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5G: a nova eletricidade

Aos poucos, as redes de telefonia móvel de quinta geração ganham espaço mundo afora. Entenda como e por que essa tecnologia tem tudo para mudar completamente o conceito de varejo


Luiza Piffero
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por bem2030

Revolução é uma palavra usada sempre que disrupções despontam no mercado. E esse clichê se aplica à transformação que a tecnologia 5G poderá protagonizar no varejo. Imagine uma loja de roupas completamente integrada à web. Ela tem espelhos de LED capazes de projetar hologramas dos clientes. E produtos com etiquetas e sensores conectados a um banco de dados.

Digamos que alguém experimente um tênis. Esse cliente autoriza o acesso às suas redes sociais, e o algoritmo da loja mapeia suas preferências. A plataforma irá escolher combinações para aquele calçado alinhadas ao estilo do consumidor. Pode ser um vestido descolado, com a estampa de uma banda da sua playlist. Ou a camiseta do seu time de futebol. O holograma vai mostrando esse mix de opções dentro do provador. E o cliente talvez nem precise tirar a roupa.

Os expositores e o estoque também se comunicam. Quando um produto está próximo de se esgotar, o sistema emite um alerta aos vendedores. Caso a peça esteja saindo num ritmo mais rápido do que o esperado, um novo pedido ao fornecedor é encaminhado para aprovação do setor de compras. Ele pode enviar a remessa para a loja ou diretamente ao comprador. Em modelos assim, muitos PDVs deixarão de ter estoques e irão se posicionar como canais de experimentação dos produtos, embalados por tecnologias imersivas e óculos de realidade virtual.

Recursos desse tipo parecem cinematográficos, mas serão viabilizados dentro de alguns anos pela parceria entre Inteligência Artificial (IA) e Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). Juntas, elas conseguirão repetir no ambiente físico algumas das principais estratégias encontradas no e-commerce. O online e o offline irão funcionar em simbiose no novo varejo, seguindo o conceito de “phydigital” – termo em inglês que reúne as palavras físico e digital. E o combustível que fará esse paradigma high tech decolar é o 5G. Não à toa, Guo Ping, CEO da telecom chinesa Huawei, chama a quinta geração de telefonia de “a nova eletricidade”.

5G no varejo

O 5G pode injetar cerca de US$ 1,2 trilhão na economia brasileira até 2035, de acordo com o estudo Why 5G in Latin America?, realizado pela Nokia e pela Omdia. O impacto no varejo deve ser de US$ 88 bilhões. Tudo isso a partir da aceleração da digitalização do setor. Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), afirma que a loja física ainda é muito analógica no País.

Mas esse cenário irá mudar: “O 5G permitirá que os varejistas saibam quem e quando entrou na loja. Teremos outro nível de interação entre produtos, consumidores, vendedores e lPDV.” Eficácia administrativa e qualificação da experiência do cliente estão entre as principais vantagens trazidas por essas inovações. Terra, aliás, presenciou as primeiras mudanças na China, um dos países mais adiantados no processo de implementação da nova rede.

Desde então, tornou-se um evangelista do 5G. Ele acredita que o Brasil deve começar a ver essa transformação dentro de dois anos. Ou seja, o alerta de revolução foi acionado para o setor. “É pouco tempo para tamanha disrupção. Essa é a pauta central das operadoras e empresas de infraestrutura. Mas ainda é uma agenda muito crua para os varejistas.”  Gustavo Schifino, head de transformação digital da DX.CO, foi outro convertido após experimentar o 5G no varejo da China. Schifino destaca a agilidade dos processos embalados pela nova tecnologia. “Não será preciso sequer encostar no celular. Basta usar comandos de voz ou wearables conectados ao 5G. Também há uma grande melhora em relação à nuvem”.

Lançado comercialmente na Coreia do Sul em abril de 2019, o 5G, no entanto, ainda não tem data de desembarque nas lojas de varejo do Brasil. A estreia depende do chamado leilão do espectro do 5G, marcado para 2020, mas adiado para 2021 devido à pandemia. Enquanto a tecnologia não é liberada, algumas operadoras de telefonia do País pegaram carona no frenesi global. Claro e Vivo passaram a oferecer 4.5G e 5G DSS (compartilhamento dinâmico de espectro, na sigla em inglês) em algumas capitais brasileiras neste ano. “Na prática, não é 5G”, refuta César Marcon, professor do programa de pós-graduação de Ciências da Computação da PUCRS. “Trata-se apenas de uma melhor utilização dos recursos de 3G e 4G.”

