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As novas engrenagens do mundo

Conheça as principais disrupções que aguardam o universo dos negócios no mundo pós-pandêmico


Por José Francisco Botelho e Emanuel Neves
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por bem2030
engrenagens do mundo

Crises são o laboratório do futuro. A história da humanidade não deixa dúvidas: algumas das maiores transformações sociais e econômicas a longo dos séculos ocorreram em tempos marcados por catástrofes e confusões – como guerras, terremotos e, claro, pandemias. É como se os momentos de crise catalisassem os potenciais de mudança acumulados e acelerassem a sua adoção pela sociedade. E é exatamente o que vem acontecendo nos últimos dois anos: a pandemia da covid-19 catapultou mudanças que vinham sendo gestadas há décadas, e viu o surgimento de novidades que pouca gente imaginava alguns anos atrás. A luta contra o vírus alavancou disrupções gigantescas no mundo do trabalho e dos negócios – de tal modo que, no pós-pandemia, já não será suficiente “pensar fora da caixa”.  

A hora é de quebrar a caixa mesmo, e ver o que sairá de dentro dela. 

A pandemia atual surgiu num momento-chave na história da tecnologia. Enquanto a ciência corria atrás da vacina, o mundo dos negócios assistia à aceleração de tendências que vinham se intensificando há pelo menos uma década. A ascensão de novas tecnologias nos últimos anos deu início ao que alguns analistas chamam de Quarta Revolução Industrial – uma série de transformações frenéticas que estão levando empresas e governos a reorientar suas estratégias.  

Robôs, algoritmos, inteligência artificial e novos programas e aplicativos irão transformar a face do mercado, do trabalho e da economia de maneiras dignas de ficção-científica. De acordo com a pesquisa Future of Jobs Report, publicada pelo Fórum Econômico Mundial em outubro de 2020, até 2025 as horas de trabalho realizadas por máquinas serão equivalentes às horas de trabalho de seres humanos. Essa mudança sísmica trará a disrupção de muitas profissões: nos próximos cinco anos, cerca de 15% da força de trabalho nas empresas pode ser profundamente abalada ou mesmo substituída. Por outro lado, novos talentos e novas habilidades ganharão cada vez mais espaço – profissões que envolvem sustentabilidade, tecnologia e interação com o público marcarão o ritmo do futuro nas próximas décadas. 

Ninguém sabe ao certo como será esse horizonte, mas a julgar pelas transformações atuais, podemos fazer algumas apostas: o futuro será híbrido, descentralizado, agilizado, criptografado e eletronizado. Entenda tudo isso, ponto a ponto, a seguir. 

A era do híbrido

A pandemia acarretou a mais rápida transformação já vista na história do trabalho. Em 2019, cerca de 350 milhões de pessoas trabalhavam em home office. Ao longo de 2020, o número subiu para mais de 1 bilhão – dois terços da atividade econômica formal do planeta. 

Além de salvar a economia global, o trabalho remoto pode tê-la aprimorado: de acordo com uma pesquisa publicada pela Upwork em agosto de 2020, 32% dos líderes nos Estados Unidos acreditavam que a produtividade dos funcionários aumentou com o home office. Vários fatores contribuem para isso – por exemplo, uma diminuição no número de reuniões desnecessárias e o fim do deslocamento entre casa e escritório. Entre os funcionários, a preferência pelo trabalho remoto é avassaladora. No segundo semestre de 2021, a Korn Ferry, consultoria americana de recrutamento executivo, entrevistou 581 profissionais e concluiu que mais de dois terços dos entrevistados consideravam o trabalho remoto como “o novo normal”. Para 55%, a ideia de voltar a trabalhar presencialmente é estressante. O mais surpreendente é que 49% afirmam estar dispostos a recusar uma oferta de emprego, se fossem obrigados a trabalhar o tempo todo no escritório. No Brasil, o cenário é semelhante. Segundo uma pesquisa da Boston Consulting Group, 30% dos profissionais brasileiros preferem trabalhar de forma totalmente remota, enquanto 59% gostariam de combinar presencial e home office. Apenas 11% querem ficar exclusivamente no escritório.  

