Ele foi recebido por deputados e senadores em Brasília (DF), lotou teatros no Rio de Janeiro e em São Paulo, participou de programas de TV e, onde quer que estivesse, não escapava de CEOs ávidos por um autógrafo ou uma selfie ao seu lado. Todos queriam ouvir e até mesmo sentir Yuval Noah Harari, autor de Sapiens, Homo Deus e outros livros que, juntos, venderam mais de 20 milhões de cópias. Aos 43 anos, o historiador esteve pela primeira vez no Brasil, em novembro.
Dedicado ao estudo da humanidade, Harari se tornou um oráculo global desde que seu Sapiens foi publicado em inglês, em 2014. De CEOs do Vale do Silício a proeminentes líderes políticos, todos passaram a vê-lo como um guru, alguém capaz de interpretar o futuro desconhecido através das experiências do passado e do presente. Em suas falas, costuma tecer críticas ao monopólio de empresas digitais, alertar para um novo tipo de colonialismo (de países desenvolvedores de inteligência artificial) e também para a necessidade de regulamentação do uso de dados pessoais. Mas, em sua passagem pelo Brasil, nenhum desses tópicos ganhou mais atenção do que outra necessidade imediata: a de aprender, desaprender e reaprender habilidades ao longo de toda a vida.
Fazendo coro com um número crescente de educadores e empresários, Yuval Harari está convicto de que a sobrevivência profissional depende de atualização constante. “A principal habilidade não é mais aprender qualquer fato ou equação física, mas como se manter aprendendo e mudando ao longo da vida”, disse ele, durante um evento em São Paulo. Mais conhecido pelo termo em inglês lifelong learning, o conceito de aprendizagem contínua não é necessariamente novo, mas se tornou essencial no século 21 por uma série de razões.
A hora do lifelong learning
A primeira é demográfica e comportamental: as pessoas estão vivendo mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida ao nascer, em 2019, é de 80 anos para mulheres e de 73 anos para homens no Brasil – nascidos em 1980 esperavam viver 62 anos, em média. Junte isso à Reforma da Previdência: aprovada em outubro, ela fará com que quase todo brasileiro trabalhe um pouco mais para se aposentar. Permanecer ativo por mais tempo no mercado de trabalho, portanto, será imperativo. E a competitividade estará diretamente ligada à aprendizagem.
Outro fator que favorece a popularidade do lifelong learning é o contexto profissional. Especialistas têm identificado que as gerações atuais querem somar o maior número de experiências possíveis na carreira. “Aquele paradigma do company man, que passava a vida inteira numa empresa, foi derrubado. As pessoas perceberam que ter múltiplas carreiras é interessante”, explica Stephan Younes, diretor da Slash Education, plataforma de lifelong learning criada pela PUC-PR em parceria com o Grupo A, holding que reúne editoras de livros científicos e plataformas digitais focadas na área de ensino.
A terceira razão para aprender ao longo da vida é a transformação digital, que desfaz e refaz modelos de negócios a todo instante. A ideia é buscar atualização em conhecimentos técnicos e específicos – hard skills. É o caso de aprender a usar a abordagem do design thinking para validar hipóteses e escalar uma solução. Ou se especializar em user experience (UX) para entender e mapear a jornada do cliente. “Não dá para parar no tempo e usar apenas as técnicas que aprendemos no passado“, diz Paulo de Tarso, diretor-presidente da Platos, braço B2B da Cogna Educacional (antiga Kroton) para o ensino superior. “No futuro, elas não vão funcionar.”
Além de conhecimentos hard, empregadores e empregados precisam desenvolver habilidades soft – menos técnicas e mais comportamentais, sociais e emocionais. Aqui entram competências menos palpáveis, difíceis de quantificar. Para executivos consultados pela The Economist Intelligence Unit, núcleo de inteligência da revista britânica The Economist, as soft skills mais importantes para o futuro incluem resolução de problemas, trabalho em equipe e comunicação. Adaptabilidade, criatividade, espírito de liderança e pensamento crítico são outras habilidades valorizadas, bem como a capacidade de “aprender a aprender”.
As organizações sempre prezaram funcionários com esses atributos. No entanto, pensava-se em soft skills como comportamentos inatos, e não como um conjunto de competências que pudesse ser compreendido, analisado, ensinado e, sobretudo, aprendido. A partir dessa perspectiva, surgiram empreendimentos especializados em treinamentos de hard e soft skills. É o caso da Singularity University.
Do Vale para o mundo
Criada em 2008 no Vale do Silício, na Califórnia, a Singularity é referência mundial em temas ligados à inovação. Instalada em uma base de pesquisa da Nasa, a instituição tem entre seus investidores, além da agência espacial, empresas e organizações como Google, Cisco, Nokia, Deloitte e Unicef. Lá são oferecidos eventos, cursos de especialização e de férias e workshops.
