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A nova era dos eventos

Abalado pelas medidas de isolamento, o setor de eventos corporativos acelera tendências desenhadas antes da pandemia – e se reinventa na retomada das atividades


Paulo César Teixeira
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por bem2030

Em dezembro de 2017, o Banco Santander reuniu 40 mil pessoas no Allianz Parque – estádio do Palmeiras, em São Paulo – para a festa anual de confraternização com os colaboradores. Durante seis horas, a multidão foi servida com 24 mil hambúrgueres, 22 mil cachorros-quentes e 30 mil pizzas, além de 145 mil latas de cerveja e 70 mil garrafas de água mineral. O cardápio animou a espera pelos shows de Ivete Sangalo e Fafá de Belém, ponto alto da maior reunião corporativa realizada até então no Brasil. “Não faz tanto tempo, mas esse tipo de evento provavelmente não vai mais acontecer”, acredita Sérgio Junqueira, presidente da Academia Brasileira de Eventos e Turismo. A previsão não leva em conta apenas os protocolos de distanciamento social, adotados para conter o avanço da Covid-19. Antes da pandemia, a indústria de eventos – que representa 5% do PIB do País, movimentando de R$ 1 trilhão ao ano – já buscava se reinventar. E as tendências incluíam eventos de menor porte, já que implicam menos custos e mais sustentabilidade. Além disso, facilitam o direcionamento de conteúdos para públicos específicos.

A mudança não é sem motivos. Os participantes, afinal, sentem-se privilegiados quando são alvos de atenção especial. “Antes, trabalhávamos no limite. Quanto mais gente, melhor. Era o que os organizadores buscavam e também o que os patrocinadores queriam”, diz Fátima Facuri, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc). “Só que, quando as atividades forem retomadas, não será mais como antes.” Até porque a quantidade de participantes de feiras, congressos e festas corporativas é apenas uma das métricas utilizadas para avaliar o retorno do evento. “Nem sempre o retorno é financeiro”, afirma Eduardo Murad, diretor-executivo da Associação Latino Americana de Gestores de Eventos e Viagens Corporativas (Alagev). “Há também o retorno de experiência e de engajamento, que não podem ser desprezados.”

Tábua de salvação online

É verdade que a tecnologia já era presente em ações de suporte, como no pagamento de inscrições com plataformas digitais bancárias ou na aplicação de QR Code para reduzir filas de credenciamento. A diferença é que, como nunca antes, esses recursos estão cada vez mais dirigidos à geração de conteúdo. Efeitos de holografia, por exemplo, colocam em cena palestrantes que podem estar fisicamente a milhares de quilômetros de distância. Sites imersivos e recursos de realidade aumentada, por sua vez, permitem a projeção de objetos virtuais no ambiente do consumidor em potencial.

Cada um na sua tela: o mercado dos eventos online deve crescer 10 vezes na próxima década. Para 2030, a cifra deverá atingir R$ 774 bilhões

Afora isso, mudanças aparentemente banais denotam significados que reforçam conceitos e posicionamentos perseguidos pela indústria do setor. Exemplos? A troca de blocos de anotações por tablets não só facilita o acompanhamento das reuniões como fortalece propósitos de sustentabilidade – afinal, a aposentadoria das folhas de papel poupa árvores ameaçadas pelo desmatamento. De outra parte, as vantagens da substituição de regalos físicos por digital swag bags (presentes digitais, como cupons ou códigos de desconto para compras online) vão além da simplificação de logística de transporte e manuseio de sacolas ou embalagens. A alteração também ajuda o promotor a conhecer as preferências dos consumidores a partir das escolhas feitas no resgate dos brindes digitais. “Para aumentar o engajamento, temos que saber quem é o participante. Essa preocupação deve estar presente antes, durante e depois do evento, já que será aconselhável mantê-lo conectado à marca após a experiência”, sustenta Murad.

Com a quarentena imposta pela pandemia, “o que era para acontecer em cinco anos se concentrou em 2020”, analisa Facuri, da Abeoc. Na indústria de eventos, a tecnologia foi uma verdadeira tábua de salvação. Graças às plataformas de videoconferência foi possível realizar feiras, congressos e seminários online. Se antes isso era só uma possibilidade, durante a pandemia foi a única alternativa, ressalta Pedro Góes, CEO da InEvent, que promove eventos corporativos virtuais com até 100 mil pessoas simultâneas. Eis a principal vantagem do formato digital: o crescimento da plateia em dimensões pouco exploradas até então.

“Para aumentar o engajamento, temos que saber quem é o participante. Essa preocupação deve estar presente antes, durante e depois do evento.”

