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O horizonte é alfa

A Geração Alfa recém começa a entrar na adolescência, mas suas características já anunciam a próxima transformação que o mercado de trabalho irá viver. Entenda como se preparar para receber os profissionais do futuro


Larissa Pessi
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por obile
Geração alfa

Jogador de futebol, bailarina, bombeiro, professora: você se lembra qual era a profissão dos seus sonhos na infância? Na certa, eram planos bem mais analógicos do que os da meninada de hoje em dia. Cerca de 30% das crianças entre 8 e 12 anos querem ser youtubers quando crescerem. O dado é de um estudo feito pela consultoria Harris Poll em países como EUA, China e Reino Unido. No Brasil, o destaque vai para os e-sports, especialmente em comunidades de menor poder aquisitivo. Um levantamento da Locomotiva Pesquisas, em parceria com o Data Favela, mostrou que ser um gamer profissional é o principal sonho de 29% das crianças abaixo de 15 anos. Entretanto, essa garotada ainda não sabe que o futuro pode lhes reservar não uma, mas inúmeras carreiras. 

A multiplicidade de experiências profissionais deve ser uma das marcas da Geração Alfa, que inclui crianças nascidas entre 2010 e 2024. Ao longo da vida, elas tendem a se movimentar por até seis carreiras separadas, passando por mais de 18 empregadores. Uma migração que deve acontecer, em média, a cada três cargos ascendidos. A estimativa é do demógrafo e futurista australiano Mark McCrindle, uma referência global sobre os alfas. Foi ele quem vislumbrou o surgimento dessa nova geração e a batizou, por volta de 2008. “Os alfas desejam ter uma experiência mais ampla. Serão generalistas ao invés de especialistas. Com eles, as atuais carreiras lineares passarão a ser uma escala atravessada, horizontal, diagonal”, projeta. Ou seja, os alfas devem ressignificar o conceito de turnover e converter os planos de ascensão em Y num verdadeiro asterisco.  

Em 2025, os alfas irão somar 2,2 bilhões de pessoas. Cerca de 11% dos postos de trabalho serão ocupados por eles até 2030, segundo o Instituto McCrindle, liderado por Mark. As pistas de como será essa força de trabalho estão no comportamento das crianças – moldado pelo uso de telas para interações sociais e estudos. Outros indícios vêm do atual contexto do mercado, chacoalhado pela covid-19 e pela urgência de valores e de bem-estar.  

Herdeiros da insurreição 

A pandemia fortaleceu pleitos que já vinham ganhando atenção com a Geração Z. O principal deles é a busca por propósito e qualidade de vida. Longos e árduos expedientes que privam a vida familiar não devem integrar a trajetória dos trabalhadores do futuro. É um desenrolar previsto a partir de fenômenos como a Grande Renúncia e o quiet quitting (saída silenciosa, em livre tradução). Ambos se relacionam com as ondas de pedidos de demissão que tiveram um boom nos EUA e na Europa a partir de 2020. Por aqui, não é diferente. Entre julho de 2021 e julho de 2022, o Brasil registrou cerca de 6,5 milhões de pedidos de demissão. Um recorde histórico, segundo levantamento da LCA Consultores com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). 

Outro elemento que irá lastrear a ascensão dos alfas é o trabalho híbrido. Um estudo de 2022, feito pela IDC Brasil, revelou que 56% dos brasileiros já atuam nesse modelo. Mais do que isso: é um item quase tão importante quanto o salário. Cerca de 36% dos entrevistados colocaram essa condição como essencial na hora de aceitar uma vaga. O pacote de remuneração e benefícios ficou com 38%. Isto é, a Geração Alfa vai crescer convivendo com o home office e sabendo que cair fora de um emprego não é o fim do mundo. 

Fatores assim são ainda mais impactantes na área de tecnologia – que depende do novo capital humano para vencer seus desafios. Hoje, não há mão de obra para atender à crescente demanda. Em 2025, por exemplo, o Brasil terá um gap de 530 mil vagas em TI. O cálculo é da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom). Embora sejam organicamente digitais, os jovens não pensam em atuar na parte técnica. Um estudo com cerca de 240 mil adolescentes americanos, realizado pela YouScience em 2021, apontou que os entrevistados possuíam aptidão duas vezes maior do que o interesse por trabalhos na área de TI.  

