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Fator X: A era da pós-experiência 

Na dianteira da transformação digital, o setor bancário passou a investir em áreas que já não se restringem às finanças. Entenda como instituições tradicionais e fintechs podem se unir para atender à nova demanda tecnológica da sociedade


Rodrigo Oliveira
6
por obile
Bancos digitais

Todo mundo já penou com algum atendimento que não resolveu nada daquilo que se buscava. Algumas vezes, no entanto, a insatisfação é tamanha que pode inclusive levar a transformações. Que o diga o espanhol Carlos San Juan de Laorden. O aposentado, que tem 78 anos e sofre da doença de Parkinson, não se acostumou com a digitalização dos serviços. E reclamou disso ao seu banco. Sem a menor sensibilidade, a instituição respondeu que, se ele não estivesse satisfeito com o sistema, poderia levar suas economias embora. Laorden era cliente havia 51 anos. 

Em vez de apenas abrir uma nova conta em outro banco, ele criou uma petição online intitulada “Sou velho, não idiota”. A ideia era chamar atenção para a necessidade de se humanizar o atendimento virtual bancário. Mas ele conseguiu bem mais. Com 600 mil assinaturas, a repercussão chegou ao governo espanhol, que fez os bancos assinarem um protocolo de atendimento acessível voltado a idosos, com mudanças em todos os canais. A história de Laorden demonstra a relevância que o UX alcançou no atual momento do setor bancário. Acima de tudo, a tecnologia tem o papel de tornar a experiência mais ágil, segura e prazerosa. Mas a premissa precisa valer para todos. Caso contrário, pode trazer mais perdas do que ganhos. 

Uma pesquisa da empresa de consultoria Bain & Company mostra que clientes de bancos digitais e tradicionais valorizam aspectos diferentes. No grupo dos digitais, destacam-se atributos relacionados a preço e proposta de valor, como a recomendação de amigos e parentes (34% das respostas); ferramentas online (26%); tarifas mais baixas (22%); opções de investimento (21%); e disponibilidade de crédito (17%). Nos bancos tradicionais, aparecem com maior relevância atributos funcionais: banco onde recebe salário (29%); agências próximas (26%); tarifas baixas (18%); recomendação de amigos e parentes (17%); e reputação da marca (13%). 

Esse mix de desejos aponta para um só lugar: a excelência do atendimento. Isso será cada vez mais determinante em um cenário que terá o cliente como centro do mercado. Um atendimento grosseiro, ou mesmo uma navegação confusa, podem custar caro. Para se ter ideia, de acordo com o relatório CX Trends 2022, elaborado pela Zendesk, uma desenvolvedora de softwares para relacionamento com os clientes, 75% dos brasileiros estão dispostos a abandonar uma marca após uma única experiência negativa. Com a reincidência de problemas, o percentual aumenta para 81%. 

O dado acende o alerta máximo para as instituições financeiras. Se o cliente é o centro das atenções, isso significa tratá-lo como rei. Ou ao menos não fazer com que ele arranque os cabelos cada vez que precisar dos seus serviços. Serviços, aliás, são a chave do que vem pela frente no setor bancário. Não à toa, o Brasil está na vanguarda do Open Finance no mundo. O sistema permite que clientes de um banco compartilhem dados com outras instituições para acessar produtos e serviços com taxas mais competitivas. Sendo assim, o banco assume uma posição mais contextual, com foco em relacionamento, pagamentos e suporte de vendas. 

Cooperar e colaborar é uma questão de sobrevivência. Em um cenário mais concorrido, os players tradicionais começam a atuar ao lado de parceiros especializados para incrementar as linhas de receitas, diversificar a carteira de clientes e ingressar em novos segmentos. Daí a importância de ampliar a oferta para as mais diversas áreas, como tecnologia, saúde, habitação e até mesmo games. Não basta facilitar transações de pagamento e garantir boas linhas de crédito. As vantagens precisam ser percebidas na totalidade da experiência. 

