O Rio Grande do Sul viveu movimentações intensas ao longo dos primeiros meses de 2024. O alerta da AI Climate Equity, um sistema preditivo de trans- tornos climáticos, chegou à mesa das autoridades gaúchas ainda no começo do ano e serviu como base para a adaptação dos aparatos de drenagem e de contenção de cheias que foram conduzidos pelo estado, em paralelo à migração de populações ribeirinhas. O cenário desenhado pela plataforma simulou o impacto da grande concentração de chuvas que chegaria no fim de abril, permitindo a rápida tomada de decisão. A tecnologia foi criada pela startup espanhola Mitiga e com- bina inteligência artificial (IA), Big Data e supercomputação para traçar panoramas de risco – como enchentes devastadoras.
O AI Climate Equity existe de fato, mas não faz parte do arsenal de defesa climática de nenhum governo brasileiro. Se o parágrafo acima fosse verdadeiro, talvez o Rio Grande do Sul pudesse ter se preparado para abrandar os reflexos da maior tragédia ambiental de sua história. Daqui em diante, ferramentas assim irão se tornar essenciais em uma sociedade que precisa de novas tecnologias para frear ou driblar o evidente e as- sustador processo de reconfiguração do planeta.
A discussão sobre os possíveis efeitos da crise climática já ficou no passado. Não há mais dúvidas sobre isso. Agora, a única solução é execu- tar, de forma rápida e eficiente, a tran- sição para o novo cenário climático. É uma missão exigente e dispendiosa, que depende de mudanças estrutu- rais e culturais, em que a tecnologia será a nossa maior aliada.
Em um conjunto de relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2023, cientistas do mundo inteiro concordaram que limitar o aumento da temperatura do planeta a no máximo 1,5ºC acima da média da era pré-industrial será fundamental para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas e preservar condições habitáveis. No entanto, segundo os atuais planos climáticos, até o final do século o aquecimento global poderia chegar a 3,2ºC. Conforme o Climate Tech Report 2024, produzido pela Dealroom, 2023 foi o ano com a maior temperatura registrada, alcançando um aumento próximo do limite de 1,5ºC. Já fevereiro de 2024 foi o mês mais quente do histórico de medições: 1,8 ºC acima das tempera- duras atingidas na era pré-industrial.
O aumento expressivo da tem- peratura é o estopim de uma situa- ção que coloca em xeque a própria sobrevivência do planeta. Escassez de água, derretimento das calotas polares, incêndios devastadores, tempestades violentas, enchentes e degradação da biodiversidade são consequências que já estamos viven- do e podem se intensificar a ponto de tornar as condições absolutamente hostis para a nossa existência.
Se as mudanças são alarmantes, saber conduzir a transição climática com eficiência e rapidez é uma de- manda inadiável. Em essência, transição climática significa abandonar um modelo econômico e produtivo que tem como pilar as emissões de gases de efeito estufa (GEE), com impactos nocivos à saúde do planeta, para as- sumir um modelo menos dependente de combustíveis fósseis e, portanto, mais responsável com o ambiente.
O PARADOXO DA IA
Em teoria, os modelos tecnológicos baseados em dados preditivos seriam um dos pilares para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, e ninguém faz isso melhor do que a IA. Então ela será nossa principal parceira para um futuro ambientalmente mais seguro, certo? Infelizmente, não é bem assim. Pouco amigáveis ao meio ambiente, as IAs atuais são mais um problema do que parte da solução.
Para Gustavo Macedo, professor de IA do Instituto de Ensino e Pesqui- sa (Insper) e do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec), há duas formas de se pensar o papel da IA no combate às mudanças climáticas: enquanto meio e enquanto fim. Em primeiro lugar, é possível pensar na IA oferecendo soluções para otimizar as atividades econômicas a fim de di- minuir o impacto ambiental, a pegada de carbono, o consumo energético e o desenvolvimento de materiais noci- vos ao meio ambiente. Nessa visão, a IA agrega sustentabilidade.