A escassez de candidatos tem levado empresas a privilegiarem a prática à formação acadêmica na hora de contratar. “Não chega a ser uma tendência replicada no mercado como um todo”, explica Leonardo Berto, branch manager da consultoria de RH Robert Half. E é saudável que não se torne uma regra, pois os alfas devem estudar muito. E durante a vida inteira. 

Os desafios na educação 

A tendência é que a Geração Alfa dedique mais tempo à sua formação – deixando carreira e família para mais tarde. “Eles estão crescendo em um cenário com mais classe média. Seus pais trabalharam duro e, muitas vezes, não tiveram como ir para a universidade. Agora, podem apoiar os filhos nesse sentido”, afirma McCrindle. Ainda assim, as instituições de ensino superior não serão a única alternativa dos alfas.  

A próxima geração tende a diversificar os caminhos de aprendizagem, até por ser autodidata e acostumada ao ensino online e assíncrono. A capacitação nas empresas terá um papel importante, por meio de especialização e requalificação e do desenvolvimento de novas habilidades. Também é benéfico não apenas ensinar conteúdo, mas como aprender. Uma das possíveis formas de reter alfas é diversificar oportunidades de conhecimento e de experiências, permitindo uma maior multiplicidade de trilhas.  

Aqui, a diversidade de gerações pode ser um trunfo. É o que aconselha Samantha Dorabiato, coordenadora do pós de Pedagogia da Univale (PR). “As pessoas podem ir moldando-se à formação desejada pela empresa. Para isso, é preciso aplicar um compliance alinhado ao respeito pelo passado”. Samantha explica que isso inclui uma sinergia entre todo o espectro geracional: “É algo representado pela experiência de um baby boomer, unido ao entendimento dos avanços trazidos pelas gerações X, Y e Z e pelas afinidades tecnológicas e a visão criativa dos alfas”. Lideranças que compreenderem esse contexto e aprenderem a equilibrar divergências e convergências exercerão um papel essencial no direcionamento dos alfas. 

Ensina-me a viver 

Nesse sentido, escolas e empresas terão um desafio específico no que tange a um dos flancos dos alfas: as soft skills. A intensa vida online pode atrasar o desenvolvimento de conexões e de capacidades como comunicação, resiliência e resolução de conflitos. São competências relacionadas à maturidade e ao controle emocional. A jornada para contornar esse eventual traço de personalidade e transformar os alfas em bons profissionais passa por novas abordagens educacionais, focadas em transdisciplinaridade e metodologias ativas. Mas não se preocupe: eles já vieram com o software da sociabilidade instalado. “Eles estão programados para serem sociais e terem conexões físicas com outras pessoas. Olhar nos olhos, apertar as mãos e abraçar continuam sendo experiências permanentes”, diz McCrindle.  

Por fim, a ansiedade pela ascensão rápida, já notada na Geração Z, pode se acentuar com os alfas, acostumados a resolver tudo com meio clique. “A maior preocupação tem sido a resiliência no sentido de entender que o desenvolvimento de carreira é mais rápido que o de uma empresa”, reflete Berto. Afinal, a vida real é um pouco mais lenta do que no videogame.  

Marcha das diferenças 

Cada geração é caracterizada por comportamentos, crenças e valores específicos, influenciados pelo contexto em que surgiram e se desenvolveram: 