Dessa forma, é necessário identificar e acabar com eventuais atritos, ou seja, tudo o que prejudica a jornada de compra do cliente. Não é mais a solidez que vence o jogo. É o grau de conveniência desfrutado pelo consumidor. “O desafio não é apenas oferecer um bom produto. Nem correr atrás do menor preço”, diz Walter Hildebrandi, CTO da Zendesk para a América Latina. “As empresas precisam aprimorar a experiência.” 

A era dos superapps  

O atual cenário globalizado possibilitou a mutabilidade de conceitos, valores e negócios. Essa revolução comportamental está atrelada à realidade cotidiana. Uma vez que a conexão digital já foi integrada ao dia a dia, surge a oportunidade de ampliar o valor consumido pelo cliente. Para tanto, assim como o smartphone agrupou funcionalidades num único dispositivo, os superaplicativos, por exemplo, estão combinando necessidades de varejo, social e outras. 

A maioria dos bancos digitais permite a verificação de saldos, o pagamento de contas e a solicitação de depósitos. No entanto, as plataformas que se destacam fazem com que os serviços financeiros desapareçam de vista. O WeChat, por exemplo, possibilita funcionalidades mais interessantes, como viajar, fazer compras ou trabalhar em uma atividade paralela. Hoje, o aplicativo domina o mercado móvel chinês com 1 bilhão de MAUs (usuários ativos mensais), tendo evoluído a maneira como os chineses se relacionam online.  

No Brasil, porém, a experiência unificada promete se consolidar de maneira diferente. Os superaplicativos vão concorrer de maneira árdua entre si — mais um elemento para a qualificação dos serviços. Eles têm o potencial de aumentar o número de downloads, ampliar a presença da marca, coletar dados e aproximar os clientes, gerando mais relevância no mercado. E ninguém quer perder essa. Mas, para isso, é fundamental investir em estratégias que assegurem que o cliente receba exatamente o que precisa. 

Nesse sentido, a série de relatórios Bank of 2030: Transform Boldly (“Indústria bancária em 2030: transformações arrojadas”, em tradução livre), organizada pela Deloitte, constata que os bancos precisarão adotar tecnologias que promovam modelos de negócios flexíveis. Todos os participantes do ecossistema devem trabalhar juntos para ter sucesso na próxima década. O que se espera, aqui, é o desenvolvimento de soluções cada vez mais personalizadas — o que já está acontecendo no mundo. Mas como o Brasil está se preparando para levar a experiência para o próximo nível? 

Como surfar essa onda   

Gerenciar uma infinidade de dados cadastrais e comportamentais — a fim de criar um gatilho para a decisão de consumo — exige um aparato tecnológico à altura. Um caminho é aproveitar a inteligência artificial (IA) e ferramentas de Deep Analytics para identificar gargalos, tomar decisões mais assertivas e realizar mudanças. Além de reunir os dados necessários para a personalização, a adoção de tecnologias de Customer Relationship Management (CRM) também automatiza o processo de comunicação, venda, pagamento e entrega, contribuindo para simplificar a formatação do atendimento. 

Apesar disso, nada é possível sem que a empresa reconheça os próprios objetivos e stakeholders. “A digitalização é um facilitador. Mas o mais importante é entender o momento do cliente”, afirma Matheus Neto, gerente de Soluções de Hardware da Diebold Nixdorf Brasil, multinacional especializada em desenvolvimento de comércio conectado. No entanto, ainda é impossível monitorar as movimentações do usuário toda vez que ele realiza uma ação. Daí o papel da clusterização. Na definição do Gartner:  é a capacidade de definir recursos em um ou mais sistemas interconectados, dentro de um grupo específico de aplicações acopladas, em uma rede local.  

No setor financeiro, uma pesquisa da Diebold Nixdorf e NielsenIQ, intitulada Motivations in Modern Banking (Motivações na Indústria Bancária Moderna, em tradução livre), identificou cinco perfis de consumidores de tecnologia bancária: buscador de simplicidade; realista em luta; tradicionalista estabelecido; explorador estratégico e iniciador com autonomia (veja no info). Diante de tamanha diversidade, Neto aconselha ir além dos dados demográficos, como gênero, idade e renda: “É preciso questionar estilo de vida, crenças, valores, hábitos e atitudes. Quanto mais específicas forem essas características, mais diferenciado será o atendimento.”  

