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Domenico De Masi: A vida em 2030

O sociólogo e futurista italiano Domenico de Masi lança seu olhar anos à frente – e tenta projetar como evoluirão algumas das tendências que pautam a realidade atual


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por obile

Nos primórdios da sociedade industrial, em 1750, os habitantes da Terra eram 790 milhões. Em seu declínio, em 1950, eram 2,5 bilhões. Hoje, somam 8 bilhões. Nesse meio-tempo, a Índia, a China e o Brasil tornaram-se três protagonistas na cena planetária. Na vida de cada cidadão de países industrializados, a quantidade de tempo livre superou muito a quantidade do trabalho. Na paisagem urbana, o prédio da bolsa toma o lugar da fábrica como símbolo de progresso e como fonte de riqueza. E a riqueza, por sua vez, tornou-se infinitamente mais rápida – seja em seu criar-se, seja em seu dissipar-se. Mas o que acontecerá no futuro próximo? Vamos tomar como referência o ano de 2030 para tentar entender como evoluirão as principais tendências – um cenário construído pelo autor com base em múltiplas fontes. 

Meio ambiente: bem-estar e sobrevivência 

A crise ambiental e as desigualdades sociais estarão entre os maiores desafios em 2030. Como o equilíbrio ecológico já foi comprometido em larga escala, cada desenvolvimento adicional pode se mostrar insustentável. Mas dificilmente os países ricos chegarão a um acordo para dar uma marcha à ré capaz de reduzir os níveis de consumo sem prejudicar os níveis de felicidade. Como os países pobres elevarão seus consumos, em 2030 serão necessários três planetas como a Terra para garantir aos seres vivos o necessário espaço biorreprodutor. O aumento do calor, provocado pelo desmatamento e pela intensificação dos gases de efeito estufa, fará com que 200 milhões de pessoas migrem por motivos climáticos. 

Saúde: anos e quilos a mais 

Em 2030, a população mundial será superior aos atuais 8 bilhões: não apenas bocas famintas, mas também cérebros pensantes, escolarizados e interconectados. Desse total, 5 bilhões viverão nas cidades. Poderemos viver até 788 mil horas em relação às 727 mil atuais. São quase sete anos a mais. Viverão mais tempo as pessoas mais escolarizadas e com relações sociais mais intensas. Haverá 1 bilhão de obesos; a obesidade crônica reduz a vida em 10 anos. A Aids e muitos tipos de câncer serão debelados; a fecundação artificial e a clonagem humana estarão em pauta; os cegos poderão ver através de aparatos artificiais. Os idosos com mais de 65 anos serão 910 milhões em relação aos 420 milhões atuais. A maioria das pessoas envelhecerá apenas nos últimos dois anos de vida, durante os quais os gastos com a farmácia serão equivalentes ao valor usado para comprar remédios em todos os anos anteriores. Os conceitos de paternidade, maternidade, parentela e filiação serão mais incertos. Graças ao gene-editing, poderemos evitar anomalias físicas. Graças à farmacologia, poderemos inibir nossos sentimentos, aguçá-los, simulá-los, combiná-los. 

Mulheres: enfim, o matriarcado 

Em 2030, as mulheres viverão três anos a mais que os homens. Nos EUA, elas controlarão dois terços de toda a riqueza. As mulheres serão 60% dos estudantes universitários, 60% dos formados nas universidades e 60% de pessoas com mestrado. Muitas mulheres se casarão com homens mais jovens do que elas. Muitas terão um filho sem ter marido, enquanto aos homens ainda não será possível ter um filho sem ter esposa. Por tudo isso, as mulheres estarão no centro do sistema social e se sentirão tentadas a administrar seu poder com a dureza que chega a elas pelas injustiças sofridas nos 10 mil anos precedentes. Os “valores femininos” (estética, subjetividade, emotividade, flexibilidade) terão colonizado os homens também. Em termos de estilo de vida, se difundirá a “sexual fluidity”, a pansexualidade e a androginia. 

