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A força da nova rede

Conectado e onipresente, o varejo em rede ganha contornos inéditos com o paradigma digital, exigindo adaptações por parte das lideranças. Comunicação, tecnologia e suporte constante estão entre as diretrizes deste novo modelo


Por Rodrigo Oliveira
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por bem2030
varejo em rede

Imagine uma gestora de vendas chamada Luciana. Antes da pandemia, Luciana chegava a rodar 2 mil quilômetros por mês. A cada semana, visitava 20 lojas em 12 cidades. O consumo de combustível facilmente passava de 150 litros. Era preciso arcar, ainda, com hospedagem e alimentação. A presença física para realizar feedbacks e liderar capacitações parecia indispensável. Mas as coisas mudaram repentinamente e, desde março de 2020, Luciana quase não tira o carro da garagem. Tudo ficou concentrado no computador da empresa, agora usado em casa. Com uma capacidade de adaptação surpreendente, o varejo precisou se reinventar diante da crise causada pela covid-19 — e conseguiu. 

O carioca Marcos Lima, supervisor do canal de rede própria da Bem Promotora, especializada em crédito consignado, tem uma história parecida. Ele atende 15 lojas nos estados do Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Atualmente, faz menos da metade das visitas de antes. Embora a maioria das viagens fossem curtas, ele percorria 600 quilômetros a cada três meses para ir e voltar de Campos dos Goytacazes (RJ). Sem falar nas viagens para a região sul, que exigiam do executivo uma soma considerável de milhas aéreas. “Hoje, me desloco para avaliar questões estruturais, talvez para resolver algum conflito. Mas a frequência é infinitamente menor do que no período anterior à pandemia.” 

No caso de Walmir Cabral, colega de Lima na Bem Promotora, o cenário era ainda mais desafiador. Supervisor de vendas das regiões norte, nordeste e centro-oeste, São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais, Cabral só atendia uma loja no estado em que reside, Pernambuco. As outras 15 que estão sob sua responsabilidade ficam a centenas de quilômetros de casa. “Em um único mês, poderia ter que viajar para Belém do Pará e, na semana seguinte, talvez estivesse em Juiz de Fora, em Minas”, explica. Agora, diz ele, 80% da rotina é conduzida de maneira remota. “As tecnologias impulsionaram o fluxo de informações. Temos ferramentas de gestão e produtos digitais que permitem uma comunicação eficiente a distância.” 

Existe muita coisa por trás de uma verdadeira mentalidade digital. Trata-se de uma transformação que começa pela cultura organizacional. Aqui, o compartilhamento de valores e princípios é a força motriz para alavancar processos de inovação — e não importa o nível de senioridade ou o modelo de jornada de trabalho. É o que defende Maurício Morgado, coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGVcev). De acordo com o professor, esse movimento precisa acontecer de cima para baixo. “Não basta implementar as ferramentas. Tem que promover uma nova forma de pensar”, afirma.  

A virada preconizada por Morgado começa pela formação de equipes multidisciplinares. Antes disso, entretanto, é necessário alinhar as expectativas da alta administração, ainda que o grupo não conheça detalhadamente as funções de cada tecnologia. “O importante é a tomada de decisão, junto da disposição para implementar uma reestruturação técnica.” Na prática, significa que a aquisição de soluções pode ser deixada para um segundo momento. “Quem faz a transformação digital são as pessoas. As máquinas e os softwares só funcionam através da nossa vontade”, acrescenta.  

Aliás, colocar pessoas na linha de frente — mesmo com tantas alternativas de automatização — continua sendo indispensável. “Quando você abre o site de uma empresa, quer saber com quantas lojas pode contar. A partir disso, vem a sensação de poder recorrer a alguém sem ser chatbot ou mensagem eletrônica”, explica Lima, da Bem. “A gente praticamente não usa mais mala direta. Se o cliente não atender a ligação, enviamos um banner pelo WhatsApp. Ainda assim, precisa haver alguém de verdade por trás do processo.” Na regional liderada por ele, 88% das operações acontecem no meio digital. E o que era feito presencialmente agora também pode acontecer de maneira remota.   