Só que nem todos os chefes concordam com tamanha digitalização do trabalho. Nos EUA, segundo uma pesquisa da Society for Human Resource Management, 72% dos chefes que atualmente trabalham com equipes remotas preferem que todos voltem ao escritório. Na área da tecnologia, contudo, os funcionários vivem a era dourada do trabalho híbrido. No Google e na Apple, colaboradores trabalham de dois a três dias por semana no escritório, e o resto em casa. No Twitter e no LinkedIn, os funcionários podem decidir qual modalidade adotar: totalmente remota ou híbrida. “Eles estão estimulando cada equipe e cada profissional a refletir sobre como e onde trabalha melhor, e o mesmo está acontecendo na Microsoft”, explica Haroldo Matsumoto, especialista em gestão de negócios e sócio-diretor da Prosphera Educação Corporativa. Vale lembrar que a área da tecnologia é o berço do agilismo, que revolucionou a gestão de projetos (veja adiante). Portanto, não é de estranhar que a mesma área seja protagonista na corrida pelo futuro do trabalho.  

Esse futuro também terá seus desafios. Desde antes da pandemia, economistas e especialistas em recursos humanos já apontavam que o home office pode ter efeitos colaterais negativos – como a confusão entre trabalho e vida pessoal. Algumas empresas criaram programas de apoio psicológico para ajudar os funcionários a separar as duas áreas. Outra iniciativa que ganhou corpo durante a pandemia foi o desenvolvimento de mecanismos que travam a circulação de e-mails internos durante horários de almoço e fins de semana – impedindo, portanto, que os próprios funcionários exagerem na dose.  

O ritmo atual de transformações é tão intenso que a própria natureza do trabalho remoto já mudou. Alguns anos atrás, circulava entre as empresas americanas o lema Bring your Own Device (BYOD) – traga seu próprio equipamento. Era a época em que funcionários passaram a levar seus próprios laptops ao trabalho, o que exigiu várias adaptações por parte das empresas. De acordo com uma pesquisa feita pela Accenture em 2021, a tendência dos próximos anos será o Bring Your Own Environment, ou BYOE. Isso significa que os funcionários terão cada vez mais flexibilidade para se deslocar com todo o seu ambiente de trabalho. Com a ajuda de equipamentos cada vez mais variados e avançados (como consoles, câmeras de segurança e smart speakers), os profissionais poderão trabalhar não apenas em casa, mas em qualquer lugar que acharem apropriado — um jardim, uma praia, um aeroporto, um sítio, debaixo de uma árvore. 

Essa metamorfose exigirá uma nova adaptação das empresas, que terão de investir pesado em inteligência artificial e segurança da informação. A recompensa pode ser uma nova era não apenas no trabalho, mas na atividade econômica como um todo: quando as empresas se tornarem virtual-first, ou virtuais acima de tudo, poderemos ver fábricas operadas apenas por robôs, com a atividade supervisionada por funcionários sentado à beira-mar ou à sombra de um plátano. 

O poder nas pontas 

A necessidade de adptação acelerada exige que a chave da metodologia ágil esteja na mão de quem figura na linha de frente, ampliando o dinamismo e a autonomia dos processos. 

Nos últimos 20 anos, o mindset ágil se espalhou a partir de seu nicho natal, na área de tecnologia da informação, e ganhou espaço cada vez maior em todo tipo de empresa. A começar por gigantes como o Google, cuja adoção dos métodos ágeis serviu de exemplo e farol para muitas outras. Desde que o Manifesto Ágil foi lançado, em 2001, por um grupo de 17 programadores nos EUA, a ideia de espraiar o poder dos gestores às equipes deixou de ser nicho e se tornou mainstream: empresas que antes se pareciam a exércitos, com hierarquias e projetos rígidos, foram se tornando mais parecidas a laboratórios, em que pequenas amostras são testadas em curto espaço de tempo, e tudo pode mudar conforme os resultados. O sprint de duas semanas foi substituindo o projeto de seis ou doze meses – e o empoderamento das pontas minou a ideia do supergestor monolítico, que concentra toda a capacidade de decisão lá no alto do escalão corporativo.  