Mapear a jornada requer a compreensão da entrega como um conjunto de elementos sempre interligados. O menor deslize pode comprometer o todo, afastando o consumidor. É por isso que a tática de simular conversas humanas não pode ser a única alternativa para otimizar interações. “Quando se derruba uma das peças do tabuleiro da experiência, mesmo sem intenção, todas as outras caem junto”, lembra Hildebrandi, da Zendesk.   

O jeito é combinar atendimento automatizado e humanizado de acordo com a situação: automação para problemas corriqueiros e de fácil resolução; humanização para problemas complexos e clientes mais fiéis. Em larga escala, a personalização só acontece com ajuda de algoritmos que aprendem ao longo do tempo. É por isso que o combustível de toda a estratégia de experiência se resume à capitalização de dados. E hoje estamos ricos em termos de dados, mas nem tão ricos assim em insights e análises consistentes. Desse modo, cabe à empresa proporcionar as condições necessárias para a estruturação de um processo de design thinking. 

Quando o negócio encontra o design  

A comunidade empresarial entendeu que a equipe de design é fundamental para o sucesso de um negócio. E as pesquisas atestam a validade da crença: companhias que investem constantemente em design podem ter uma receita duas vezes maior que a concorrência, segundo a McKinsey & Company. Para criar uma mentalidade digital-first, que empreende o uso eficaz de tecnologia e recursos, portanto, as pessoas são indispensáveis. Assim como colocá-las no lugar certo.  

Depois de estudar dados de 3 milhões de profissionais em mais de 100 mil departamentos de design, a consultoria chegou a uma conclusão inusitada: o tamanho da equipe não é tão determinante quanto se pensava. Na prática, o desempenho da empresa é impulsionado pela inclusão dos designers em operações estratégicas do negócio. Não basta criar um time robusto. É preciso posicioná-lo na linha de frente. “Colocar o design no centro é colocar o ser humano no centro”, defende Thais Campas Passos, coordenadora do MBA em Gestão Estratégia em UX Design da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Antes de ser data-driven, é preciso ser human centric.” 

Uma cultura corporativa saudável, por exemplo, faz com que as equipes desenvolvam um senso natural de cooperação. Além disso, ao oferecer experiências positivas aos funcionários, o trabalho se torna simples o suficiente para não causar dificuldades no atendimento. O resultado é a redução da taxa de churn — métrica que mostra o número de clientes que saíram da empresa num certo período. “Para fortalecer o employee branding, é preciso oferecer treinamentos, orientação e educação para formar líderes mais empáticos, inspiradores e parceiros”, recomenda Amyris Fernandez, consultora em UX, business e inovação e fundadora da UX Change Academy. 

Trata-se de uma relação com múltiplos vetores: o primeiro é interno, em que o EX é essencial. Antes de pensar em investir em tecnologia ou criar estratégias de marketing mirabolantes, é necessário pensar na base do negócio. O próximo consiste na relação entre os ecossistemas de uma cadeia e a base de APIs. Afinal de contas, as pessoas não seguem um padrão de consumo linear. Elas tiram dúvidas via chat, comparam preços em lojas físicas, guardam itens nos carrinhos. E o último envolve segurança — para personalizar, também é preciso proteger. 

A transformação está na mão dos bancos. Assim como um dia caiu no colo da Kodak: numa das maiores histórias de terror do mundo corporativo, a gigante do mercado de câmeras perdeu a oportunidade de investir em fotografia digital. O desfecho é conhecido: o pedido de falência em 2012 — com a empresa desistindo do setor logo depois. Como uma marca tão dominante permitiu ser derrotada pela tecnologia digital que ela própria criou? Tapando os olhos para a insurgência de uma mudança profunda. Algo que, hoje se sabe, é uma tragédia anunciada para qualquer empresa que queira continuar relevante.  

