Home PessoasCapital Humano Os riscos da fadiga mental no mundo corporativo

Os riscos da fadiga mental no mundo corporativo


Paulo César Teixeira
0
por obile

De uns tempos para cá, crescem as evidências de que as pessoas estão cada vez mais extenuadas no trabalho. Nos Estados Unidos, 15% da força laboral se diz vítima de esgotamento profissional – 20% a mais do que em 2020. É o que se convencionou chamar de Síndrome de Burnout – em inglês, “queimar-se por completo”.

As causas da exaustão não se limitam a questões de trabalho, como assédio moral, cobranças indevidas ou metas inatingíveis. Num mundo conectado, incluem também a vida privada, seja por meio de jornadas que se estendem com mensagens de e-mail e WhatsApp, ou das exigências que a própria pessoa estabelece para si.

“A pressão é constante e muita gente não está dando conta. Isso vale do estagiário ao presidente, contratados no modelo CLT ou como pessoa jurídica, estatutário ou qualquer outro”, diz David Braga, CEO da consultoria Prime Talent Executive Search.

Em 2010, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han havia apontado a exaustão como uma “forma de existir” em A Sociedade do Cansaço, livro em que denuncia a “violência da positividade”. Conforme ele, a sensação de fadiga mental e esgotamento físico é consequência de situações de trabalho desgastantes, que demandam excesso de competitividade ou responsabilidade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a Síndrome de Burnout como um fenômeno ocupacional de elevado potencial de danos, a ponto de se transformar em problema grave de saúde. Não é coincidência que, diferente da tradução para o português, na edição inglesa o título da obra de Han é A Sociedade do Burnout.

“Se, para os profissionais, os danos à saúde são inquestionáveis, para o empregador a conta também é gigantesca. Quando caem os indicadores de engajamento do time, cai também o faturamento, impactando diretamente o negócio”, diz Braga.

Nervos à flor da pele

Se é verdade que o burnout adoece, sintomas como apatia, irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia e dores musculares podem ser um alerta. O corpo dá sinais de baixa imunidade, e é preciso interpretá-los antes que o cansaço se transforme em algo mais grave.

Por aqui, nervos à flor da pele não constituem novidade. O Brasil é o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população diagnosticada com o transtorno mental, à frente de Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%), de acordo com a OMS. Detalhe: após a pandemia, esse cenário só piorou.

A Docway, empresa especializada em saúde digital, constatou um crescimento das consultas de psiquiatria e psicologia no país em 2022, na comparação com o ano anterior, da ordem de inacreditáveis 1.290%. Conforme o levantamento, foi registrada no período uma elevação de 36,5% dos diagnósticos de pacientes com transtornos de ansiedade.

Sem tratamento adequado, a ansiedade pode desencadear depressão, doença que atinge cerca de 300 milhões de pessoas em escala mundial. Neste quesito, também figuramos no topo das estatísticas. Um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Chile, de outubro de 2023, mostrou que 8,11% dos brasileiros sofrem de depressão, enquanto a média na América Latina é de 5,3%.

É provável que as pesquisas estejam contaminadas pela covid-19, que deixou o mundo em estado de choque, aumentando em 25% a incidência de ansiedade e depressão ao redor do planeta. Mas é um engano crer que a crise sanitária tenha sido a única responsável pela explosão dos indicadores.

Se retornarmos a 2010, ano de lançamento de A Sociedade do Cansaço, os custos do sofrimento mental à época atingiam a soma de US$ 2,5 trilhões em termos globais. A previsão é a de que em 2030 cheguem a US$ 6 trilhões, projeta Carla Furtado, fundadora e diretora-executiva do Instituto Feliciência, centro de formação corporativa nas áreas de bem-estar e saúde mental. “A pandemia apenas agravou uma situação de estresse crônico, que já existia antes e da qual muitos de nós ainda não saímos.”

Leia mais:

A fadiga mental – e a onda de demissões

Se a preocupação com a Síndrome de Burnout já existia nas relações de trabalho, não parece haver dúvidas de que a situação ganhou status de urgência após a pandemia, com a chamada Great Resignation – ou “grande renúncia”, em tradução livre. Trata-se da onda de demissões voluntárias que varreu o mundo corporativo a partir de 2021. Apenas nos EUA, 39 milhões de trabalhadores pediram as contas naquele ano. Na Alemanha, calcula-se que 6% tenham solicitado dispensa. No Brasil, embora o desemprego seja um fantasma que assombre 12 milhões de pessoas, um terço das demissões têm sido voluntárias, segundo estudo da LCA Consultores.

Quem são esses trabalhadores que abrem mão de posições estáveis no mercado de trabalho, mesmo diante de um quadro de incertezas da economia? De acordo com relatório encomendado pela Harvard Business Review, são principalmente as pessoas entre 30 a 45 anos, conhecidas como millennials.

Nesta faixa etária, as demissões aumentaram em mais de 20% entre 2020 e 2021 mundo afora. No Brasil, 36% dos millennials planejam sair de seus empregos em curto ou médio prazo, segundo a Deloitte.

