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Marketing de conteúdo: a era do brand publishing


Caroline Grüne
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por obile

Quando os irmãos Andre e Edouard Michelin fundaram uma empresa de pneus que levava seu sobrenome, no fim do século 19, havia menos de 3 mil carros na França. Visionários, eles acreditavam que a indústria automobilística guardava um enorme potencial. A fim de ajudar os motoristas franceses a fazerem viagens com maior tranquilidade, criaram uma pequena publicação com informações úteis. Eram mapas, endereços de oficinas mecânicas, de postos de combustíveis, indicações de hospedagem e até uma lista de locais para comer.

A primeira edição do Guia Michelin, com sua icônica capa vermelha, foi lançada em 1900. A premissa era incentivar as pessoas a pegar a estrada. Por uma razão simples: quanto mais rodavam, mais cedo precisariam trocar os pneus.

Impresso com o máximo de sigilo e de tiragem desconhecida, o Guia Michelin evoluiu com o correr dos anos. Seu conteúdo alcançou outras camadas da população, além do viajante. Há décadas, as cobiçadas estrelas atribuídas aos restaurantes representam o estado da arte da alta gastronomia.

A proposta dos irmãos Michelin virou um case emblemático de marketing de conteúdo. Isso muito antes de se ouvir falar nesta expressão ou em seus desdobramentos menos conhecidos, como branded content e brand publishing. Mas, acredite, mesmo naquele tempo eles não eram os únicos a lançar mão desse tipo de estratégia.

Em 1895, um publicitário da John Deere concebeu o projeto de uma revista agrícola própria para a empresa americana. Assim nasceu a The Furrow – em tradução literal, O Sulco. Então distribuída gratuitamente pelo Serviço Postal dos EUA, a publicação contava boas histórias, apresentava novas técnicas agrícolas, trazia reportagens sobre plantio e colheita e dava dicas valiosas ao homem do campo.

Em suas páginas, estampava imagens dos implementos da marca e trazia o endereço do revendedor mais próximo. Apelidada de “Rolling Stone do fazendeiro americano”, a revista The Furrow segue ativa há quase 130 anos como uma das publicações de agricultura de maior prestígio no mundo, traduzida para 12 idiomas e, agora, distribuída digitalmente.

The Furrow e Guia Michelin: os primeiros cases de brand publishing.

Brand Publishing: dona do conteúdo e da distribuição

A aposta em conteúdo informativo, útil e de qualidade foi o sustentáculo para que a Michelin e a John Deere perseverassem no que o mercado passou a chamar de mídia proprietária. Em vez de comprar ou alugar um espaço publicitário num jornal, revista, portal, programa de rádio ou TV, a marca dispensa o intermediário e se torna dona do próprio nariz. Ou melhor, do próprio conteúdo e de seu canal de distribuição – ou canais, caso a estratégia seja omnichannel.

Nesse esforço de marketing, grandes empresas foram às compras. Em 2021, o Magazine Luiza adquiriu o projeto multiplataforma Jovem Nerd e os portais Canaltech e Steal The Look. Dois anos antes, em 2019, o BTG Pactual assumiu os direitos da revista Exame, da editora Abril.

No mesmo ano, a Bem Promotora, uma empresa brasileira de soluções de crédito consignado, decidiu criar do zero a revista que você está lendo. “Sempre pensamos em oferecer conteúdo de um padrão editorial elevado, que leve conhecimento aos públicos de nosso interesse”, diz Jonas Matone, gerente de Marketing da Bem Promotora.

Dispor de uma mídia proprietária faz parte de uma estratégia de marketing de conteúdo cunhada recentemente como brand publishing. Trata-se de uma nova fronteira para as tradicionais revistas corporativas. A ideia é construir audiência proprietária por meio de conteúdo de qualidade, aumentando a chance de se tornar referência, curador e até mesmo uma espécie de oráculo em seu segmento. O aumento das vendas será apenas uma consequência dessa tática de influência.

Lego: marketing de conteúdo para fortalecer vínculo com consumidores.

A estratégia é conduzida com maestria pela Red Bull. Criada em 2007, a Red Bull Media House (RBMH) é muito mais do que a casa de mídia da fabricante de energéticos. Com centenas de colaboradores, a RBMH desenvolve projetos para a TV, internet, impressos e até cinema.

Ao austríaco Dietrich Mateschitz, fundador da marca, é atribuída a seguinte frase: “A Red Bull é uma empresa de mídia que, por acaso, vende bebidas energéticas”. Se ele disse ou não, pouco importa. É a mais pura verdade.

A RBMH, aliás, não atende apenas a Red Bull. A equipe de jornalistas, fotógrafos, videomakers, produtores e editores oferece soluções de conteúdo personalizadas para outras empresas. O cliente principal, claro, é a marca mãe. Com ela, o foco está nos esportes radicais, em que atletas de alta performance são colocados à prova em desafios como corridas de aviões ou um impensável salto da estratosfera. Isso mesmo: em 2012, o paraquedista e base jumper Felix Baumgartner pulou de uma altura de 39 quilômetros até tocar o solo em Roswell, nos EUA. Foram 4 minutos e 20 segundos em queda livre, a uma velocidade de 373 metros por segundo. Tudo a serviço da superexposição da marca.