Alguém poderia argumentar que toda essa mudança era apenas modismo, coisa passageira. Mas então veio a covid-19 para provar que a revolução das pontas veio para ficar. “O período pandêmico marcou um momento histórico no mindset ágil”, explica João Marcos Filho, agile coach do Great Place to Work (GPTW). “Com todo mundo em home office, ficou muito mais difícil controlar tudo o que acontece. As empresas que, no início de 2020, já tinham maturidade no uso de abordagens ágeis mostraram-se mais preparadas para o desafio. E as outras tiveram de aprender.” De acordo com uma pesquisa divulgada pela McKinsey em junho de 2020, cerca de 25% dos gestores nos EUA adotaram um tipo de liderança focada nos funcionários e 15% empoderaram suas equipes durante a pandemia. São índices poderosos – que prometem reorganizar o funcionamento do mundo corporativo daqui para frente. (Veja o box ao lado) 

A pandemia trouxe uma revolução até mesmo em métodos ágeis já estabelecidos. Hoje, o empoderamento das pontas ganhou uma nova abordagem. Algumas ferramentas, como o Kanban, mostraram-se menos adaptáveis à situação volátil do trabalho remoto e das equipes dispersas. Isso porque o Kanban, embora ágil, é eminentemente físico e presencial. “Como saber se a versão salva no servidor é a mais atualizada de um documento produzido em conjunto? Esse é um dilema comum”, exemplifica João Roncati, diretor da consultoria People+Strategy. Já o Scrum, primo do Kanban, continua popular, enquanto o sistema de definição de metas OKRs (Objectives and Key Results) passou por uma ascensão ao ápice da glória.  

Mais flexível que o Kanban, o OKR estabelece objetivos de longo termo, que servem de motivação à equipe, e utiliza resultados-chave como indicadores de performance. “Esse sistema ajuda a trazer clareza sobre prioridades, auxiliando as equipes a ter mais autonomia para definir suas atividades e também medir o seu impacto de acordo com os resultados-chave importantes para ela”, avalia Dairton Bassi, presidente da Agile Trends. Nascido no Vale do Silício, o OKR ganhou fama ao ser adotado pelo Google, e hoje é usado por organizações como Netflix, Amazon, Dell, Dropbox, Facebook, Samsung e Twitter. 

A nova atmosfera de business levou as empresas a buscarem formas de avaliar as performances das equipes separadas por vastas distâncias, sem a necessidade de se recorrer a reuniões presenciais. Além de ferramentas bem conhecidas como o Zoom, outros softwares e aplicativos ganharam destaque em tempos recentes, dando uma ideia de como serão os processos e comunicações corporativas daqui para frente. Um exemplo é o Miro, uma plataforma de colaboração visual, com boards que permitem às equipes fazer brainstormings e criar de maneira colaborativa no ambiente virtual.  

Baseado em nuvem, o Miro serve tanto para profissionais autônomos quanto para empresas de todos os tamanhos. “É como se as pessoas estivessem juntas na frente de um quadro branco, rascunhando e construindo suas soluções”, explica Bassi. Nesse quadro branco, a equipe pode montar, de forma intuitiva, outros quadros menores, personalizados, contendo diagramas e fluxos de trabalho. Os boards apresentam o tema e também mostram o nome do usuário que acaba de escrever ali: é uma presença em tempo real, mesmo a distância.  

Esse tipo de ferramenta ajuda as equipes a driblar um problema específico, surgido no auge da pandemia: se a maioria dos profissionais prefere trabalhar remotamente, há alguns cuja produtividade depende do contato pessoal. Isso acontece principalmente em áreas criativas, como o design. Para muitos deles, o Miro funciona como um antídoto criativo, permitindo que as equipes interajam tanto em tempo real quanto de maneira entrecortada — como se estivessem entrando e saindo de seus respectivos espaços no escritório. Hoje, o Miro está presente na rotina de 20 milhões de usuários no mundo todo, incluindo empresas como a Dell, a Deloitte e a Kaiser Permanente.  