Seu público é majoritariamente de executivos de primeiro escalão, ligados à área de tecnologia ou a cargos de liderança.O sucesso foi tão grande nos Estados Unidos que a Singularity começou a atrair c-levels de outros países. Entre eles Jorge Paulo Lemann, um dos criadores do fundo 3G Capital (controlador de marcas como AB InBev, Kraft Heinz e Burger King), Pedro Bueno, ex-CEO do grupo de laboratórios Dasa, e Fernando Byington Martins, VP do fundo de investimentos Brookfield. Desde que a universidade foi fundada, mais de mil brasileiros foram à sua sede em busca de capacitação. “Por isso a Singularity deixou de ser um conteúdo específico do Vale do Silício e passou a agir globalmente, por meio de instituições parceiras”, explica Poliana Abreu, head de conteúdo da HSM.
Braço de educação executiva do Grupo Ânima, a HSM é uma espécie de master franqueado da Singularity – o que tornou o Brasil o sétimo country partner da universidade americana, também presente em países como Dinamarca, Japão e Nova Zelândia. A operação brasileira começou em 2018, com a realização de um summit. Em inglês, a palavra significa topo ou cume. Aplicada ao mundo dos negócios, passa a ideia de uma reunião de cúpula, onde reúne-se um grande número de líderes para discutir tendências, novidades e inovações de alto impacto. O primeiro SingularityU Summit foi voltado aos desafios da indústria. O segundo, realizado em 2019 na capital paulista, foi voltado ao setor financeiro.
Para 2020, o objetivo é realizar um evento voltado à criação de soluções in company e outro ao agronegócio. O ano também será de abertura de uma filial, em São Paulo, e de execução do executive program, agendado para o primeiro semestre. As aulas serão ministradas por professores da Singularity dos Estados Unidos e profissionais do Brasil chancelados pela universidade. Entre os tópicos do programa estão o impacto da inteligência artificial nos empregos humanos, a ascensão dos nativos digitais, o design das cidades na era dos carros autônomos e a ética da biologia sintética. Embora as aulas mirem hard skills, os líderes serão estimulados a trabalhar em equipe, conviver e criar protótipos juntos (soft skills). O encontro é imersivo e terá duração de três dias em Bento Gonçalves (RS), ao custo de US$ 7.499.
Retorno sobre aprendizado
Além da Singularity, outras escolas, edtechs e plataformas surgiram nos últimos anos oferecendo cursos que misturam hard skills com soft skills. E isso tem atraído muita gente. Lucas Saad, de 38 anos, é fundador e diretor de uma consultoria de branding com 15 anos de atuação em Curitiba. Em outubro de 2019, ele participou de um curso de um dia na Slash Education. Em pauta, a experiência do cliente. As aulas foram ministradas por Yuri Dantas, customer experience da Nubank. “Foi uma ótima oportunidade para conhecer novas ferramentas e aprofundar meu conhecimento com uma autoridade na área”, sintetiza Saad.
Os preços praticados pela Slash, cuja sede fica na capital paranaense, são bem mais enxutos que os da Singularity. O curso feito por Saad, por exemplo, tem valores entre R$ 790 e R$ 950, a depender do lote. Mas não foi só o preço ou o conteúdo que chamou sua atenção: o modelo da capacitação também. “Hoje não tenho mais tempo para ficar um ano e meio fazendo MBA, seguindo aquela didática de sala de aula toda a semana ou de fazer trabalhinho em casa”, explica o empresário. “Prefiro separar um dia para fazer um curso específico, pontual, acessível e de ótimo custo-benefício.”
Fundador da Singularity University, o canadense Salim Ismail defende que num futuro próximo a métrica de sucesso organizacional mais relevante não será o ROI (sigla em inglês de retorno sobre investimento); será o ROL, o retorno sobre o aprendizado. Poliana Abreu, da HSM, não apenas concorda como acrescenta que isso deve partir das organizações, ao criar uma cultura de promoção do desenvolvimento pessoal. “O escopo precisaria ser ampliado, com o objetivo indo do know-how – que visa as habilidades técnicas – para o know-why.” Segundo ela, esse será o fio condutor do programa executivo da Singularity no Brasil, que contará com duas turmas de 50 pessoas: um grupo terá capacitação em português; o outro, em inglês. Segundo Abreu, a turma em inglês foi criada para capacitar executivos dos demais países da América Latina. De quebra, é um jeito sutil de incentivar o brasileiro que ainda não domina o idioma a desenvolver a habilidade. Afinal, sempre é tempo de aprender.
Onde está o lifelong learning
Escolas de negócios
• Singularity University (HSM)
• Saint Paul
• Minerva Schools
• Insper
• PerestroikaEdtechs (startups de educação)
• Tera
• Gama Academy
• Idea9Plataformas
• Coursera
• Udemy
• Udacity
• LinkedIn Learning
• Slash Education
Publicado na 1ª edição da Revista 20/30.