Resultado, resultado, resultado. Há pouco tempo, o CEO (Chief Executive Officer, na sigla em inglês) tinha o resultado financeiro de curto prazo como mantra. Não à toa, os profissionais da área de finanças ocupavam a “cadeira número 1” da maioria das empresas. Mas a pandemia de covid-19, a transformação digital, a crise climática e a luta por igualdade e diversidade – entre outros fatores que moldam a sociedade no século 21 – exigem mais do CEO. No lugar do perfil sisudo, afeito apenas aos números, entra um CEO dinâmico, no qual prevalecem as habilidades comportamentais de liderança.
Isso não significa que o crescimento das receitas perdeu importância. Acontece que a busca por resultados está alicerçada em novos valores e competências. Uma pesquisa da empresa de recrutamento Egon Zehnder mostra que os líderes estão cientes das exigências. O levantamento ouviu 972 CEOs globais para entender a metamorfose pela qual o cargo está passando. E 80% dos entrevistados disseram que precisam se transformar, assim como suas organizações, principalmente para serem mais adaptáveis ao cenário volátil em que vivemos.
Os Conselhos de Administração também estão atentos à conjuntura. Prova disso é a indicação, cada vez mais recorrente, de profissionais de outras áreas do alto escalão para a cadeira número 1. A passagem por diretorias de operação – como logística e compras, por exemplo – se tornou relevante para ascender ao posto, abrindo um leque de opções à diretoria financeira. O relatório CEO Insights, da Egon Zehnder, aponta para um aumento de prestígio dos chamados líderes de produto, especialmente pelas capacidades de definir prioridades, colaborar e ter uma visão de futuro.
Ao mesmo tempo, a explosão na quantidade de empresas de tecnologia e a propagação desta área dentro das empresas levanta uma questão: os diretores de TI também estão no páreo? Conforme uma pesquisa encomendada pela Lenovo, os CIOs (Chief Information Officers) enxergam suas responsabilidades se expandindo para áreas além da tecnologia, como análise de dados e relatórios de negócios (56%), sustentabilidade e ESG (45%), diversidade, equidade e inclusão (42%), aquisição de talentos (39%) e vendas e marketing (32%). No entanto, os CEOs oriundos da TI ainda costumam estar restritos às empresas do ramo, onde são seus fundadores e conhecem intimamente a atividade principal do negócio.
Nesse caso, muitos deles são formados em Engenharia. É o caso de Jeff Bezos, ex-Amazon; de Larry Page, do Google; e Enrique Lores, da Hewlett-Packard. A emergência desse perfil de CEO reflete nos rankings de desempenho do cargo, com os tradicionais MBAs dando lugar aos cursos de Engenharia. A lista dos 100 melhores CEOs da Harvard Business Review chegou a contar com 34 engenheiros de formação. No Brasil, uma pesquisa da consultoria Vila Nova Partners com 84 CEOs de empresas listadas na b3, a bolsa de valores brasileira, identificou que 46% possuem formação em Engenharia. Especialistas atribuem a presença marcante de engenheiros ao perfil estratégico e analítico, o que levaria à tomada de decisões mais objetivas e facilitaria a resolução de problemas, entre outros aspectos.
Entretanto, os recrutadores não enxergam a formação como o requisito mais importante. Longe disso. Em entrevista ao jornal The Washington Post, o ex-vice presidente da consultoria empresarial Korn Ferry, Steve Mader, cravou que o diploma nem é levado em conta. “No momento em que você seleciona um CEO, há questões mais relevantes para comparar e contrastar”, disse Mader. Entre elas, está o conhecimento do core business da empresa. Isso quando falamos de hard skills, pois, hoje, o que faz a diferença mesmo são as habilidades interpessoais.
“Ninguém é líder de tecnologia, operações ou marketing. Somos líderes de pessoas”, explica a fundadora e CEO da Learn to Fly, Flávia Faugeres. Ele fala com a autoridade de quem trabalhou por mais de 25 anos no mundo corporativo. Foi CEO Brasil da BRF Global e Global CMO da Burger King Corp antes de criar a Learn to Fly, uma startup de psicologia e educação que ensina técnicas socioemocionais por meio de ferramentas de mentoria, aprendizado de comportamento automático e autoconhecimento. “Liderança é uma competência social. Tecnicamente, trata-se de influenciar as pessoas com suas ideias e, sobretudo, coordenar todos para um bem comum”, afirma.
NOVA LIDERANÇA
No Brasil, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas são familiares e empregam 75% da mão de obra. Entretanto, o Banco Mundial estima que apenas 30% delas chegam à terceira geração – e apenas a metade (15%) sobrevive a essa etapa. A baixa longevidade está associada, entre outros fatores, ao perfil dos seus presidentes. É normal que eles concentrem poder, desfavorecendo a diversidade e a inclusão, o desenvolvimento de líderes e a adoção de processos de gestão fundamentais para a saúde do negócio.
Nesse cenário, Guilherme Abdala, que é sócio e headhunter da Evermonte, uma empresa especializada no recrutamento de executivos, enxerga uma demanda cada vez maior por CEOs com habilidades de governança corporativa. Ou seja, líderes capazes de estruturar processos de gestão que garantam uma atuação ética e responsável da empresa no longo prazo. “Está mudando o que se espera de um CEO. Os resultados de curto prazo vão pagar as contas, e é preciso garantir isso. Mas o que está prevalecendo é ter uma visão de futuro mais aprimorada”, afirma Abdala.
