O tripé automação, digitalização e inteligência artificial (IA) dita os rumos de setores comerciais. Especialmente nos negócios B2B, as vendas presenciais estão com os dias contados. O relatório Future of Sales, do Gartner, estima que 80% das interações entre fornecedores e compradores ocorrerão em canais digitais até o fim de 2025. Trata-se de uma experiência omnichannel, na qual a integração será fundamental para evitar atritos – até porque, conforme a McKinsey, cada cliente B2B utilizará em média dez canais em sua jornada de compra.
Entre outros motivos, a virtualização das compras é impulsionada pela chegada dos millennials, os primeiros nativos digitais, às posições de tomada de decisão. Eles são ainda mais céticos do que os seus antecessores em relação ao papel dos vendedores: 44% preferem não ter interação com o representante de vendas em um ambiente de compra B2B, por exemplo. Entre os compradores, o percentual é mais baixo, mas representativo: 33% esperam uma experiência de compra sem contatos presenciais.
A expansão das compras digitais significa mais dados sobre o comportamento dos clientes nas mãos dos fornecedores. Capturar, organizar e utilizar esses dados, sistematicamente como alicerce da tomada de decisões são desafios de grandes proporções. Assim como são de grandes proporções as possibilidades abertas pela migração de um modelo comercial baseado na intuição para uma estratégia de vendas baseada em dados. O data-driven selling, segundo o Gartner, será uma realidade para 60% das empresas B2B ainda em 2025.
Diana Branisso, coordenadora do MBA e da pós-graduação em Marketing e Mídias Digitais da FGV, diz que as empresas ainda conhecem pouco sobre seus clientes – o que pode mudar se os dados integrarem de fato suas estratégias de venda. “Temos muitos dados? Temos. Paramos para analisá-los? Muito pouco”, lamenta. “Ao parar para analisar profundamente o perfil de compra, o ticket médio e o perfil sociodemográfico, por exemplo, encontramos muitas oportunidades de negócio. É um exercício de dar dois passos atrás para dar dois à frente”, completa.
Para Branisso, os silos de informação dentro das organizações são a principal barreira ao data-driven selling. Os dados existem, mas nem sempre chegam aos tomadores de decisão no formato de insights, per
manecendo confinados em suas áreas de origem. Ou seja, o problema não diz respeito à tecnologia, mas à comunicação. “A construção coletiva entre os diferentes setores da companhia é pouco estimulada devido a fatores culturais. A informação é vista como poder e, muitas vezes, não se percebe que entregá-la para outra área faria bem a toda a empresa.”
No setor comercial, a utilização de ferramentas para analisar um grande conjunto de dados relacionados às vendas – como histórico de compras e de comportamento do mercado – pode ajudar em uma série de decisões: quais produtos oferecer, em qual momento comunicar as ofertas e com qual abordagem. Tudo personalizado a partir do perfil de cada comprador. Ao mesmo tempo, os dados servem para avaliar o desempenho, compará-lo com tendências do mercado e manter a competitividade da empresa, fazendo ajustes nas estratégias sempre que necessário. Além de melhorar a eficiência operacional, o data-driven selling garante clientes mais satisfeitos, elevando os índices de retenção e fidelização.
Do ponto de vista do vendedor, à medida que as interações presenciais diminuem, os dados são aliados para desenvolver novas formas de influenciar as decisões de compra. Da postura de “fornecedores de informação”, esses profissionais devem
evoluir para se tornarem “criadores de sentido”, deixando tarefas técnicas para a tecnologia. “Se você perguntar para uma IA o que ela não faz, ela te responderá que não lida com emoções”, diz Branisso. “O vendedor deve ser capacitado para trazer o que a tecnologia não oferece: cuidado e emoção.” Ou seja, enquanto a tecnologia enfrenta demandas operacionais e técnicas, o ser humano entra para compreender problemas e analisar soluções, quebrar barreiras de negociação, acolher e interpretar o cliente.
O IMPULSO DA IA
Outro desafio que se impõe em uma estratégia de vendas data-driven é o manejo de um grande volume de dados. Uma pesquisa da Data Paradox, realizada pela consultoria Forrester a pedido da Dell Technologies, aponta que 70% das empresas coletam dados mais rapidamente do que podem utilizá-los. Além disso, 61% das equipes de dados estão sobrecarregadas. Já a explosão no número de canais digitais aumenta o fardo nas costas das equipes comerciais se a situação não for bem gerida. As consequências, nesse caso, são contrárias às pretendidas: desorganização, baixo rendimento, retrabalho e falhas de comunicação – tudo a um alto custo.