Mais um instrumento que ganhou ímpeto e conquistou um lugar central nas equipes ágeis é o Jira, uma ferramenta de gestão de atividades e acompanhamento de tarefas e projetos. Por meio do Jira, cada usuário pode criar um histórico de atividades, e a equipe como um todo pode planejar sprints e distribuir tarefas. A virtude do Jira é tornar o processo de trabalho totalmente visível, de forma adaptável a cada equipe. O programa oferece um fluxo de trabalho padronizado, assinalando cada projeto com etiquetas como Open, In progress, Under Review e Done.  Porém, cada time pode adaptar o fluxograma a suas próprias características. “O Jira é a ferramenta mais usada por equipes ágeis, por possuir muita flexibilidade em sua implantação, permitindo que seja configurada de acordo com o grau de complexidade dos projetos e processos de cada empresa”, diz Bassi. O software é usado por gigantes como Walmart, Coca-Cola, Samsung e Pfizer – além de mais 10 milhões de usuários, incluindo 3,4 mil empresas mundo afora. No Brasil, o Banco Inter é exemplo de companhia que utilizou o Jira para descentralizar processos. Na empresa, mais de 30 equipes utilizam o software para agilizar o atendimento a um público que ultrapassa 7 milhões de clientes.  

Todas essas transformações apontam duas tendências bem claras. A primeira diz respeito à forma como a agilidade é vista nas empresas. O empoderamento das pontas é um diferencial, algo que pode aumentar a produtividade ou ajudar os negócios a sobreviverem em momentos de alta volatilidade, como a pandemia. “Nos próximos anos, a agilidade deixará de ser um diferencial e se tornará um requisito para que as empresas se mantenham competitivas”, prevê Bassi.  

Outra tendência diz respeito à forma como a agilidade funciona dentro da organização. As companhias, agora, se preocupam mais com o conceito de “transformação ágil” – a aplicação de métodos e ferramentas para descentralizar o dia a dia. Mas esses instrumentos são apenas meios para um fim: a criação de uma nova cultura organizacional, voltada para a inovação constante. Essa metamorfose afetará não apenas todas as empresas, como todos os profissionais, inclusive na hora de escolher suas especialidades. Em sua pesquisa sobre o futuro do trabalho, o Fórum Econômico Mundial elenca as 15 habilidades mais importantes para os profissionais em 2025. Entre elas está o uso, o monitoramento e o controle de tecnologia, a tolerância a estresse e a flexibilidade. Ou seja, as virtudes de quem, lá na ponta, consegue tomar a decisão certa – com o jogo de cintura necessário para aprender com os próprios erros. 

Eu, robô 

A Inteligência Artificial pulou da ficção-científica para trás do balcão faz tempo. E essa parceria com os humanos vai se intensificar daqui em diante, influenciando diretamente a capacitação e o perfil da força de trabalho. 

Segundo um estudo realizado pela IBM, 21% dos profissionais de TI na América Latina já implantaram algum tipo de IA em seus negócios. No Brasil, o índice é ainda maior: 40%. E a pandemia teve grande impacto nessa expansão. “A restrição de circulação fez com que, de uma hora para outra, as áreas de atendimento das organizações tivessem que se adaptar, em uma velocidade não planejada. A forma encontrada foi a utilização ampla de automação cognitiva”, afirma Mario Himes, líder de Business Transformation Services da IBM Brasil.  

Segundo ele, 35% das empresas no Brasil automatizaram processos no período da pandemia. 

Hoje, grande parte dos telefonemas aos call centers são atendidos por robôs programados para interagir com o consumidor. Antes, a tecnologia era usada para prover respostas prontas e automáticas – enquanto agora a inteligência artificial decifra o contexto de cada cliente e, assim, oferece soluções mais adequadas a cada problema. Um exemplo é a TIM, que no início da pandemia adotou o assistente virtual IBM Watson. Quatro meses depois, a taxa de resolução na primeira chamada havia aumentado em 85%. 