“A Red Bull consegue extrapolar, na melhor acepção do verbo, os conceitos de marketing de conteúdo. Ela tem times de futebol, equipe de Fórmula 1, gravadora de música independente, faz cinema, revista, portal”, destaca o jornalista Ricardo Lacerda, founder e diretor da República – Agência de Conteúdo, especializada em projetos editoriais de mídia proprietária – entre eles o portal de notícias Desafios da Educação, da edtech Plataforma A, com foco em ensino superior, e a Revista 20/30, da Bem Promotora.

Na prática, a Red Bull materializa o raciocínio de que toda empresa deve ser uma empresa de mídia – tomando emprestado o conceito de Satya Nadella, CEO da Microsoft, que afirmou, em 2015, que “toda empresa, no futuro, será uma empresa de tecnologia”.

Leia mais:

Brand publishing: saiba mais sobre os conteúdos aqui ilustrados no fim da reportagem.

Entrega de valor

O americano Joe Pulizzi, fundador do Content Marketing Institute e autor de vários livros sobre o tema, define o marketing de conteúdo como a arte de se comunicar com seus clientes atuais e futuros sem vender. “É o marketing que não interrompe. Você entrega informações que fazem os seus compradores ficarem mais inteligentes ou, então, os diverte para construir conexão emocional”, escreve ele no livro Marketing de Conteúdo Épico.

 A teoria encontra eco em Paulo Henrique Ferreira, diretor executivo da Barões Digital Publishing. “As pessoas não querem ser convencidas, elas querem ser informadas”, diz o autor de Brand Publishing e Transição Midiática, lançado em 2023. “Muitas empresas possuem as ferramentas, mas não conseguem se posicionar como um think tank, como uma referência de conteúdo, um veículo especializado assinado por uma marca”, afirma. Entre os projetos desenvolvidos pela Barões estão o portal O Especialista, do Banco Safra, e o Habitability, do conglomerado MRV&CO.

Com uma plataforma que trata de moradia e vida nas cidades, a linha editorial do portal Habitability abraça temas como déficit habitacional, agricultura urbana, sustentabilidade e inclusão. “O publishing é esse lugar em que se deve apresentar algo útil, que gere entretenimento ou tenha valor para o leitor, ainda que ali esteja expresso o ponto de vista de uma marca”, explica Walter Romano, gestor de brand publishing da MRV&CO.

Segundo Romano, quando uma empresa assume o papel de publisher, é fundamental pensar em resultados de médio e longo prazo. Ou seja, nada de imediatismo. E mais: sempre que possível, valer-se de diferentes plataformas de conexão. A ideia não é concorrer com os grandes meios da imprensa tradicional, mas criar uma comunidade com a qual a marca possa interagir constantemente. //

Brand content ou Brand Publishing?

Não há um consenso a respeito de tantos termos que ficam sob o guarda-chuva do marketing de conteúdo. Muitos especialistas consideram o brand publishing a evolução do branded content. Este seria um primeiro passo para que a marca deixe de lado o marketing de interrupção e adote o marketing de atração por conteúdo. Nesse caso, a marca paga para veicular seu conteúdo numa mídia tradicional (jornal, revista, portal de notícias, canal de TV). Já no brand publishing ela se torna sua própria mídia – assumindo o controle do conteúdo, dos dados e do envolvimento junto ao público.

20/30: um farol para o que vem por aí

A Revista 20/30 é um projeto criado pela Bem Promotora em 2020 em parceria com a República – Agência de Conteúdo. Consolidada como uma das principais empresas do setor de crédito consignado do Brasil, a Bem sentia um gap mercadológico envolvendo temas sensíveis ao seu negócio. Voltada a parceiros, colaboradores, investidores e ao mercado como um todo, a publicação tem como missão antecipar e analisar tendências de inovação, tecnologia management e capital – sempre com ênfase em seus reflexos no setor financeiro.

Legenda da ilustração: 1. The Red Bulletin, a revista de estilo de vida da Red Bull, tem tiragem de 300 mil exemplares por edição. | 2. Jovem Nerd, uma das maiores plataformas multimídia sobre cultura pop do Brasil. Pertence ao Magazine Luiza. | 3. A revista que você lê agora, 20/30 – Tendências para a Década, é um projeto editorial da Bem Promotora. | 4. Qantas Magazine – Travel Insider, a revista de bordo da maior companhia aérea da Austrália, a Qantas | 5. Prato do Amanhã, hub de conteúdo sobre sustentabilidade na pecuária, da Marfrig. | 6. Há mais de 50 anos no mercado, a revista Exame foi comprada pelo BTG Pactual em 2019. | 7. Habitability, projeto editorial digital da MRV&CO que aborda temas do mundo da habitação. | 8. The Furrow, a revista da John Deere está há mais de um século no mercado. | 9. Huawei25anos, revista criada pela gigante chinesa de TI para celebrar duas décadas e meia no Brasil. | 10. Desafios da Educação, portal de notícias sobre ensino superior da Plataforma A. | 11. Revista GOL, da GOL Linhas Aéreas, já venceu diversos prêmios. | 12. InvestNews, do Nubank, diz adotar critérios jornalísticos independentes. | 13. La Freccia, revista de bordo da companhia ferroviária italiana FS Group. | 14. Calendário Pirelli, conhecido como The Cal, tornou-se um documento da história da moda. | 15. Além da Energia, portal da Engie sobre transição energética, baixo carbono e crescimento sustentável. | 16. agromulher, portal e revista digital da VetBR, sobre inclusão e diversidade no agronegócio. | 17. Business Trends & Insights, portal da American Express que nasceu como um fórum para pequenos negócios.

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