  • Baby Boomers (1945-1964): Filhos do pós-guerra. Idealistas e revolucionários. No mercado, entretanto, dedicam-se à construção de patrimônio e de uma carreira sólida, frequentemente trabalhando em uma mesma empresa durante toda a vida ativa; 
  • Geração X (1965-1979): Materialistas, meritocratas, competitivos e individualistas. Dão valor ao status. Também gostam de ter vida longa na mesma empresa e são considerados para cargos de liderança por serem mais responsáveis; 
  • Xennials (1977-1983): A primeira das gerações intermediárias. São a ponte entre os X e os millenials, guardando características de ambas. Foram crianças analógicas e tornaram-se adultos digitais. Isso permite que entendam a transformação ocorrida ao longo das últimas décadas; 
  • Geração Y (1980-1994): Desbravadores da internet e pais dos alfas. Colaborativos, inovadores e questionadores. Valorizam mais a experiência do que os bens materiais. Também buscam empregos que equilibrem a satisfação pessoal e a remuneração. Gostam de receber instruções claras e feedbacks; 
  • Zennials (1992-1998): Outra microgeração que acompanhou uma mudança entre costumes. O ponto de virada dos zennials é a crise econômica de 2008, sentida mais fortemente nos EUA e na Europa. Eles foram os primeiros a popularizar o ativismo de rede social; 
  • Geração Z (1995-2009): Os nativos digitais são a geração da inclusão e da diversidade. Vivem entre a busca pelo propósito e a estabilidade. Pragmáticos, multitarefas, empáticos, criativos e autodidatas. Preferem o consumo ético, com respeito à natureza e a quem gera os produtos; 
  • Geração C (2019-2030): Nova geração intermediária. Nasceram confinados ou no mundo pós-covid. Entretanto, há especialistas que consideram os C não como uma faixa etária, mas sim um grupo cuja mentalidade foi moldada pela pandemia. Ou seja, uma geração transversal. 

Destinos em aberto 

É provável que nem todos os alfas consigam se dar bem como youtubers ou gamers. Mas o mercado terá outras oportunidades. Uma delas é a inovação financeira, a partir das demandas criadas por modelos vindos do DeFi. O próprio metaverso tende a abrir vagas relacionadas a IA, realidade virtual, arquitetura digital e cibersegurança. Também existirão oportunidades em gerência de bem-estar, agricultura urbana e turismo espacial. “A briga dos grandes e-commerces é para ver quem entrega em menos de 24 horas. Então, a logística também terá muito espaço”, destaca Berto, da Robert Half. 

Outra propensão dos alfas é o freelancing. Cerca de 86% dos estudantes esperam ser profissionais autônomos, seja empreendendo ou tendo trabalhos paralelos, aponta McCrindle. Eles também poderão optar por apostar em plataformas digitais como fonte de renda. Tanta tecnologia, entretanto, também tem um lado ruim. No livro A Fábrica de Cretinos Digitais, o neurocientista francês Michel Desmurget aponta que pesquisas indicam redução de QI nas atuais gerações em comparação com as anteriores. O fenômeno é creditado à exposição às telas, embora ainda seja preciso ir mais a fundo. 

Pioneiros do novo mundo 

Alfa é a primeira letra do alfabeto grego. O nome foi escolhido por Mark McCrindle a partir de uma pesquisa que questionava como deveria se chamar a geração posterior à Z. A vencedora foi a opção Geração A, por se tratar da primeira a nascer inteiramente no novo milênio. Entretanto, McCrindle preferiu utilizar o similar grego em vez de retornar ao início do alfabeto. O termo surge no livro Beyond Z: Meet Generation Alpha (Além do Z: Conheça a Geração Alfa, em livre tradução), inédito no Brasil. 

Por onde andam 

A Geração Alfa passa boa parte do tempo imersa em telas. Mas o que eles fazem lá? Confira os principais destinos da garotada: 

  • Roblox: um dos metaversos mais populares, o Roblox permite ao usuário criar regras, ambientações e personagens dos próprios jogos. Tem mais de 8 milhões de desenvolvedores ativos. Cerca de 54% dos players possuem menos de 13 anos. 
  • Subway Surfer: com mais de 3 bilhões de downloads, o game já foi apontado como o mais baixado da década de 2010. Mas o auge da popularidade veio em 2022. É inspirado nos surfistas urbanos, que usam trens e ônibus em vez de ondas. 
  • Tik Tok: em setembro de 2022, o app bateu a marca de 1 bilhão de usuários diários. Cerca de 27% deles têm até 17 anos. A rede social também é a preferida dos brasileiros entre 9 e 17 anos (34%), um pouco à frente do Instagram (33%). 

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