Afora a onda de demissões, o que também preocupa é a diminuição dos indicadores de engajamento. A pesquisa anual da Gallup sobre o tema mostrou que, em 2023, apenas 31% das pessoas empregadas nos EUA estavam engajadas, o que significa que dois terços apenas cumprem tabela em suas empresas. O levantamento expõe que, em nível global, de 51% a 59% estão com um olho nos afazeres do cargo e outro no mercado, à espera de oportunidade de trocar de emprego.

No recorte brasileiro, o percentual é de 54%. “Ainda que muitas não adotem atitudes concretas para efetivar a mudança, essas pessoas estão desengajadas e desconectadas em seus locais de trabalho”, diz Carla.

Coerência de discurso e prática

Conforme os analistas, a esperança de que ocorra uma alteração qualitativa das relações profissionais é a entrada em cena da geração Z, formada por jovens que ainda estavam na faculdade no período de isolamento social e não experimentaram o que era o mundo do trabalho pré-pandemia.

“Hoje, não é apenas a empresa que escolhe o colaborador – ele também escolhe a organização. Por isso, ela precisa ser atrativa e cuidar das pessoas, se não quiser perder talentos”, observa Braga.

Até 2030, espera-se uma escassez global de talentos de mais de 85 milhões de pessoas. Buscar inspiração nessa nova geração – e adotar atitudes que atendam às suas perspectivas – é o que poderá assegurar às empresas maior capacidade de retenção dos profissionais que fazem a diferença. Para isso, é preciso compreender o perfil dos jovens trabalhadores.

Se o impulso de abandonar posições estáveis no mercado de trabalho contagiou os millennials, esse comportamento de desapego é ainda mais acentuado na geração Z. São funcionários que não abrem mão do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. E se for o caso de colocar na balança, é provável que optem pela saúde mental em detrimento das metas corporativas.

Uma oferta robusta e generosa de benefícios, com folgas e acesso a programas de apoio, é um bom começo para conquistar a geração Z. Para quem já nasceu em um mundo digitalizado, não surpreende que esse mimo tenha que vir embalado num pacote de soluções virtuais bem construído.

Uma consulta feita nos EUA pela Alight Solutions, voltada a benefícios corporativos, mostra que só metade da geração Z considera que os aplicativos de benefícios das companhias ofereçam uma experiência tão gratificante quanto à dos apps utilizados fora do trabalho.

Mas isso é apenas o começo, e não representa os pontos prioritários da pauta de reivindicações. O que essa geração busca, em essência, é que o trabalho faça sentido, o que se traduz na cobrança de coerência entre discurso e ação das organizações. “Em outras palavras, os jovens têm pouca tolerância para narrativas vazias”, diz Carla.

Novidade no dicionário: ecoansiedade

Existe, ainda, uma impaciência que se manifesta em temas como meio ambiente, inclusão e diversidade – itens relacionados ao conceito ESG, que trata de sustentabilidade ambiental, equidade social e transparência. A pauta ganha cada vez mais protagonismo também entre os investidores.

“A esperança vem do mercado financeiro – quando pesa no bolso, as mudanças acontecem mais rapidamente. Temos que fazer entregas, alcançar resultados sem esgotar as pessoas. Esse é o desafio”, afirma a diretora-executiva do Instituto Feliciência.

No caso da preservação dos recursos naturais, o comportamento da geração Z chegou a suscitar a criação de um novo termo: ecoansiedade, que denota as sequelas psicológicas derivadas do agravamento de fenômenos como a crise climática.

Na definição da American Psychology Association, é “o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental, que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas, gerando uma preocupação associada ao futuro de si mesmo e das gerações futuras”.

Ainda que todos tenham noção dos riscos ambientais, a percepção é mais aguda na geração Z porque é ela que deverá viver as maiores consequências do desequilíbrio ambiental.  Há quem despreze os sinais dos novos tempos, mas em 2030 a geração Z representará de 60% a 70% da força de trabalho. “A gente é que precisa se atualizar”, acentua ela.

Para que essa atualização se confirme, uma mudança de atitude é imprescindível. Isso passa pela percepção de que bordões como “vestir a camisa da empresa” devem ser deixados para trás. “Isso se falava há 30 anos. O que traz resultados é mudar a forma de pensar e agir, ou então estaremos maquiando a realidade com jornadas de felicidade e workshops para a promoção do bem-estar”, diz Carla.

Para que a alteração de paradigma se transforme em valor estratégico, é preciso jogar luz nos conselhos de administração. Assim, será possível cobrar da alta direção das organizações a criação de ambientes que não sejam tóxicos. “As companhias que planejam ter um diferencial estratégico precisam refletir sobre as boas práticas de gestão de pessoas e as políticas de qualidade de vida para toda a sua estrutura. Está mais do que comprovado que, em ambientes felizes, todos somos mais produtivos e criativos”, conclui David Braga. //

Relacionados

O portal Bem 2030 utiliza a tecnologia de cookies para coletar seus dados de navegação.
Isso nos ajuda no processo de melhoria da experiência online do usuário, garantindo uma maior personalização do conteúdo e dos anúncios publicitários. Estou ciente

Privacidade