI e PJ tem sido muitas vezes a única saída para quem quer continuar trabalhando num cenário econômico que precariza cada vez mais as relações de trabalho. Empreender é, antes de tudo, identificar uma oportunidade e criar soluções para problemas reais. Quando falamos de quem está no MEI ou como PJ para sobreviver, estamos tratando de questão de necessidade de renda diante de um mercado de trabalho que não oferece a segurança que essas pessoas precisavam. O que pode afastar o perfil de uma empresa financeiramente mais sólida de alguém que empreende por sobrevivência está no aspecto das oportunidades e do acesso ao conhecimento. É por isso que eu e Lucas Santana criamos a Inventivos, uma plataforma de formação, conexão e investimento em novos empreendedores: para tornar acessível essa informação sobre como conduzir um negócio. Mas o princípio de fazer funcionar, seja com a gambiarra ou com a tecnologia de inteligência artificial, é o ponto comum do empreendedorismo – independentemente do motivo que fez determinada pessoa começar. //