Além da interação com o cliente, a inteligência artificial vem sendo usada no próprio processo de gerenciamento dos negócios – uma espécie de Business Inteligence turbinado. Isso porque a IA permite não apenas a colheita de uma quantidade gigantesca de dados, como também é capaz de analisá-los por meio de modelos estatísticos. Assim, as empresas tornam-se mais capazes de vislumbrar os desejos dos clientes e antecipar-se a mudanças no mercado. Esse uso da inteligência artificial já é um diferencial competitivo para muitas empresas – circunstância que deve se intensificar nos próximos anos.  

De acordo com a pesquisa IDC FutureScape: Worlwide Digital Transformation 2020, as organizações movidas por IA terão a capacidade de agir 50% mais rápido que seus pares nos próximos anos. Já o estudo IDC White Paper, também de 2020, aponta que em cinco anos as companhias baseadas em IA terão um aumento de 100% na produtividade e no conhecimento de sua força de trabalho – o que deverá trazer respostas mais curtas e mais sucesso na inovação de produtos.  

“A inteligência artificial traz alta precisão e previsibilidade na projeção de múltiplos cenários, o que requer o processamento de um volume de dados muito grande, impossível de ser realizado por um ser humano”, diz Himes. Análise de dados em profundidade com automação de processos é outro exemplo de benefício que se pode esperar com a adoção de IA. Até porque, assim como o ser humano, a IA segue o mesmo princípio de aprendizado contínuo, desenvolvendo soluções criativas para problemas específicos. 

Mas o uso disseminado de inteligência artificial para captar e analisar dados levanta questões éticas. Como impedir, por exemplo, que a privacidade dos usuários seja desrespeitada, ou que suas informações sejam utilizadas por algoritmos mal-intencionados? Para lidar com essas questões, foi aprovada em 2018 a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que está agora em fase final de implementação. Dados, como sabemos, são o principal recurso de inteligência artificial. “Quanto maior a quantidade e a variedade de dados, podemos assumir que os modelos criados de IA tendem a ser mais precisos e atender a soluções desenhadas”, avalia o executivo da IBM. A nova lei regulamenta o controle e o processamento de dados aos participantes envolvidos, tornando obrigatório que as empresas informem quais informações serão coletadas, o propósito de seu uso e como serão tratadas, dando a opção de que o titular autorize ou não. Outro elemento da LGPD é a obrigação de que os dados sejam armazenados apenas de forma temporária. Regras como essa também trazem impacto ao futuro do dinheiro e dos serviços bancários, como você verá adiante. 

Cadeia da confiança

O desenvolvimento do blockchain permitiu a criação da primeira moeda criptografada, o Bitcoin. Com o passar do tempo, essa tecnologia passou a ser utilizada por empresas e até governos para armazenar dados sobre qualquer tipo de transação. 

Em 2008, uma misteriosa figura conhecida como Satoshi Nakamoto criou o primeiro blockchain, ou cadeia de blocos (algo como um gigantesco caderno de registros), cujas entradas estão espalhadas por diversos computadores e que servem para registrar diversos tipos de transações. É como se um superlivro tivesse cada página guardada numa biblioteca diferente, o que torna dificílimo – quase impossível – que suas informações sejam destruídas. Por outro lado, as páginas ou blocos estão ligadas entre si por elos (ou hashes). É impossível alterar um deles sem refazer toda a estrutura. Para completar, cada bloco é público e qualquer pessoa pode consultá-lo a qualquer momento.  

Para Carlos Henrique “Kiko” Duarte, líder de Serviços de Blockchain na IBM América Latina, a conceito-chave no sucesso dessa tecnologia é a confiança. Ele diz que, além de trazer uma revolução do ponto de vista de como são transacionados valores por meio de criptomoedas como o Bitcoin, o blockchain oferece uma transformação real quando usada em aplicações não-financeiras. Exemplo disso é a otimização das cadeias de suprimentos, a certificação de origem em diversas indústrias, a gestão de segurança alimentar e a gestão de energia. “As possibilidades de transformação são infinitas, já que o blockchain acelera o processo de transformação digital das empresas, possibilitando que os ativos sejam transacionados 100% online, de maneira segura e confiável, abrindo as portas para novas maneiras de se fazer negócio.” 