Também existe a crença de que a IA pode ajudar no desenvolvimento de soluções que contribuam para a mitigação das mudanças climáticas – por exemplo, através de sistemas de monitoramento e combate a incên- dios, despoluição das águas, replantio e revitalização de áreas degradadas. “As duas coisas podem caminhar jun- tas. Ou seja, é possível pensarmos em uma IA que nos ajude a tornar nossas atividades tradicionais mais susten- táveis ao mesmo tempo em que ela é empregada para o desenvolvimento de soluções inovadoras.”
Antes dos possíveis benefícios, no entanto, há um sério obstáculo na relação entre IA e transição climática. Cerca de 40% das emissões de carbo- no do mundo derivam da produção de energia elétrica, consumo que deve crescer devido à alta demanda das IAs. A exigência de energia elétrica dos data centers, por exemplo, fez com que as emissões de carbono do Google subissem 49% em 2023, na comparação com 2019, chegando a 14,3 milhões de toneladas de carbo- no equivalente. A Microsoft avalia que suas emissões aumentaram 30% des- de 2020. São números que se opõem ao compromisso assumido pelas big techs de zerar suas emissões até 2030. Se aquela que deveria ser nossa principal aliada está jogando contra, então significa que não há saída?
“Não vamos exagerar com isso.” Esse foi o comentário de Bill Gates, meses atrás, sobre a preocupação com o consumo de energia pelos sistemas de IA. Para o ex-CEO da Mi- crosoft, as inovações a serem obtidas com a IA vão compensar com folga essa demanda extra de energia. O problema é que a recompensa ainda não é mensurável, enquanto a ques- tão climática é urgente.
Conforme Gustavo Macedo, não há uma solução fácil para este dile- ma. “Atualmente, o maior gargalo in- fraestrutural para a expansão da IA é energético. Nesse sentido, a IA do presente é altamente insustentável. Ela consome muito mais recursos na- turais do que protege.” Com o desen- volvimento e utilização da IA em forte tendência de crescimento nos próxi- mos anos, a solução é buscar novas matrizes de energia, pois as fontes tradicionais, como combustíveis fós- seis, hidroenergia, energia nuclear, eólica ou solar, possuem suas pró- prias restrições – sejam ambientais, de custos ou de riscos. “Enquanto não desenvolvermos e baratearmos no- vas soluções energéticas, estaremos acelerando nosso próprio fim.”
MOVIDO A UNICÓRNIO
Para começar a reverter esse cenário potencialmente catastrófico, o ponto de partida está bem claro: diminuir as emissões de carbono, 90% das quais vêm de combustíveis fósseis. E aí reside outro dilema. Em proporção, nas últimas décadas o consumo de energia com base em combustíveis fósseis vem caindo. Paradoxalmente, no entanto, a situação é cada vez mais preocupante. A relação apresenta- da hoje é de 80% de base fóssil, com tendência de queda, e 20% de energias renováveis. A demanda global por energia, entretanto, vem crescendo tão rapidamente que o acréscimo de fontes renováveis não acompanha o ritmo, e esta diferença precisa ser complementada com o uso de mais combustíveis fósseis.
Para começar a reverter esse cenário potencialmente catastrófico, o ponto de partida está bem claro: diminuir as emissões de carbono, 90% das quais vêm de combustíveis fósseis. E aí reside outro dilema. Em proporção, nas últimas décadas o consumo de energia com base em combustíveis fósseis vem caindo. Paradoxalmente, no entanto, a situação é cada vez mais preocupante. A relação apresentada hoje é de 80% de base fóssil, com tendência de queda, e 20% de energias renováveis. A demanda global por energia, entretanto, vem crescendo tão rapidamente que o acréscimo de fontes renováveis não acompanha o ritmo, e esta diferença precisa ser complementada com o uso de mais combustíveis fósseis. Em 2023, pela primeira vez, o mundo consumiu mais de 100 milhões de barris de petróleo
por dia – e a estimativa da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) é que chegue a 110 milhões de barris diários até 2030, subindo mais 16,5% até 2045.
Com tanto carbono sendo liberado na atmosfera, a empresa suíça Climeworks resolveu transformá-lo em pedra. Em maio, a companhia iniciou as operações da Mammoth, a maior usina de captura de carbono do mundo, na Islândia. A planta utiliza energia geotérmica e tem capacidade para capturar e armazenar até 36 mil toneladas de dióxido de carbono por ano, 10 dez vezes mais que o projeto anterior da empresa. O processo envolve a captura de carbono direto do ar, sendo dissolvido em água e injetado no solo para se misturar a formações de basalto, onde é armazenado permanentemente. Apesar da tecnologia inovadora, o impacto da Mammoth é ínfimo: a usina captura 1% das emissões da Islândia, um dos menores países do mundo, que chegam a 3,5 milhões de toneladas de carbono por ano.