Eduardo Murad
—— diretor-executivo da Alagev ——



Tempos desafiadores

Neste cenário, não surpreende que as ações de empresas de videoconferência – como a Zoom, que valorizou 700% ao longo de 2020 – sigam em alta no mercado financeiro. A explicação está no crescimento de 3.000% da quantidade de usuários das chamadas de vídeo em apenas quatro meses. “No final de dezembro de 2019, o número máximo de participantes em nossas reuniões diárias, tanto gratuitas como pagas, em nível global, era de cerca de 10 milhões. Em março de 2020, atingimos 200 milhões e, em abril, superamos a marca de 300 milhões”, relata Alfredo Sestini, líder de Vendas Corporativas para a América Latina da Zoom. Concorrentes como Google Meet e Microsoft Teams também surfaram o tsunami das reuniões virtuais no mundo corporativo, ao passo que Messenger e WhatsApp criaram mecanismos para ampliar o limite de pessoas com participação simultânea em videoconferências.

Nada indica que o uso massivo do vídeo em eventos corporativos seja limitado à vigência da pandemia. Segundo um estudo da Grand View Research, empresa de pesquisa com sede em San Francisco (EUA), os valores movimentados no mercado de eventos online crescerão quase dez vezes na próxima década. Em 2020, a expectativa é que cheguem a US$ 78 bilhões. Para 2030, a cifra deverá atingir R$ 774 bilhões, com taxa anual de retorno do valor investido (CAGR), um dos principais indicadores para analisar a viabilidade de investimentos, na ordem de 23,2%. “As lives e os eventos virtuais são tendências que se aceleraram e vão continuar crescendo mesmo depois do surgimento de uma vacina para a Covid-19”, diz Jonas Matone, gerente de marketing da Bem Promotora. Para ele, uma série de inovações ainda está por vir.

Embora a reação dos organizadores tenha sido migrar para o virtual, logo se percebeu que a febre de lives, videoconferências e webinares era insuficiente para intensificar e personalizar a experiência das pessoas. Por isso,
eles agora buscam novas formas de engajar o público, mesmo que ele esteja dentro de casa.

A criatividade, aqui, é indispensável. Segundo o Financial Times, algumas empresas proporcionaram “happy hours virtuais”, enviando às casas dos convidados coquetéis que são deixados à soleira da porta. Há casos de refeições completas enviadas para jantares online, saboreados simultaneamente à reprodução do evento pela tela do computador ou do smartphone. Em última instância, vouchers chegam ao endereço residencial para que a pessoa escolha, ela própria, o prato predileto por meio do serviço de entrega de comida.

Mas nem sempre o delivery é gastronômico. Também há quem envie equipamentos de realidade aumentada e virtual. Assim, os participantes podem fazer um tour online por novas instalações de uma fábrica ou conferir, em detalhes, as atrações de um salão de automóveis – sem nem sequer levantar do sofá.

“Em termos de avanço tecnológico, o que era para acontecer em cinco anos se concentrou em 2020 por conta da pandemia.”

fátima facuri
——- presidente da Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc) ——-



A volta do aperto de mão

Executivos como Fátima Fecuri, da Abeoc, não demonstram entusiasmo com a hipótese de tornar perenes essas soluções criativas impetradas em meio à pandemia. “São alternativas válidas para o atual momento, não definitivas”, diz. “Quando chegar a hora de retomar para valer as atividades, com públicos significativos, ninguém vai conseguir entregar milhares de kits na casa das pessoas. Imagina a logística que seria necessária.”

Nova sinfonia: quarteto de cordas do Liceu Ópera Barcelona toca para 2.292 vasos de plantas. Os humanos também apreciaram o concerto, mas pelo YouTube

O que anima o setor é que, na China, após a retomada das feiras presenciais em grande escala, a quantidade de expositores e visitantes voltou a crescer. Em países como a França, porém, a autorização à realização de eventos de até 5 mil pessoas foi revogada após a ameaça de uma segunda onda da doença. A falta de previsibilidade é um indicativo de que o alerta seguirá aceso por um longo período. No Brasil, ainda que em alguns estados e municípios haja boas perspectivas de liberação dos eventos de maior envergadura, não se pode descartar um eventual recuo das autoridades logo ali adiante. “Isso é um grave problema, já que é necessário tempo para se botar um evento em pé. Não se pode correr risco de cancelamento no meio do caminho”, argumenta Fecuri.

De qualquer modo, todos os caminhos (a curto e médio prazos) levam aos eventos híbridos. São aqueles em que uma parte é realizada de forma online e a outra no modo presencial, com público reduzido. No caso de treinamento e capacitação de funcionários, poderá haver uma alternância de formatos conforme o objetivo das ações, segundo o presidente da Academia Brasileira de Eventos e Turismo, Sérgio Junqueira. “Antes, as empresas reuniam colaboradores em algum canto do Brasil para realizar um simples treinamento. Isso não será mais necessário com a opção do formato virtual. Mas, para eventos de motivação, que implicam criar empatia e passar confiança, o contato pessoal ainda será imprescindível.”