Um exemplo da transparência gerada por blockchain, segundo Kiko Duarte, vem do mercado automobilístico do México, onde o seguro é obrigatório para todo proprietário de veículo. “Isso acabou criando uma indústria paralela de apólices, que eram registradas uma vez na seguradora, mas revendidas para quatro ou cinco outros carros”, conta Duarte. Quando as apólices passaram a ser registradas em blockchain, compartilhando-se as informações com todos os participantes autorizados da cadeia de blocos, a situação mudou: agora cada agente de trânsito pode conferir imediatamente se determinada apólice não foi clonada. “Como os dados registrados no blockchain são inalteráveis, garantimos que cada ativo registrado é único.” Atualmente, mais de 60% do mercado de apólices de seguros automotivos está utilizando essa solução, com uma redução inicial de fraudes superior a 32%. 

No Brasil, desde 2018, o Banco Central usa uma plataforma baseada em blockchain para a troca segura de informações com outras entidades reguladoras do Sistema Financeiro Nacional, como a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A plataforma foi desenvolvida pelo Departamento de Tecnologia da Informação e veicula informações sobre processos de autorização de instituições financeiras, incluindo dados sobre processos punitivos e controle societário de entidades. Todos esses dados são registrados por meio de assinaturas criptográficas, o que garante que não foram manipulados. Além disso, as informações não podem ser apagadas.  

“Também existe um crescente interesse no uso dessa tecnologia na proposição de projetos inovadores no nosso Laboratório de Inovações Financeiras e nosso Sandbox Regulatório”, explica, por meio de nota, o Banco Central (sobre o Sandbox Regulatório, leia mais adiante). Em 2020, o BC do Brasil publicou um estudo sobre a possibilidade de utilizar a ferramenta para substituir seu sistema de transferências interbancárias, caso a plataforma utilizada atualmente entre em colapso. 

Futuro do dinheiro

Todos já experimentamos a grata sensação de colocar a mão no bolso e encontrar um rolo de notas extraviadas. Mas esse curioso prazer tátil pode estar com os dias contados. 

Transferências por Pix e pagamentos por sistemas como PayPal já são parte do cotidiano em várias partes do mundo. Mas, num futuro nem tão distante, o próprio dinheiro enquanto objeto físico talvez se torne uma curiosidade antiquada. Para saber o que é uma nota de R$ 50 ou uma moeda de 10 centavos, nossos tataranetos talvez tenham de ir a um museu. O processo de “eletronização” do dinheiro está avançando mundialmente – e, no Brasil, passos cruciais foram dados durante a pandemia.  

Embora o Banco Central deixe claro que não pretende substituir as cédulas de papel por dígitos no computador, várias iniciativas apontam para um uso cada vez mais tecnológico do dinheiro. Graças ao Pix, já estamos indo menos às agências físicas. E nossa relação com as próprias instituições financeiras será ainda mais sacudida pelo open banking, cuja implementação pelo BC está em processo final. No sistema financeiro “aberto”, os clientes têm a opção de compartilhar seus dados, de forma padronizada, escolhendo quais informações ficarão disponíveis, e por quanto tempo.  

A ideia é fazer com que os produtos e serviços bancários tornem-se mais personalizados, atendendo às necessidades do público e tornando o mercado financeiro mais competitivo. Os dados que o cliente decide compartilhar (como o perfil de consumo, renda e transações) aparecerão numa plataforma integrada. Analisando-a, as instituições financeiras poderão oferecer opções e soluções apropriadas a cada caso. Um dos benefícios previstos pelo Banco Central é aprimorar e facilitar a avaliação de crédito: conhecendo exatamente a personalidade financeira de cada investidor, as instituições saberão se devem oferecer a ele alternativas mais arriscadas ou mais conservadoras.  