Em meio ao preocupante panorama, uma boa notícia: a humanidade já tem expertise. Trocar suas matrizes energéticas prioritárias não é exatamente uma novidade para nós. De tempos em tempos, a humanidade se viu impelida a substituir a maneira como obtém energia – como na transição da força animal para um modelo industrial. E foi através do uso de combustíveis fósseis, adotados em larga escala na era industrial, que se chegou ao patamar atual de civilização. Ao mesmo tempo, insistir neste modelo é o que pode decretar o nosso fim – ou, pelo menos, estabelecer condições muito exigentes de sobrevivência. Conduzir esta transição é um desafio complexo, pois demanda uma transformação social, econômica e tecnológica.
O escopo de negócios da Nextron é totalmente compatível com a necessidade de migrar para matrizes energéticas mais benéficas ao planeta. A energytech brasileira desenvolveu um marketplace para conectar geradores de energia solar com os consumidores. Mercado ainda incipiente no país, nos próximos anos o segmento de energia distribuída pode permitir o ingresso de significativa parcela da população no modelo de portabilidade, migrando para o consumo de energia solar. Com um modelo de oferta por assinatura, a Nextron permite a conexão entre usinas geradoras de energia solar e os clientes com contas que superam 200 reais – os consumidores adquirem até 20% em descontos, e os provedores de energia usam o retorno do capital investido para desenvolver as fazendas de placas solares. Há cerca de três anos atuando no mercado, em março o negócio criado por Ivo Pitanguy e Roberto Hashioka garantiu um aporte de R$ 26 milhões, que serão usados para impulsionar a startup a ganhar escala e levar seu negócio para todo o país – atualmente, a Nextron atende 12 estados. O objetivo inicial é alcançar mais de 50 mil clientes.
O processo de transição climática é abrangente. Inclui não apenas setores fundamentais como energia, transporte, agricultura, indústria e construção, mas a própria forma de consumir energia, fabricar bens, produzir alimentos e conceber e organizar infraestruturas e cidades. Em termos culturais, é um processo inclusive antipático: conforme a economia se desenvolve, é natural que se busque mais conforto, o que implica em um consumo maior (e mais fácil) de energia.
Além do impacto ambiental, há também o prejuízo econômico. Conforme estudo publicado pela revista Nature, as mudanças climáticas vão levar o mundo a sofrer prejuízos de cerca de R$ 300 trilhões nos próximos 26 anos, o que significa uma redução de 19% na economia mundial até 2049, levando em conta o valor de danos à infraestrutura, propriedades, agricultura e saúde humana.
A questão econômica aponta para outro aspecto sensível: não vai existir transição climática se não houver financiamento. As mudanças necessárias para reduzir as emissões e promover a adaptação aos impactos
climáticos são muito dispendiosas – para governos, empresas ou mesmo usuários. Dessa forma, um papel decisivo será assumido pelas startups, justamente porque sua natureza é desenvolver negócios economicamente viáveis, concebidos para ganhar escala.
Diretora de Programas Especiais para Comunidades e Ecossistemas da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Cláudia Schulz salienta que a estrutura mais enxuta e dinâmica das startups permite que elas adotem e testem rapidamente novas soluções, o que facilita a chegada dessas tecnologias ao mercado de forma mais eficiente. “Além disso, as startups são mais propensas a assumir riscos ao desenvolver tecnologias disruptivas, ajustando rapidamente seus modelos de negócio conforme o feedback do mercado, o que pode acelerar a transição para uma economia mais sustentável.”