Segundo a Claro, o 5G DSS é 12 vezes mais veloz do que o 4G convencional. Já o 5G real será 100 vezes mais rápido. Mesmo após o leilão, a tecnologia levará anos para se popularizar. Cerca de 190 milhões de pessoas estão usando o 5G, segundo um relatório de mobilidade da Ericsson. Em 2025, já serão 2,8 bilhões ou 30% de todas as contas de celular do mundo. Na América Latina, Nokia e Omdia preveem que a penetração do 5G deve chegar a 17% em 2024. 

O 5G demanda celulares compatíveis, ainda raros e caros – o Motorola Edge, por exemplo, custa R$ 3,5 mil. A infraestrutura do País também terá de ser renovada, com a instalação de um grande número de novas antenas. Segundo Ricardo Vieira, diretor Regional Sul da Vivo, a entrada comercial da frequência será gradual, como nas tecnologias 3G e 4G. “Estaremos prontos para a implementação assim que a tecnologia, o espectro e os dispositivos estiverem disponíveis, após o leilão da faixa de 3.5 GHz”, garante.

SEM SAIR DO LUGAR: tecnologias imersivas, como realidade virtual e aumentada, serão viabilizadas pelo 5G, criando experiências de simulação aos consumidores do varejo

No caminho para a IoT

O principal diferencial do 5G é a latência. Ela cairá de 80 milissegundos com o 4G para até 3 milissegundos. Isso significa que as operações acontecem quase em tempo real. Daí o fato de o 5G ser considerado um divisor de águas para processos de alta precisão, que demandam uma conexão confiável e instantânea. A lista vai desde o controle remoto de robôs industriais até a manipulação de um bisturi por um braço robótico em uma cirurgia a distância. 

Como o 5G possibilita a conexão massiva de sensores, a IoT deixa de ser uma fantasia. Nas lojas de varejo do futuro, os dispositivos conversam entre si, usando uma internet rápida, estável e econômica (as redes 5G prometem redução de 90% no gasto de energia). Assim, mais estabelecimentos terão acesso a recursos hoje restritos a grandes companhias, como a Amazon.

Um exemplo são as prateleiras inteligentes das lojas de conveniência automatizadas Amazon Go, onde sensores de peso detectam quando um item é retirado e atualizam o inventário. As lojas contam ainda com câmeras que acompanham os clientes e informam um computador capaz de analisar essas informações em tempo real e cobrar diretamente do consumidor. Lá, as filas no caixa são coisa do passado.

Em agosto, o primeiro supermercado Amazon Fresh abriu as portas em Woodland Hills, na Califórnia, com outra solução atraente: um carrinho inteligente, o Dash Cart, equipado com câmeras, sensores e uma balança. Na medida em que são colocados, os produtos aparecem em um visor. O cliente fica logado na sua conta Amazon por meio de um aplicativo e é cobrado automaticamente quando sai da loja. E se precisar de ajuda para achar algo? Basta perguntar em voz alta para a Alexa, a assistente virtual da Amazon, via app ou em totens distribuídos no PDV.   

Futuro antecipado

Com o 5G, o varejo também amplia a capacidade de coletar dados dos consumidores. Por isso, vão precisar investir em IA e Big Data para gerir essas informações e oferecer soluções personalizadas. Outra possibilidade mencionada pelo relatório Why 5G in Latin America? são sensores que detectam o quanto os consumidores gostam de um produto usando algoritmos de reconhecimento facial que interpretam expressões sutis e movimentos visuais.  

A Covid-19 vem promovendo uma guinada cada vez mais acentuada do varejo rumo à tecnologia do 5G. É o caso da C&A. Com cerca de 300 lojas fechadas em razão do distanciamento social, a rede de vestuário botou em marcha seu plano de transformação digital. Embora o segundo trimestre tenha encerrado com prejuízo, a receita líquida com as vendas online cresceu 356% no período, metade delas via aplicativo próprio, que foi baixado 7,1 milhões de vezes entre janeiro e julho. O número de usuários ativos mensais foi de 337 mil em junho de 2019 para quase 3 milhões em junho de 2020, uma alta de 658%. 

A C&A, agora, começa a se preparar para o 5G. “Vai possibilitar que a gente deixe as lojas mais inteligentes, otimize processos e possa captar mais dados e usá-los em favor dos clientes. Devemos evoluir projetos que hoje rodam em 4G quando tivermos o aumento de velocidade prometido”, antecipa Rafael Morand, gerente comercial de e-commerce na C&A. 