Quem quiser compartilhar seus dados não precisa sequer baixar um novo aplicativo: o open banking fará o trabalho de encontrar você. A oferta de se cadastrar aparece quando se navega no site de uma instituição financeira. Na página do Itaú, por exemplo, a opção de open banking aparece como “Open Finance do Itaú”. Quando o sistema estiver totalmente implementado, o open banking aparecerá na forma de ofertas de parcelamento e financiamento, que vão pipocar na tela quando o cliente navegar por páginas de bancos ou fizer compras online. Uma situação prática imaginária: digamos que você esteja prestes a entrar no cheque especial. Por meio do open banking, outra instituição pode detectar seu risco e entrar em contato, oferecendo um crédito mais barato. O efeito esperado desse dominó é a diminuição das taxas de juros ao longo dos próximos anos.  

A implementação do open banking já passou por duas fases e a terceira está prevista para começar em 29 de outubro. Nesse estágio, a grande aposta é a integração entre o open banking e o Pix. Implementado em novembro de 2020, o Pix permite que pessoas físicas e jurídicas façam transações eletrônicas instantâneas. Mas as transformações que vêm por aí são ainda mais impressionantes e prometem revolucionar o dia a dia econômico da população. Com a integração das plataformas do Pix e do open banking, os usuários poderão realizar pagamentos por meio de aplicativos que não sejam do banco onde têm sua conta – valendo-se de programas de varejistas ou redes sociais, por exemplo. E mais: a partir de 2022, o Banco Central prevê implementar o Pix parcelado. As transferências instantâneas poderão ser programadas ao longo dos meses – ou seja, não será mais necessário ter cartão de crédito para fazer compras em parcelas.   

Conforme o Banco Central, todas essas transformações visam tornar a economia mais competitiva e acompanhar o processo global de digitalização do dinheiro. “A população brasileira ainda utiliza o dinheiro em espécie. É papel do Banco Central atender essa demanda. Por outro lado, o BC tem uma extensa agenda evolutiva de inserção cada vez maior da tecnologia nos pagamentos e nos serviços financeiros. Fazem parte dessa agenda o Pix, o open banking e o Sandbox Regulatório”, diz a assessoria do BC, em nota.  

O processo de eletronização do dinheiro não se limita à circulação de valores. Nos últimos tempos, a possibilidade de uma moeda totalmente eletrônica deixou de ser uma especulação e se tornou uma possibilidade real. Em 9 de setembro, El Salvador se tornou o primeiro país do mundo a aceitar o Bitcoin como moeda legal – agora, todos os estabelecimentos do país são obrigados a aceitar a criptomoeda, a menos que não tenham equipamento eletrônico adequado. Cerca de 70% da população depende do dinheiro enviado por parentes que vivem em nações mais ricas, e, graças às transferências por Bitcoin, El Salvador planeja economizar até 400 milhões por ano. Para estimular a população, o governo criou um aplicativo chamado Chivo e depositou US$ 30 em bitcoin na carteira digital de todos os cidadãos que o instalaram no smartphone.  

Ainda é cedo para prever se a “bitcoinização” de El Salvador funcionará. O Chivo saiu do ar no mesmo dia em que foi inaugurado, e a moeda preferida pela população ainda é o dólar. Contudo, o futuro do dinheiro digital não se resume ao Bitcoin. Desde 2019, vem crescendo ao redor do mundo a ideia de criar moedas digitais controladas pelos bancos centrais de cada país. Embora ainda esteja em gestação, esse tipo de moeda já tem nome: CBDC, do inglês central bank digital currency – ou moeda digital do banco central.  

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Banco de Compensações Internacionais, mais de 85% dos bancos centrais do planeta estão atualmente pesquisando ou testando algum tipo de CBDC. Os bancos centrais do Canadá, dos EUA e da Inglaterra consideram a possibilidade de criar uma moeda corrente virtual – e, em março de 2021, o Banco Central Europeu anunciou a intenção de lançar o euro digital em quatro anos. O Brasil não ficou de fora. Em agosto de 2021, o Banco Central nacional revelou que também tem plano de digitalizar o real. De acordo com o BC, o país poderá ter uma moeda corrente em formato virtual em um prazo de dois a três anos. 