No entanto, as startups que atuam no desenvolvimento de soluções climáticas também enfrentam uma série de desafios significativos. A escalabilidade de suas inovações é uma das principais dificuldades, pois transformar uma ideia local em uma solução global exige não apenas investimento, mas também parcerias estratégicas e uma rede de distribuição eficiente. “O financiamento é uma barreira crítica, dado que o desenvolvimento de tecnologias limpas frequentemente requer grandes investimentos iniciais”, analisa Cláudia Schulz. Neste ponto, a atuação dos “anjos verdes” mostra-se decisiva. São investidores-anjo, muitas vezes experientes, que buscam especificamente oportunidades de investimento em áreas que promovem impactos ambientais positivos, motivados ao mesmo tempo pela busca de retornos financeiros e pela responsabilidade social e ambiental. Além de aporte financeiro, os anjos verdes podem contribuir com expertise, conexões com o mercado e insights estratégicos.
Para Henrique Galvani, sócio-fundador e CEO da Arara Seed, pla
taforma de equity crowdfunding em startups do agronegócio, as startups têm uma capacidade única de acelerar a implementação de tecnologias limpas, devido à sua agilidade e por sua própria cultura. Enquanto grandes empresas muitas vezes enfrentam burocracias internas e processos lentos de tomada de decisão, as startups têm potencial para testar, adaptar e escalar soluções rapidamente. “Também têm mais flexibilidade para pivotar e adotar novas tecnologias que ainda estão em fase experimental. Além disso, startups tendem a se concentrar em resolver problemas específicos com mais foco.”
Nos últimos anos, cresceu de forma expressiva o número de negócios envolvendo startups verdes. Conforme números da PitchBook, no primeiro trimestre de 2024, o investimento em climatechs, empresas com foco em soluções climáticas, cresceu 38%, alcançando o equivalente a US$ 2,8 bilhões, indício de que a transição climática ocupa papel central no radar dos investidores. A estimativa do Smart Prosperity Institute é que, em 2030, o investimento global no setor de cleantechs alcance US$ 3,6 trilhões. No Brasil, o investimento em startups recuou 57% em 2023 (de US$ 4,4 bilhões para US$ 1,9 bilhão), mas apresentou crescimento de 39% no primeiro semestre de 2024, arrecadando US$ 721 milhões, segundo a Sling Hub, plataforma dedicada ao ecossistema de startups LatAm.
Existem diferentes denominações e classificações para as startups com viés ambiental, dependendo do enfoque tecnológico, cada uma direcionada a um segmento específico: climatechs, energytechs, carbontechs, marinetechs. O objetivo da plataforma Arara Seed é impulsionar soluções desenvolvidas pelas agtechs, startups voltadas para o segmento agrícola. “O sonho que queremos tornar realidade aqui é que a sustentabilidade não precisa estar em conflito com a lucratividade”, explica Henrique Galvani.
A FONTE DO DINHEIRO
No Acordo de Paris, assinado em 2015 por 195 países, foram estabelecidas três metas de longo prazo para enfrentar as mudanças climáticas. Enquanto as duas primeiras tinham como objetivo a mitigação e adaptação climática, a terceira falava sobre “tornar todos os fluxos financeiros coerentes com uma trajetória de desenvolvimento resiliente e de baixa emissão”. Portanto, além das políticas públicas, o setor financeiro tem papel fundamental para acelerar a transição climática, através do redirecionamento de capital para projetos sustentáveis, como energias renováveis, infraestrutura verde e tecnologias de baixa emissão de carbono.
Bancos e fundos de investimento, por exemplo, podem usar sua influência e capacidade de alocar recursos
de maneira estratégica para financiar iniciativas ambientalmente responsáveis, reconfigurando o fluxo de capital global e incentivando as empresas a se tornarem protagonistas na busca por uma economia de baixo carbono. Atualmente, iniciativas como a Net-Zero Asset Owner Alliance e a Net-Zero Banking Alliance já reúnem bancos e investidores comprometidos com zerar as emissões de carbono até 2050.
O volume de negócios acompanha a urgência climática: nos primeiros seis meses de 2024, fundos globais de capital de risco levantaram US$ 4,7 bilhões para investir em startups voltadas a soluções climáticas, conforme informações do Venture Capital Journal. A expectativa é que os investimentos nas climatechs superem com folga a soma dos dois anos anteriores: em 2023, o total captado chegou a US$ 5,2 bilhões, enquanto em 2022 foi de US$ 3,5 bilhões. Líder em investimentos, com US$ 1,4 bilhão de captação, o Decarbonization Partners conta em seu portfólio com sete empresas cujos negócios estão voltados para energias renováveis, captura, armazenagem e utilização de carbono, além de mobilidade e biotecnologia.