Apesar das incertezas, há um consenso entre os promotores de que o elemento presencial jamais será abolido. “Não há como fazer um evento de gastronomia sem degustação ou o lançamento de um cosmético sem que o consumidor sinta o aroma do produto”, preconiza Facuri, da Abeoc. Eduardo Murad, da Alagev, observa que ainda não foi inventado um recurso tecnológico capaz de substituir o olho no olho. Para ele, a conversa de corredor faz falta e o aperto de mão é carregado de simbologia. O networking presencial, pelo jeito, continuará vital para o mundo dos negócios. 


O agro cada vez mais tech

Tão dependente das feiras e exposições, agronegócio se volta para o digital 

A pandemia intensificou a aplicação de soluções digitais no agronegócio. Um exemplo é a John Deere Conecta, plataforma digital que não se limita a exercer o papel de vitrine virtual da multinacional de máquinas e implementos agrícolas. Além de uma visão completa do portfólio empresa, a plataforma abre espaço para chats com concessionários e gera cupons de desconto nos produtos e consultas de financiamento. O hub interativo também apresenta palestras de especialistas e propicia soluções de pós-venda. “Para se ter ideia, em junho, que marcou o primeiro mês de utilização da ferramenta, já haviam sido contabilizados 320 mil acessos e vendas de 300 equipamentos, entre colheitadeiras, plantadeiras, kits de piloto automático e até lançamentos do ano, a exemplo do trator 6M e da pulverizadora PLA. Além disso, 2,8 mil sessões de chat entre clientes e concessionários tinham sido abertas no período”, diz Kelly Nakaura, gerente de Marketing e Comunicação da John Deere para América Latina.

Após a pandemia, a ferramenta digital não será deixada de lado. Por sinal, a ideia está sendo exportada – no total, dez países latino-americanos já contam com o portal e suas facilidades. Já o calendário de 2020 do agronegócio, como era de se esperar, também aderiu ao formato digital. É verdade que algumas feiras agropecuárias foram transferidas para 2021, como a Agrishow, principal evento de tecnologia agrícola da América Latina, em Ribeirão Preto (SP), e a Febratex, o maior encontro de negócios da indústria têxtil, em Blumenau (SC). Contudo, o próprio Congresso Brasileiro do Agronegócio, promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), saiu em modelo virtual em agosto, a exemplo de feiras como Expointer (RS), Agrobrasília (DF) e Coopercitrus (SP). No caso da ExpoGenética, que reúne criadores de zebu em Uberaba (MG), a adesão à internet propiciou aumento de 20% no faturamento em relação à edição de 2019. “Estamos convencidos de que, se tivesse sido presencial, este crescimento seria de apenas 10%”, admitiu Rivaldo Machado Borges Jr., presidente da entidade que organiza a ExpoGenética.


Efeito cascata

A suspensão e o cancelamentos de eventos abalou toda uma cadeia – da aviação à decoração

Pesquisas mostram que o setor de eventos foi um dos mais atingidos pelos efeitos da Covid-19. Conforme o Sebrae, 98% das promotoras e organizadoras sofreram impacto com a pandemia. Com isso, de acordo com dados da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), mais de 3 milhões de pessoas ficaram sem trabalho no país. Para se medir o estrago, é preciso levar em conta que cerca de 50 segmentos econômicos estão indiretamente vinculados à organização de eventos. Isso inclui centros de convenção, empresas de gastronomia, montagem de palcos e estandes, serviços de iluminação, som, filmagens e produção fotográfica, além de decoração, cenografia, limpeza, segurança e transporte.

Outro setor abalado é o turismo corporativo, que perdeu 36% de suas receitas no primeiro semestre de 2020, conforme pesquisa da Associação Latino-Americana de Gestores de Eventos e Viagens Corporativas. Embora sejam responsáveis por apenas 10% das passagens, as pessoas que viajam a negócios geram metade do faturamento das companhias aéreas em nível mundial, pois costumam adquirir bilhetes mais caros. Esse público também representa cerca de 70% das diárias de grandes redes de hotéis, como Marriott e Hilton.

A exemplo do setor de eventos, também o turismo corporativo corre atrás de ajustes – a ordem é fazer mais com menos. Medidas corriqueiras como a compra de passagens com antecedência para ganhar descontos deverão ser adotadas com frequência. Outro questionamento a ser feito é se há necessidade de enviar três ou quatro executivos para uma rodada de negócios quando apenas um pode ser suficiente. “Os gestores que cuidam das viagens dentro das empresas deverão ganhar cada vez mais protagonismo”, diz Eduardo Murad, da Alagev.


Principais tendências dos eventos corporativos

O digital, o pós-evento e a personalização vão crescer, mas não irão substituir o olho no olho

  • Transmissão online
  • Formato híbrido (digital + presencial)
  • Uso de tecnologia na geração de conteúdo
  • Eventos de menor porte
  • Intensificação e personalização da experiência
  • Busca de engajamento antes, durante e após o evento

Publicado na 2ª edição da Revista 20/30. Baixe a versão digital aqui.

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