“Muitas vezes, as empresas coletam dados que elas não sabem por que coletam – mas coletam porque podem usá-los no futuro”, afirma Rodrigo Sartório, diretor de produto da TOTVS, . Ele explica que uma estratégia de data-driven selling bem-sucedida depende de três fatores principais. O primeiro deles é a verificação da qualidade dos dados. Ou seja, a checagem da sua integridade, segurança e possíveis redundâncias. Depois, é fundamental entender qual será a aplicação desses dados, verificando quais informações são relevantes para o uso pretendido. Por fim, a gestão dos dados propriamente dita. “O passo final é desenvolver uma interface para que o consumo dos dados, uma vez digeridos pela IA, faça parte do dia a dia dos usuários em uma jornada sem barreiras de experiência”, detalha Sartório.
A TOTVS, uma empresa especializada em sistemas e plataformas para digitalização de negócios, aplica funcionalidades de inteligência artificial em seus produtos. Uma delas, que deve ser lançada em breve, analisa o histórico de relacionamento das companhias com os clientes. A partir disso, faz sugestões de venda, identificando quais produtos oferecer a cada comprador. Junto com a sugestão, a tecnologia explica o porquê daquela proposta, indica qual quantidade e qual discurso o vendedor deve utilizar para abordar o cliente e concluir a venda.
Segundo a McKinsey, o uso da IA generativa (GenAI, na sigla em inglês) em vendas B2B garante um aumento de produtividade de 10% a 15%. Os percentuais são resultado da capacidade da GenAI em fornecer insights em tempo real, tornando as equipes comerciais mais ágeis e responsivas às necessidades dos clientes. Os ganhos com a produtividade adicional ultrapassam a marca de US$ 1,2 trilhão em vendas e marketing – aliás, as duas áreas em que a IA mais gera valor nas empresas. Além disso, aquelas que combinam experiências personalizadas com o uso de GenAI têm 1,7 vez mais chances de aumentar sua participação no mercado.
Por ora, a adoção da IA generativa apenas engatinha. A pesquisa B2B Pulse Survey ouviu quase 4 mil lideranças, de 13 países, em 34 setores, para verificar o status da aplicação da tecnologia. Apenas 21% das lideranças comerciais (alta gerência, líderes de venda e de marketing) informaram que suas empresas viabilizaram totalmente a adoção da GenAI na gestão de compras B2B. Outros 22% disseram que a testaram apenas em usos específicos.
Para Sartório, da TOTVS, o segredo é não adotar a tecnologia por moda: é fundamental entender o que faz sentido em cada caso, identificando partes da cadeia de valor em que a IA oferece potencial de melhoria dos processos. Afinal, com tantas promessas, as novidades também geram receio entre os colaboradores – 76% dos brasileiros acham que a tecnologia afetará seus postos de trabalho, segundo o PageGroup. “O vendedor terá mais capacidade de argumentação e de conhecer melhor o cliente. A IA não vai eliminar as pessoas. Vai ajudá-las a vender mais e a atender mais clientes. Trará superpoderes aos vendedores”.//
O VENDEDOR DEVE SER CAPACITADO PARA TRAZER O QUE A TECNOLOGIA NÃO TRAZ: CUIDADO E EMOÇÃO.
DIANA BRANISSO,
COORDENADORA DO MBA E DA PÓS-GRADUAÇÃO EM MARKETING E MÍDIAS DIGITAIS DA FGV
O PASSO FINAL É DESENVOLVER UMA INTERFACE PARA QUE O CONSUMO DOS DADOS, UMA VEZ DIGERIDOS PELA IA, FAÇA PARTE DO DIA A DIA DOS USUÁRIOS EM UMA JORNADA SEM BARREIRAS DE EXPERIÊNCIA.
RODRIGO SARTÓRIO,
DIRETOR DE PRODUTO DA TOTVS
TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NO B2B
– 80% das interações entre fornecedores e compradores ocorrerá em canais digitais em 2025;
– Cada cliente B2B utilizará, em média, 10 canais durante sua jornada de compra.
IA E O DATA-DRIVEN SELLING
– O data-driven selling, conforme o Gartner, será uma realidade para 60% das empresas B2B até o fim de 2025;
– O uso da IA generativa em vendas B2B garante um aumento de produtividade de 10% a 15%;
– Os ganhos com a produtividade adicional ultrapassam US$ 1,2 trilhão nos setores de vendas e marketing.