Em comum, as cleantechs buscam utilizar com responsabilidade os recursos naturais, minimizando o impacto ambiental dos negócios ao mesmo tempo em que buscam rentabilidade. Através de um modelo de agricultura vertical indoor que possibilita o cultivo mais sustentável de verduras, a canadense TruLeaf consegue desenvolver fazendas verticais simples, econômicas e fáceis de ganhar escala. A combinação de tecnologia hidropônica, água de reúso, iluminação LED e inteligência artificial permite reduzir drasticamente a pegada ecológica em relação aos sistemas de produção alimentar tradicionais.
Nas fazendas verticais da TruLeaf, o cultivo de hortaliças acontece em bandejas empilhadas, o que gera economia no uso de terra. Através de co
leta e reuso, a economia de água chega a 95%. O tempo para crescimento dos vegetais pode ser menos da metade do que é necessário para que se desenvolvam ao ar livre. E, como os alimentos podem ser cultivados próximo das cidades, é possível eliminar emissões de carbono originadas pelo transporte, conservar a qualidade das verduras e manter o suprimento das comunidades até em condições climáticas adversas.
Outro viés fundamental das startups verdes é a busca por mitigar os efeitos dos desastres climáticos, eventos que tendem a se tornar mais frequentes (e mais intensos) com as mudanças climáticas. A climatech brasileira Umgrauemeio vem alcançando avanços significativos para solucionar um problema que recentemente castigou grande parte do país: a prevenção de incêndios florestais e proteção ambiental. O software Pantera, plataforma integrada que usa inteligência artificial, emprega câmeras de alta tecnologia e algoritmos avançados para detectar (em apenas três minutos, em raio de até 15km) o surgimento de focos de fogo e atividades humanas em áreas florestais e plantações. Essa agilidade permite resposta imediata das equipes de brigadistas.
A primeira fase do projeto, iniciado em 2020, foi patrocinada pela JBS, a maior empresa de alimentos do mundo, com investimento de R$ 26 mi
lhões. Com uma rede de 130 torres de monitoramento, a Umgrauemeio tem potencial tecnológico para monitorar mais de 17,5 milhões de hectares em solo brasileiro – 2,2 milhões de florestas, 7,8 milhões de áreas nativas e 7,5 milhões de lavouras. Em 2021, a startup lançou o projeto “Abrace o Pantanal”, com o objetivo de monitorar 2,5 milhões de hectares do bioma.
A TRANSIÇÃO TAMBÉM É SOCIAL
Dentro do cenário de drásticas mudanças no planeta, a questão social ganha fundamental importância: a transição climática precisa ser justa. Conforme a Organização Mundial do Trabalho, até 2030 o processo para uma economia de baixo carbono pode proporcionar 103 milhões de novos postos de emprego. No entanto, a migração para matrizes energéticas renováveis também deve custar 78 milhões de vagas. O acréscimo de 25 milhões de empregos poderia ser motivo de otimismo, se não fosse o risco de que a substituição de matrizes energéticas prejudique determinadas comunidades, aumentando sua vulnerabilidade, como locais que dependem da extração de petróleo ou pequenos agricultores. Em novembro de 2023, a 28ª Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP 28) tinha entre suas metas “acelerar a transição energética justa”, com o objetivo de levar em consideração a forma como as comunidades serão afetadas devido à mudança de matrizes energéticas primárias.
O enfoque social e a missão de melhorar a qualidade de vida das comunidades rurais guiam as soluções criadas pela Agroforestry Carbon, que desenvolve projetos de agrofloresta para compensação voluntária de carbono junto a pequenos agricultores. A climatech, que também oferece soluções de descarbonização para empresas, já contribuiu para o financiamento do plantio de mais de 280 mil árvores, mapeadas através de geotecnologia. Por meio de rodada de crowdfunding realizada pela Arara Seed, em agosto a Agroforestry Carbon arrecadou R$ 1,1 milhão, valor que será revertido para a internacionalização e ampliação da empresa. “Através da agrofloresta, geramos oportunidades econômicas, promovemos a segurança alimentar e fortalecemos a autonomia dos agricultores. É uma revolução verde que beneficia a todos”, declarou Gabriel Neto, fundador da climatech, à revista Forbes.