Com a rotina repaginada pela pandemia, Walmir Cabral acredita que a maioria das tendências observadas hoje deverão permanecer. “O cliente não tem mais a necessidade de se deslocar. A gente manda um link, e o retorno de efetivação de proposta é sempre mais positivo. Isso não tem volta”, diz. A falta do atendimento presencial também não é desculpa para desperdiçar oportunidades de fidelização. “Oferecer um cafezinho e olhar no olho do cliente é fundamental. Mas isso não impede o contato através das ferramentas digitais”, atenta. No que diz respeito à força de trabalho, o executivo também enxerga vantagens no modelo flexível. “Conseguimos atuar em mercados distintos porque não há a necessidade de estrutura física. O desafio é aprender a capacitar a equipe nesse novo formato”, conclui. 

Crédito: Divulgação/Boticário

Conectividade na marra 

Ainda que a pandemia tenha desacelerado uma série de empreendimentos, ela também antecipou a digitalização de inúmeras organizações. O Grupo Boticário é um exemplo de empresa que alavancou novos projetos, apesar do cenário adverso. Com foco em tecnologia e sustentabilidade, uma loja-conceito inaugurada em março de 2021 no Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, dispensa caixas tradicionais. Quem faz as vendas são os próprios consultores. Além disso, é possível mapear o perfil do consumidor com poucos toques. O resultado é uma experiência de compra personalizada.  

“Todos aqueles projetos engavetados foram atropelados pelos fatos”, observa Juarez Meneghetti, que administra 35 franquias do Boticário em Porto Alegre e Canoas. “Abandonamos a classificação de venda física e venda digital. A palavra certa é venda”, acrescenta. A decisão reverbera o sentimento do mercado internacional. De acordo com um estudo publicado pela Harvard Business Review, 73% dos consumidores utilizam canais diferentes de uma mesma empresa ao longo da jornada — o que demonstra como as vendas multicanais são essenciais para qualquer negócio, independentemente de porte ou segmento de atuação.  

“É uma questão cultural”, garante Meneghetti. “O lojista não muda porque quer. Ele muda porque o consumidor mudou.” Seja como for, a preocupação com a experiência veio para ficar. E a proximidade entre clientes e marcas passa a ser um dos principais diferenciais competitivos das organizações. Sobretudo, através do uso inteligente da tecnologia e da garantia de conveniência em todos os touchpoints. “O cliente é quem decide como fazer a operação. Nossa missão é fornecer o suporte que ele precisa”, explica. 

À medida que o futuro reserva um consumo mais complexo, a disposição para mudanças, riscos e investimentos precisa ser definida no âmbito estratégico. Caso contrário, esse conjunto de iniciativas não se sustenta em longo prazo — seja para expandir canais ou para incorporar novas tecnologias. “Uma coisa importante no varejo é o relacionamento. A gente trabalha para trazer resultado. Mas o mais importante é solucionar as aflições das pessoas”, explica Meneghetti. 

Existem muitas formas de aprimorar a experiência do cliente. E a comunicação instantânea é uma delas. Somente no último ano, 84% dos consumidores experimentaram interações por meio de canais digitais. O contato por WhatsApp, por exemplo, cresceu 118%, de acordo com o relatório CX Trends 2021. Mesmo depois de uma compra efetuada com sucesso, quando uma dúvida, crítica ou sugestão é ignorada, a sensação que fica é a de um atendimento ruim. Ou seja: as empresas precisam se preocupar com a experiência ao longo de toda a jornada. Agora, a venda é uma consequência.  

Vocabulário atualizado 

A pandemia pegou de surpresa um varejo em rota de expansão. Com as portas fechadas, o segmento precisou se reinventar de uma hora para outra, e quem já contava com uma operação de e-commerce bem desenvolvida largou na dianteira. Outras empresas improvisaram para atender às exigências de consumo. A despeito do pano de fundo, a solução encontrada foi a mesma: impulsionar as vendas online para contornar as medidas de restrição adotadas com o objetivo de conter o avanço do novo coronavírus. 