O país mais avançado na corrida pelo futuro do dinheiro é a China. Em 2020, os chineses realizaram testes com sua moeda virtual – chamada, em inglês, DCEP, ou Digital Currency Eletronic Payment. A ideia é lançar nacionalmente o DCEP até as Olimpíadas de Inverno de 2022, em Pequim. O yuan virtual será monitorado pelo banco central do país, o que dará ao governo um controle inédito sobre as transações de seus cidadãos.  

Se o papel-moeda for extinto, a relação entre a sociedade e o dinheiro mudará de diversas maneiras. “O dinheiro digital não se deposita num banco. Ou seja, se todos os bancos falirem, o dinheiro continua existindo. Atualmente, se os bancos vão à falência, nós retornamos à barbárie”, aponta o jornalista Alexandre Versignassi, autor do best-seller Crash: uma breve história da economia. Ele explica que, com o dinheiro digital, não aconteceriam mais cenas como o que houve na crise na Argentina, quando milhares de pessoas tentavam sacar seu dinheiro antes que os bancos viessem abaixo.  

Outro efeito possível é a perda de protagonismo do dólar – que abocanha cerca de 60% das transações internacionais. A expectativa é de que o dinheiro digital acabe eliminando a necessidade de uma moeda intermediária para as negociações entre países. A China, por exemplo, não precisaria comprar a soja brasileira em dólar. Com menos demanda pela moeda americana, o Federal Reserve não poderá mais imprimir dinheiro à vontade, sob o risco de fazer a inflação disparar. Ou seja: se ocorrer no futuro um evento semelhante à atual pandemia, os EUA não terão a mesma facilidade em sair da crise.  

E quanto ao resto do mundo? As consequências de tantas transformações são tão incalculáveis quanto inevitáveis. A China, que criou o papel-moeda há 1.200 anos, está segurando a tampa do cofre. Num certo sentido, a caixa já está quebrada. E os protagonistas do futuro serão os que souberem usar seus pedacinhos para construir o novo. 

Antenas sempre conectadas

Agilismo, foco nos dados e atenção à ponta também são a aposta da Bem Promotora para se manter alinhada às transformações. 

O radar de tendências da Bem Promotora vai muito além da revista 20/30. A rigor, mirar a vanguarda no setor financeiro e de crédito consignado é uma filosofia permanente da empresa. Por isso, a reorientação das estratégias com foco na transformação digital já era a tônica antes mesmo de o coronavírus mandar todos para dentro de casa e resetar o mundo.  

Em 2019, por exemplo, a Bem iniciou um projeto-piloto de home office – fator que se mostrou vital para a rápida adequação da equipe ao modelo no ano seguinte. Essa antecipação também foi a pauta ao longo de 2021, agora em relação ao sistema híbrido. A Bem reconfigurou as sedes administrativas de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro para absorver o rodízio de colaboradores quando as restrições se encerrarem de vez.  

A própria rede de PDVs foi repaginada nesse período, também visando ao novo momento. “Procuramos manter esse contato constante com o pessoal da ponta, tanto da rede própria quanto no caso dos correspondentes bancários. É através deles que captamos os feedbacks mais genuínos sobre as necessidades dos clientes e do negócio”, explica Gustavo Fiuza, diretor presidente da Bem.  

A perspectiva da alternância entre o trabalho remoto e presencial também exigirá mudanças nos processos. Nesse quesito, a Bem conta com o suporte do PMO Agile, um setor dedicado a esculpir o DNA corporativo com o cinzel do agilismo. Hoje, o paradigma ágil guia todos os movimentos da empresa. Um exemplo é o próprio Planejamento Estratégico – elaborado segundo os preceitos ágeis e calibrado trimestralmente.  

Outro elemento importante é o esforço para a criação de uma cultura orientada por dados. E capacitar o time de maneira transversal é parte dessa missão. A área de TI da Bem tem promovido treinamentos específicos em programação para colaboradores dos demais setores. “Interações assim ajudam a expandir o conhecimento sobre o tema. Aos poucos, queremos mostrar que os dados e a IA não são assuntos restritos ao pessoal de tecnologia, mas uma realidade de todos”, acredita Fiuza. 

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