PROTAGONISMO VERDE-AMARELO
No exigente processo rumo a um novo paradigma climático, o Brasil apresenta o papel de protagonista, destacando-se como líder em energia renovável no G20. Em 2023, o país alcançou a marca de 89% de sua eletricidade proveniente de matrizes renováveis, índice três vezes superior à média global, de 30%. O desempenho está baseado na vigorosa base hidrelétrica (responsável por 60% da geração no período) e também na rápida expansão de fontes eólica e solar, cujo crescimento em 2023 foi superado apenas pela China. Devido à diversidade e à riqueza de recursos, existe um grande potencial econômico que abrange setores como hidrogênio verde, energias renováveis e biocombustíveis, o que pode atrair um imenso volume de investimentos e capital voltados ao desenvolvimento de soluções ambientalmente responsáveis.
Em agosto, a empresa Be8, pertencente à holding ECB Group, deu início à construção da primeira usina de etanol de trigo do país. O parque fabril, localizado em Passo Fundo (RS), recebeu investimentos de R$ 1 bilhão, dos quais R$ 730 foram financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS). Com previsão para ser concluída em 2026, a unidade terá capacidade para produzir 220 milhões de litros de etanol por ano, além de 155 mil toneladas de DDGS (Grãos secos de Destilaria com Solúveis), subproduto do etanol utilizado para alimentação animal, e mais 35 mil toneladas de glúten vital. Produto usado para fortificação de farinhas de baixa qualidade, o glúten vital produzido na unidade da Be8 será suficiente para atender toda a demanda brasileira. “Com mais este empreendimento industrial, a Be8 vai trazer desenvolvimento e oportunidade para nossa região e mais uma solução de energia verde para a transição energética do país”, avalia Erasmo Carlos Battistella, presidente da Be8.
A unidade também terá uma planta para produção de energia elétrica com cogeração a partir de biomassa suficiente para alimentar o parque fabril – o excedente será destinado à rede de distribuição da região. Os efluentes líquidos serão utilizados para gerar vapor, abastecendo toda a unidade e evitando que sejam lançados no ambiente. Líder na comercialização de biodiesel no país, com produção aproximada de um milhão de metros cúbicos por ano, a Be8 foi pioneira na exportação do combustível para a Europa, em 2013, e recentemente começou a fazer envios para os Estados Unidos.
Para Battistella, a segurança jurídica e a previsibilidade são fundamentais para que os projetos do novo mercado de combustível sustentável possam sair do papel. Assim, a aprovação pela Câmara do projeto Combustível do Futuro (que seguiu para sanção presidencial) é considerado um marco do setor. “É muito importante para colocar o país num novo patamar de investimentos, o que permitirá ocupar um papel de produtor e exportador de biocombustíveis ao invés de ser apenas um fornecedor de insumos para outros continentes.” O projeto modifica os percentuais de mistura de etanol na gasolina e de biodiesel no óleo e estabelece incentivo ao biodiesel e ao combustível sustentável. Também obriga o setor de aviação a reduzir emissões de GEE a partir de 2027, chegando a 10% em 2037, através do uso do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). //
5 SOLUÇÕES QUE JÁ FAZEM A DIFERENÇA NA TRANSIÇÃO
Atuando no Brasil desde 2023, a Morfo trouxe ao país sua tecnologia de restauração de florestas tropicais em larga escala, baseada em uso de drones, IA e encapsulamento de sementes. O método é capaz de distribuir até 180 sementes por minuto e plantar 50 hectares por dia, inclusive em áreas de difícil acesso. Entre os projetos em curso, estão a revitalização da Mata Atlântica em Campo Grande (RJ) e Santa Cruz Cabrália (BA) e da Floresta Amazônica em Paragominas (PA).
Presente no Brasil desde 2021, a argentina GrowPack usa tecnologia baseada em polímeros naturais (lignina e celulose) para permitir que agricultores transformem biomassa excedente (como a palha do milho) em embalagens sustentáveis. A empresa, que atende marcas como iFood e Ambev, recebeu um aporte de US$ 2,2 milhões. Modular e escalonável, o modelo de produção usa tecnologia totalmente mecânica – não há cozimento químico das matérias-primas, o que reduz ao mínimo a pegada ecológica e os custos de produção.