Em meio ao abre e fecha do comércio, novos conceitos começaram a fazer parte do repertório das lideranças. O social selling é um exemplo. Conforme um estudo realizado pela Kantar, somente durante a pandemia, a audiência das redes sociais cresceu em 40%. Um outro relatório, publicado pela Hootsuite em parceria com a We Are Social, mostrou que os brasileiros navegam em média 3 horas e 40 minutos por dia. As atividades são as mais diversas possíveis. Entre elas, a pesquisa por marcas e produtos — um comportamento que faz parte do dia a dia de 46% dos internautas.  

Do ponto de vista das empresas, um modelo logístico que transforma cada estabelecimento num pequeno centro de distribuição também chama atenção. Segundo dados de executivos da Via Varejo, dona de marcas como Ponto e Casas Bahia, metade dos produtos vendidos online vêm sendo entregues a partir de uma loja física. Trata-se do ship from store — mais um esforço para colocar o consumidor no centro do negócio. Isso porque preço e qualidade já não são, isoladamente, os principais fatores de influência na decisão de compra.  

De acordo com um levantamento da Accenture, metade dos consumidores globais reavaliaram suas prioridades de vida e seus propósitos pessoais em virtude da disseminação do coronavírus mundo afora. No Brasil, a parcela é ainda maior — 71% se enquadram na categoria. Como era de se esperar, essa mudança de paradigma também impactou as decisões de consumo. Conforme o relatório, as pessoas estão mais dispostas a abandonar as marcas que não apoiam seus novos valores. São os chamados consumidores “reimaginados”. 

Nos primeiros meses de pandemia, a sacudida no comportamento de compra até pareceu momentânea. Entretanto, uma pesquisa da PwC provou o contrário: consumidores do mundo inteiro evoluíram para uma mentalidade ainda mais digital e ecologicamente correta. Mais da metade dos entrevistados revelaram ter adotado hábitos de consumo no ambiente virtual. E essa virada não tem mais volta.  

Todas essas transformações, que incluem o diálogo entre canais, aprendizado de máquina e inteligência artificial, desenham um horizonte de mudanças para a gestão de vendas. Para acompanhar a velocidade dessas disrupções, é necessário investir na digitalização do supply chain, além de aumentar a capacidade de inovação. Outro ponto importante é a personalização do relacionamento. E isso também vale para o público interno. Nesse sentido, a flexibilização de horários, bem como a oferta de capacitações e momentos de integração, com o objetivo de despertar o melhor de cada colaborador, tornaram-se indispensáveis. 

Daqui para frente, a expressão “vendedores consultivos”, muito usada para descrever o cargo de quem se encarrega por vendas complexas — principalmente em empresas B2B —, também caberá ao lojista. Isso porque os consultores que atuam no comércio varejista estão cada vez mais preparados para oferecerem experiências de atendimento, em vez de apenas vender. Como consequência, a loja física deixa de lado o status de ponto de venda para se tornar um ponto de relacionamento. Tudo isso a fim de promover a melhor experiência possível ao consumidor phygital. 

varejo em rede

4 Habilidades do líderes

Mais próxima de um ponto final, a pandemia reserva um legado de novas responsabilidades para gerentes de vendas. Confira os atributos essenciais para continuar crescendo no comércio varejista: 

  • Liderança sob medida: a gestão situacional é um modelo bastante útil em momentos de crise. Cabe ao gerente comercial organizar a operação do negócio com base nas qualidades de cada consultor;
  • Tecnologia na ponta do dedo: faz tempo que o varejo deixou de ser um negócio low tech. Com a pandemia, o conhecimento estratégico sobre as tecnologias cresceu ainda mais em importância;
  • Pessoas em primeiro lugar: preocupe-se mais com o CPF do consumidor do que com a origem da nota fiscal que você emite. Tanto clientes de loja física quanto de comércio eletrônico merecem o melhor atendimento;
  • Engajamento a distância: profissionais são mais propensos a ter destreza digital quando a liderança os orienta através do exemplo. O desafio é levar essa mentalidade para o trabalho híbrido. 

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