Um deles é o streaming commerce. A C&A estreou no formato em setembro, com o programa “Tudo Combinado”, apresentado no YouTube pela atriz Fernanda Souza, ao lado das convidadas Fernanda Rodrigues e Giovanna Lancelotti. Enquanto o trio conversa e prova roupas, a audiência pode acessar o site da C&A via QR Code e comprar os produtos com desconto. 

A estratégia visa contornar a resistência do público em comprar roupas e calçados sem poder vesti-los antes. Chilli Beans e Lojas Americanas também criaram ações desse tipo, mas apostaram no streaming ao vivo – um formato consagrado pela chinesa Alibaba. A expectativa da C&A é de que o e-commerce siga forte mesmo após a reabertura das lojas.

Durante a pandemia, a empresa transformou suas filiais em centros de distribuição avançados, o que permitiu o envio de pedidos direto do PDV para o cliente (o chamado Ship from Store). Agora, 256 lojas continuarão cumprindo essa função. “Assim conseguimos subir mais estoque para o e-commerce. Queremos avançar com o ‘clique e retire’ e com o ‘drive through’ (quando o cliente faz o pedido online e agenda a busca no estacionamento do shopping)”, antecipa Morand.
 
No entanto, apesar de estimular ações como essa, a migração intensa para o digital registrada durante a pandemia tornou evidentes alguns gargalos da internet brasileira. Um deles foi a velocidade. Com muitos dispositivos conectados, o fluxo deixou a desejar várias vezes. Já testado em estádios, o 5G mostrou que pode garantir conexão até mesmo durante jogos de futebol. Para o e-commerce, a tecnologia promete viabilizar recursos como realidades aumentada e virtual – tudo em alta resolução e com carregamento rápido.

A experiência imersiva permite que o consumidor teste o produto sem sair de casa. Clientes da empresa sueca Ikea, por exemplo, podem simular como uma poltrona ficaria na sua sala de estar usando o aplicativo Ikea Place. Basta apontar o celular para o ambiente e visualizar o modelo da poltrona em 3D e na escala correta. Em uma loja física, a realidade aumentada pode ajudar o cliente a simular o uso do produto para avaliar as suas funcionalidades e características.

A realidade virtual está um pouco mais distante do cotidiano doméstico, já que os óculos específicos ainda são caros. Mas a pandemia deu novo incentivo aos desenvolvedores. Algumas marcas já usam essa experiência imersiva. As concessionárias europeias da Audi disponibilizam simulações que permitem ao cliente “entrar” no seu futuro carro e customizar alguns detalhes. Também dá para ver o veículo em diferentes ambientes e horas do dia. 

Professor da New York University Shanghai e da Fundação Dom Cabral, Rodrigo Zeidan acredita que os incentivos às compras online podem diminuir a importância dos PDVs físicos. Na China, onde vive, o economista realiza todas as compras por meio de aplicativos. “Aqui, o mercado que realmente cresce é o e-commerce. As lojas físicas estão perdendo relevância, não estão se expandindo. As pessoas ainda compram nas lojas, mas está deixando de ser um hábito, devido à comodidade e às alternativas oferecidas pelo ambiente digital.” 

Na China, por exemplo, a vida passa pelos super apps, como o WeChat, usado para trocar mensagens, ler notícias, assistir a filmes e fazer pagamentos, entre outras atividades. “Usamos até para dar esmola. Tem pedintes no metrô com um QR Code para transferir dinheiro pelo WeChat”, conta Zeidan. 

Já Gustavo Schifino, da DX.CO, acredita que as lojas físicas têm futuro, mas em uma estratégia diferente e totalmente integrada com o digital: “O varejo compra as peças da indústria e revende ao cliente final. É assim há 200 anos. Mas o varejo do futuro deixará de ser um intermediário para atuar como um showroomda indústria. O varejista convence o cliente mostrando as aplicações do produto, mas não precisa ter o artigo em estoque”. 

É um modelo parecido com o do Pier X. Idealizado por Schifino, o marketplace phygital funcionou no Shopping Iguatemi, em Porto Alegre, entre 2017 e 2019. Para fazer a compra, o cliente pagava por um aplicativo e recebia o produto em casa. Só que o Pier X usava cinco redes Wi-Fi de fibra ótica, mais do que todo o shopping. O 5G deve facilitar a viabilidade de operações desse tipo no varejo.