A dinamarquesa Aquaporin desenvolveu um método inovador que purifica a água por meio de técnicas de biotecnologia membranas biomiméticas simulam os canais de água encontrados em membranas celulares. Assim, as moléculas de água passam, mas as impurezas são bloqueadas. Além de garantir água purificada, a tecnologia reduz o consumo de energia em comparação com os métodos tradicionais de filtração. O objetivo é antecipar o problema, cada vez mais provável, da escassez de água potável.
A Enervalis, com sede na Bélgica, aplica tecnologia de machine learning (aprendizado de máquina) para monitorar e analisar o consumo de energia das empresas, permitindo identificar ajustes que promovam maior eficiência, economia de recursos e redução do desperdício energético.
O MIT desenvolveu um sistema de dessalinização operado pela luz solar. Adaptável às variações de luminosidade, o equipamento ajusta-se automaticamente para garantir a remoção eficiente do sal da água, sem precisar de bateria para manter o processo ativo. Segundo o MIT, o sistema atinge uma média de 94% de eficácia no uso da energia solar, possibilitando a produção de até 5 mil litros de água potável por dia.
5 PARA SALVAR O PLANETA
No Fórum Econômico Mundial de 2022, foi sugerido o uso de “bolhas espaciais” para bloquear a radiação solar. O projeto de geoengenharia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) defende que seria possível refletir boa parte da radiação solar com uma espécie de escudo, equivalente ao tamanho do Brasil, instalado no espaço.
Apoiado pelo bilionário alemão Peter Thiel, um engenheiro canadense acredita que uma boa ideia para gerar energia limpa é criar tornados. Batizado como Motor de Vórtice Atmosférico (AVE, na sigla em inglês), o projeto pretende desenvolver redemoinhos gigantes que seriam usados para mover turbinas e obter eletricidade sem envolvimento de carbono.
Uma nuvem de poeira instalada no espaço poderia ser uma solução momentânea para o desastre climático. Pelo menos é o que acreditam cientistas escoceses, que cogitaram usar um asteroide como âncora gravitacional para fixar uma camada de pó sobre o planeta, refletindo a luz do sol e permitindo um refresco momentâneo.
Para combater o derretimento de geleiras, responsável pela elevação dos oceanos, cientistas da Universidade de Ohio querem criar um imenso cobertor high tech de 10 mil metros quadrados, produzido com polipropileno, para proteger as estruturas glaciais da luz do sol. Até que faz sentido: mantas de polipropileno são usadas para preservar o gelo nas pistas de esqui.
Não satisfeito em ter participado da criação do maior telescópio do mundo, o professor Roger Andel, do Arizona, acredita que seria possível instalar um gigantesco guarda-sol no espaço. A estrutura de 100 mil metros quadrados seria colocada em órbita a uma distância de mais de um milhão de quilômetros no planeta, contando com trilhões de lentes que teriam a missão de reduzir a intensidade da luz solar.
“É POSSÍVEL PENSARMOS UMA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL QUE NOS AJUDE A TORNAR NOSSAS ATIVIDADES TRADICIONAIS MAIS SUSTENTÁVEIS AO MESMO TEMPO EM QUE ELA É EMPREGADA PARA O DESENVOLVIMENTO DE SOLUÇÕES INOVADORAS.”
GUSTAVO MACEDO, PROFESSOR DE IA DO INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA (INSPER) E DO INSTITUTO BRASILEIRO DE MERCADO DE
CAPITAIS (IBMEC)
“AS STARTUPS SÃO MAIS PROPENSAS A ASSUMIR RISCOS AO DESENVOLVER TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS, AJUSTANDO SEUS MODELOS DE NEGÓCIO CONFORME O FEEDBACK DO MERCADO, O QUE PODE ACELERAR A TRANSIÇÃO PARA UMA ECONOMIA MAIS SUSTENTÁVEL.”
CLÁUDIA SCHULZ DIRETORA DE PROGRAMAS ESPECIAIS PARA COMUNIDADES E ECOSSISTEMAS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE STARTUPS (ABSTARTUPS)