Para Maria Sartori, diretora associada da consultoria de recrutamento Robert Half, a visão de futuro é pressionada por temas como a ESG (sigla em inglês para as práticas ambientais, sociais e de
governança). “Muitas definições de investimento, por exemplo, dependem do quanto as empresas estão avançadas em ESG”, explica Sartori. “Do ponto de vista social, isso tem paralelo com questões de diversidade e inclusão. Há uma demanda crescente por CEOs que encarem esses temas com a seriedade que ele merece, a ponto de impactar na estrutura da empresa”, completa.
A pressão é externa e interna à companhia. A entrada da geração Z no mercado de trabalho, por exemplo, mexe nesta conta. Afinal, ela trouxe uma visão de propósito que está se espalhando entre os profissionais. Uma pesquisa global sobre esperanças e medos da força de trabalho, realizada pela PwC com mais de 52 mil pessoas em 44 países, incluindo o Brasil, mostra que trabalho não é mais sinônimo de renda, apenas. Embora a remuneração justa (71%) seja o fator mais importante para considerar uma mudança de emprego, logo atrás aparecem três fatores ligados à busca por propósito: o trabalho ser gratificante (69%), poder ser você mesmo (66%) e contar com a solidariedade da equipe (60%). Além disso, mais da metade considera importante que a empresa seja transparente sobre o seu impacto no meio ambiente (53%) e na economia (60%) e sobre seus esforços de diversidade e inclusão (54%).
“Os colaboradores têm, hoje, uma visão mais complexa do trabalho, buscando um lugar para serem felizes. É muito importante a capacidade do CEO construir uma narrativa que seja sedutora, que venda propósito para mobilizar os times em torno de um ideal comum”, diz Sartori. Nas palavras de Abdala, da Evermonte, o CEO precisa se tornar um “embaixador do propósito” da empresa junto à mídia, ao mercado e aos colaboradores para conseguir atrair e reter talentos. “Isso passa a ser uma responsabilidade do CEO devido ao momento do mercado de trabalho”, diz.
Nesse sentido, entre as habilidades comportamentais de liderança mais esperadas para o CEO do amanhã estão a capacidade política para construir decisões com colaboradores de todas as áreas da empresa, com o Conselho de Administração e com os clientes. Tudo para comunicar e alinhar os times em direção a uma visão de futuro comum – e com propósito, é claro. Além disso, adaptabilidade é fundamental para lidar com um ambiente em constante transformação. Mesmo com a tecnologia como aceleradora de algumas destas transformações, habilidades na área não são um diferencial. O que importa mesmo é saber incorporar a tecnologia aos objetivos de longo prazo para manter a competitividade da empresa.
No livro The journey of leadership: how CEOs can learn to lead from the inside out (A jornada da liderança: como CEOs podem aprender a liderar de dentro para fora, em tradução livre), lançado recentemente, os sócios da consultoria McKinsey Hans-Werner Kaas e Ramesh Srinivasan defendem que o CEO reflita sobre o seu propósito, sua identidade e seu posicionamento para, então, inspirar a equipe e a instituição que comanda. Para isso, sugerem que o CEO examine de perto suas vulnerabilidades para entrar em uma trajetória de autodesenvolvimento até uma liderança eficaz e centrada no ser humano. Foi o que Flávia Faugeres fez. É fácil encontrar entrevistas suas admitindo o período à frente da BRF como um “fracasso”. Assumir suas falhas e incompatibilidades com determinado ambiente – atitude estigmatizada entre líderes – foi o que abriu caminho para seu autoconhecimento.
Hoje na Learn to Fly, Faugeres quer abrir esse caminho para mais executivos. Ela vê as competências cognitivas como foco ou resolução de problemas como uma boa fundação para a experiência profissional. Mas que não basta a partir de um certo nível de senioridade, o que inclui os CEOs. A partir daí, o que diferencia o CEO do amanhã de seus pares que também são talentos profissionais? A capacidade de somar a isso certas capacidades como comunicação, confiabilidade e resiliência. “A tomada de decisões, por exemplo, não é uma capacidade meramente cognitiva. Quantas pessoas conhecemos que conseguem pôr todos os dados numa planilha, mas não conseguem decidir entre um tomate e uma cebola? Sabe por quê? Porque fazer uma planilha é cognitivo, mas decidir implica em risco é emocional”, diz Faugeres. “É dessa mistura entre estas competências cognitivas, sociais e emocionais que surge a alta performance.”
UMA RAZÃO NO HORIZONTE
Especialistas ouvidos pela reportagem de 20/30 são unânimes: o que o CEO mais precisa são habilidades que unam os times em direção a um propósito comum no longo prazo.
“Liderança é uma competência social. Tecnicamente, trata-se de influenciar as pessoas com suas ideias e, sobretudo, coordenar todos para um bem comum.”
FLÁVIA FAUGERES,
CEO DA LEARN TO FLY
“Os resultados de curto prazo vão pagar as contas, e é preciso garantir isso. Mas o que está prevalecendo na escolha do CEO é ter uma visão de futuro mais aprimorada.”
GUILHERME ABDALA,
SÓCIO E HEADHUNTER DA EVERMONTE
“É muito importante a capacidade do CEO em construir uma narrativa que seja sedutora, que venda propósito para mobilizar os times em torno de um ideal.”
MARIA SARTORI, DIRETORA ASSOCIADA DA ROBERT HALF