Além disso, a nova tecnologia promete maior eficiência à cadeia logística. As lojas inteligentes poderão enviar dados em tempo real às fábricas e aos armazéns, agilizando o envio de produtos, como no exemplo da abertura da matéria. Na prática, o cliente compra um artigo na loja e a fábrica já despacha para o endereço do comprador. “Parece algo com muita tecnologia, mas é só fazer a venda sem ter produto e com a fábrica faturando diretamente com o consumidor. Isso gera uma grande economia em tributação, processos, problemas de estoque, promoção.” A ideia, complementa Schifino, é inverter uma lógica cada vez mais comum que leva o cliente a ir na loja, ver o produto e depois comprar mais barato na internet. Com o 5G no varejo, ambos os ambientes serão um só. //


A evolução das redes móveis

1G 
SINAL ANALÓGICO
Os primeiros celulares, ainda na década de 1980, usavam um sistema analógico, puramente baseado em ondas de rádio abertas, para viabilizar chamadas de voz.

2G
SURGE A ERA DIGITAL
Na década de 1990, surgem as tecnologias digitais. As redes passam a suportar tráfego de mensagens de texto e pequenas quantidades de dados, incentivando o surgimento dos primeiros serviços de internet móvel.

3G
CHEGA A BANDA LARGA
Internet na palma da mão com uma velocidade razoável era a grande novidade no início dos anos 2000. Surgiram os smartphones que podiam navegar os mesmos sites que usávamos no computador. As páginas, assim, passaram a contar com versões mobile. 

4G
SERVIÇOS GANHAM FORÇA
A velocidade 10 vezes maior incentivou o consumo de serviços de streaming de vídeo, música e jogos na década de 2010. Os smartphones se consolidaram a partir da navegação rápida, gerando mudanças no mercado de aplicativos e possibilitando serviços até então presentes apenas em banda larga fixa, como voz sobre IP (as ligações feitas por WhatsApp, por exemplo).

5G
TUDO EM TEMPO REAL
Além do aumento na velocidade e latência próxima de zero, o 5G conectará não apenas o celular, como também equipamentos (IoT) e dará impulso a carros autônomos, cirurgias a distância, cidades inteligentes, automação e robótica industrial, realidade virtual com altíssima qualidade e serviços de entretenimento com definição máxima.

Fogo Cruzado


O leilão do 5G, que deve ser realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2021, foi tragado para o meio da guerra comercial que os Estados Unidos e a China deflagraram nos últimos anos. Depois de acusar a chinesa Huawei de espionagem para o Partido Comunista Chinês, o presidente Donald Trump baniu a companhia dos EUA e pressiona o mundo e o Brasil para fazer o mesmo – beneficiando as principais concorrentes, a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia. 

A Huawei repudia as acusações e afirma que se trata de uma manobra para recuperar o atraso das corporações norte-americanas em matéria de 5G. A maior fabricante de equipamentos de telecomunicações do mundo está presente no Brasil há 22 anos, fornecendo para companhias como Vivo, Claro, Tim e Oi – para quem já conduziu testes do 5G no País. O presidente Jair Bolsonaro declarou que a decisão de manter a Huawei no páreo será dele.


Cartilha Global

O 5G é definido por critérios estabelecidos pela GSMA, associação que representa as operadoras de redes móveis no mundo. Alguns deles são:

• Oferecer conexões de 1 a 10Gbps;
• Consumir até 90% menos energia que as redes da quarta geração;
• Os tempos de conexão entre dispositivos móveis devem ser inferiores a 5 ms (milissegundos), face à latência de 30 ms do 4G;
• A quantidade de aparelhos conectados por área deve ser 50 a 100 vezes maior que o atual;


No embalo da Quinta Onda

>> US$ 1,2 trilhão

É a expectativa de impacto do 5G no PIB brasileiro entre 2021 até 2035

Setores mais impactados

Tecnologia, Informação e Comunicação – US$ 241 bilhões
Governo – US$ 189 bi
Manufatura – US$ 181 bi
Serviços – US$ 152 bi
Varejo – US$ 88 bi
Agricultura – US$ 77 bi
Mineração – US$ 48,6 bi

>> US$ 3,3 trilhões

É o impacto estimado na América Latina até 2035

Setores mais impactados

Tecnologia, Informação e Comunicação – US$ 572 bi
Manufatura – US$ 534 bi
Serviços – US$ 468 bi
Governo – US$ 323 bi
Varejo – US$ 262 bi
Agricultura – US$ 212 bi

>> 5%

É o acréscimo médio que o 5G deverá proporcionar na economia global até 2035.

Fonte: Why 5G in Latin America?, da Nokia e Omdia

Publicado na 2ª edição da Revista 20/30. Baixe a versão digital aqui.

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