Considere a motivação antes de projetar a jornada 

Estudo da Diebold Nixdorf em parceria com a NielsenIQ indica os perfis e características dos clientes em relação à adoção de novas tecnologias no setor financeiro. O relatório entrevistou mais de 12 mil consumidores em 11 países (entre eles, o Brasil). Conheça os perfis: 

  • Buscadores de simplicidade (43%*): São o maior segmento de consumidores no Brasil. Os membros desse grupo gerenciam riscos evitando complexidade desnecessária e não dependendo de terceiros. O relatório indica que 96% destes clientes gostam que a tecnologia lhes economize tempo e 92% procuram ativamente por novas soluções que tornem sua vida mais fácil; 
  • Tradicionalistas estabelecidos (13%*): Percebem a mudança como um risco e preferem manter hábitos antigos. Adotarão tecnologias à medida que se tornarem amplamente aceitas e à prova de segurança; 
  • Realistas em luta (30%*): Apenas 33% da amostra brasileira afirma ter um bom entendimento de tópicos financeiros e 77% até se preocupam com seu futuro financeiro. Anseiam por segurança financeira e valorização de seu provedor financeiro; 
  • Iniciadores com autonomia (7%*): Segmento de elite que espera hiperpersonalização. Este tipo de usuário tem duas vezes mais probabilidade de ser aberto para compartilhar mais informações pessoais em troca de serviços e ofertas mais personalizados em comparação com a média brasileira; 
  • Exploradores protegidos (7%*): Buscam garantias humanas e se inclinarão para tecnologias com um toque humano. Neste grupo, 75% dos consumidores não tomarão nenhuma decisão financeira antes de consultar um especialista ou alguém de sua confiança. 

*Números entre parênteses representam o percentual dos respondentes brasileiros na pesquisa. 

Língua do X  

É cada vez mais comum esbarrar em termos com “X”. Confira os principais conceitos da era da pós-experiência: 

  • UX: deriva de User Experience (Experiência do Usuário). O termo corresponde ao conjunto de estratégias empregado para despertar sensações positivas em relação a um produto, serviços físicos ou digitais. 
  • UI: o User Interface tem como foco melhorar a interação entre usuários e apps (ou softwares) através de elementos gráficos. O objetivo é garantir a clareza na disposição das informações, diminuindo as chances de frustração.  
  • CX: diferentemente do UX, o CX engloba a experiência completa do cliente. Aqui, todos os pontos de interação entre empresa e consumidor importam: canais de atendimento, e-mails, apps, suporte, pós-venda etc. 
  • EX: é a soma de todas as percepções e sentimentos que os profissionais vivenciam nas interações com a empresa. A experiência do colaborador (EX) é crucial para levar os valores da marca ao consumidor. 
  • MX: experiência móvel (ou mobile experience) é a jornada que o usuário percorre ao usar um produto ou serviço móvel. Sites e apps devem ser atraentes e responsivos. 
  • TX: a Total Experience (TX) envolve tanto a experiência interna (dos colaboradores) quanto a externa (de clientes e parceiros). O objetivo é oferecer uma melhor experiência a todos que estão relacionados a sua empresa. 
  • FX: a Future Experience (FX) combina insights humanos com recursos de IA para projetar serviços e produtos, além de ajudar a implementar estratégias e cultura. É um modo de construir experiências valiosas com o auxílio da tecnologia. 
  • DX: Developer Experience (DX) equivale à User Experience quando o usuário principal do produto é um desenvolvedor. Tem relação com a experiência do developer ao usar um produto, suas documentações, frameworks, APIs, libs, SDKs etc.  
  • Omnichannel: diz respeito ao uso simultâneo e interligado de diferentes canais de comunicação. A intenção é estreitar a relação entre online e offline. 
  • Service Design: aplicação de ferramentas e métodos de design para melhorar serviços. Ajuda a criar uma experiência de marca diferenciada.   
  • Design thinking: abordagem centrada no usuário para a resolução de problemas complexos. Tem origem em diferentes áreas, incluindo design, arquitetura, engenharia e negócios. Pode ser aplicado a qualquer campo. 

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