Tecnologia: bits acelerados 

Em 2030, muitos carros serão elétricos ou funcionarão à base de hidrogênio, e serão teleguiados. A duração dos bens de consumo será maior do que a atual. Pela Lei de Moore, a potência de um microprocessador dobra a cada 18 meses. Isso significa que, atualmente, um chip é cerca de 70 bilhões de vezes mais potente do que o chip dos anos 1970, e que em 2030 será centenas de bilhões de vezes superior ao atual. O século 21 será marcado pela engenharia genética, com a qual derrotaremos muitas doenças; pela inteligência artificial, com a qual substituiremos muito trabalho intelectual; pelas nanotecnologias, com a qual os objetos se relacionarão entre eles e conosco; pelas impressoras 3D, com as quais construiremos uma série de objetos para casa. Será produzida carne de frango e de porco sem a necessidade de matar animais, mas a partir de suas células. Apenas duas empresas manipularão todas as sementes. 

Inteligência artificial: eles poderão sentir 

Graças à informática afetiva, os robôs serão dotados de empatia. Os computadores serão capazes de realizar todas as funções repetitivas, muitas funções flexíveis, algumas atividades criativas. Poderemos levar num bolsinho todas as músicas, os filmes, os livros, a arte e a cultura do mundo. Restará o problema de como passar esse patrimônio do bolso ao cérebro. A inteligência artificial poderá resolver problemas com demonstrações incompreensíveis ao ser humano. Com mil dólares poderemos comprar a potência equivalente a um cérebro humano. O conceito de privacidade tenderá a desaparecer. Será quase impossível esquecermos, nos perdermos, nos entediarmos. 

Economia: o dragão chega ao topo  

O PIB per capita no mundo, que hoje é de US$ 10 mil, em 2030 será de US$ 15 mil. Os consumidores serão um bilhão a mais. A classe média representará 50% da população mundial. É provável que o Ocidente reduza em 15% seu poder de compra. Atualmente, os oito mais ricos do mundo pela Forbes possuem a mesma riqueza de meia humanidade. A renda do mundo já supera US$ 65 trilhões. De acordo com o relatório da ONU sobre o desenvolvimento humano, bastariam US$ 100 bilhões a cada ano para erradicar a fome do planeta. Se a cota de PIB destinada a remunerar o capital financeiro continuar a crescer, a riqueza se centralizará mais ainda, com desastrosas consequências econômicas, ecológicas e sociais. O Primeiro Mundo manterá a primazia na produção de ideias, mas conseguirá saquear os países pobres cada vez menos. Os países emergentes produzirão sobretudo bens materiais. O Terceiro Mundo fornecerá matérias-primas e mão de obra. A União Europeia continuará o maior bloco econômico, com a melhor qualidade de vida. A China terá um PIB superior ao PIB dos Estados Unidos, terá as maiores reservas monetárias, será o maior comprador de carros e o principal produtor de reverse innovation. Terá também os maiores bancos do mundo e 15 megalópoles com mais de 25 milhões de habitantes. Ao lado dos BRICS, (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), emergirão Colômbia, Indonésia, Vietnã, Egito e Turquia. Em todos esses países aumentarão os consumos e a poluição. Na manutenção doméstica e na produção energética se destacará o “faça você mesmo”. 

Tempo livre: um esforço para o ócio 

Em 2030, cada pessoa terá diante de si 66 anos, o equivalente a 580 mil horas de vida. Dedicará 58 mil horas ao trabalho (10% do total); 200 mil horas ao cuidado com o corpo (sono, care etc.); 120 mil horas a formação; 200 mil horas (o equivalente a 8300 dias e a 23 anos) a qualquer outra coisa que não seja trabalho, cuidado com o corpo e formação. Como ocupá-las? Como evitar o tédio e a depressão? Como crescer intelectualmente? Aumentará a violência ou a paz social? A diferença será determinada pelo nível de cultura e de curiosidade intelectual. Portanto, precisamos nos modelar ao tempo livre desde hoje, mais do que hoje costumamos nos modelar ao tempo de trabalho. 

Ética: a era da transparência 

Em 2030, o mundo será mais rico, mas continuará desigual. Hoje, uma vaca leiteira na Europa recebe um subsídio de US$ 913, enquanto um habitante da África subsaariana recebe US$ 8. Apesar do fenômeno do mainstream, a visibilidade das desigualdades alimentará movimentos e conflitos. Por outro lado, 70% dos profissionais trabalharão no setor terciário, onde a confiabilidade dos serviços e a qualidade deles constituem uma primeira vantagem competitiva. A ética dos profissionais constituirá seu requisito mais apreciado. Assim como a sociedade industrial foi mais honesta e transparente que a rural, a sociedade pós-industrial será mais honesta que a sociedade industrial. Portanto, quem quiser ter sucesso deverá ser um cavalheiro. 

Cultura: infinitos particulares 

Em 2030, 75% de toda a população mundial falará apenas cinco línguas: mandarim (1,4 bilhão), inglês (1,4 bilhão), espanhol-português (865 milhões), híndi (487 milhões) e russo (370 milhões). A homologação global prevalecerá sobre a identidade local. Os Estados-nação serão cada vez menos importantes do que a biosfera. No entanto, cada um tenderá a diversificar-se dos outros em relação aos desejos, aos gostos, aos comportamentos individuais. A cultura digital substituirá a cultura analógica. A invasão das tecnologias excluirá a exigência humana de criatividade, estética, ética, colaboração, pensamento crítico e problem solving. Sobretudo no Terceiro Mundo, o Washington consensus (mercado + pluralismo + liberdade) será insidiado pelo Beijing consensus (“socialismo de mercado” + partido único + autoritarismo). A África será o continente com o maior número de monoteístas (640 milhões de cristãos e 700 milhões de islâmicos). A instrução será entendida como formação permanente e ocupará uma parte cada vez mais consistente da vida. A maior produção e transmissão do saber se desenvolverá de acordo com o critério de “muitos por muitos”, como já acontece em plataformas como Wikipedia e Facebook. Criatividade, empatia e coragem serão as qualidades mais exigidas. 

Trabalho: pós-modernidade em marcha 

Estamos, portanto, em plena transição para a conclusão da sociedade pós-industrial, na qual prevalecem a atividade terciária, o tempo escolhido, o sujeito individual, os gostos pessoais, a família “longa” (na qual os filhos continuam por muitos anos na casa dos pais), as empresas marketing oriented, o trabalho criativo, o descentramento, o trabalho remoto, a produção em série de pequenas séries, a organização flexível, os sistemas múltiplos de comando. De hoje a 2030, o progresso tecnológico e a produtividade do trabalho continuarão a crescer rapidamente. O efeito conjunto da Lei de Moore, do reconhecimento vocal, das plataformas, das nanotecnologias, da robótica e da inteligência artificial implicará um veloz jobless growth com a perda de um número consistente das atuais vagas de emprego não substituídas por novas vagas. A China será a maior fábrica e a Índia o maior escritório do mundo. 

Criativos: o fim dos limites 

Os profissionais criativos (50% dos empregados) ocuparão a parte central do mercado, mais garantida e melhor remunerada. Eles se exprimirão sem horário nem sede, por meio de uma atividade que podemos chamar “ócio criativo”, na qual trabalho, estudo e diversão se confundem, se desestruturam no tempo e no espaço, se feminizam, se organizam por objetivos, são fecundados pela motivação. 

Precarização: no liminar da crise 

Trabalhadores operários (25%) e administrativos (25%) terão menores garantias e atuarão por até 60 mil horas em toda a vida. Riqueza, saber, poder e oportunidade ficarão concentrados em poucas mãos. Será cada vez mais necessário redistribuí-los para frear injustiças e conflitos. Se o trabalho executor não for redistribuído, o desemprego aumentará e crescerá o número de pessoas Nem-Nem (nem estuda-nem trabalha). Assim, o consumo cairá e aumentarão os conflitos sociais.  

* Trecho do livro O trabalho no século XXI: Fadiga, ócio e criatividade na sociedade pós-industrial, publicado em 2022 pela editora Sextante 

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